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domingo, 8 de junho de 2014

Arcaz do adro


Se deparares com o arcaz granítico do adro
Sem decoração nos laterais mas com epígrafe
Numa das quatro águas da tampa lisa hexagonal
E abrires as gavetas pesadas do pensamento
Ao espaço profundamente sombrio
De quinhentos ou mais invernos de vazio
E aí encontrares sentimentais estranhezas
Resguardadas de olhares superficiais
Pedras manuscritas por pedreiros profetas
Com delicadezas de cartas de amor
A tantas Ineses como a do Pedro Justiceiro
Rainhas do amor
Mortas primeiro...
Isso é um sarcófago.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A ampulheta e o burro


Asinino tem coisas mirabolantes
De deixar o diabo sem esperança
De o fazer chegar aonde ele quer

Asinino não se faz desentendido
Ele não entende porque não quer
Mas deixa-se fascinar
Da forma mais imprevisível
E sem perceber
Anula todos os efeitos
Do que observa
Deixando o diabo a pensar
«Que é que o faz então observar?»

O diabo não tira o olho da ampulheta
E espera que a areia acabe numa âmbula
Para a virar ao contrário
E assim continuar a confirmar
A sua crença na medição do tempo

Asinino vê a areia a passar
E não espera nada
Fica a olhar
Quando a areia acaba
É ele que se vira ao contrário
E como a areia continua parada
Pára o calendário.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Dá-se o caso


Pequeno almoço com janelas
Para um quadro 
Com milhares de anos

É assim que pensas
É assim que dizes
O momento

A mulher ao lado
Está doente
E o homem ao fundo
Está a escrever no guardanapo
Para o outro mundo

Já se faz tarde
E temos pela frente
Um dia para visitar museus
Dormimos pouco
Mas estou contente

Tu fazes-me sentir vivo
Num mundo de memórias
De imensas coisas mortas
Fazes-me sonhar
E não devia ficar triste… 


Carlos Ricardo Soares 

domingo, 1 de junho de 2014

Como é belo o teu dizer


Como é belo saber ver
Do lugar onde cheguei
Do luar que acreditei
Do deitar tudo a perder
Do não sei pra onde vou
Como é belo compreender
Que o tempo nunca parou
Nas rosas que vi nascer
No vaso do nosso amor
Como é belo saber ver
Que a vida lança raízes 
No solo estéril da dor
Como é belo ouvir dizer 
As palavras que me dizes.


sábado, 24 de maio de 2014

Escrever poemas


Escrever poemas 
enquanto 
morres
é um acto triste 

sobre o que será
a minha vida
escrever poemas 

enquanto 
vives
é um acto de libertinagem 

despedida
enfim
escrever poemas
não tem saída.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Colocar o tempo numa moldura


Deixo passar o tempo e digo-o
Como se tivesse o poder
De o deixar em herança 
De o fazer parar numa moldura
Como foto de dança
De vénus infame
Nos meus desertos 
Em tons de ferrugem 
De vitral de uma ala 
Dos arquivos de uma catedral 
No fundo do mar
Na paz pesada
Que ensurdece
Após S.O.S.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Não há tempo a perder


Nem tudo o que dissemos
Se desvaneceu
Memórias de nós
Que ninguém escreveu
Encantam a noite
Da flor que te ofereço
Quando ainda há tudo
Para dizer
Não há tempo
A perder.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Achar-te bonita


Achar-te bonita é tudo o que importa
Mesmo que ache feio 
Tudo à volta
Mais do que receio
Nada tem de louco
Mas enlouqueço
Por achar tanto
E tudo ser tão pouco
A poesia
A vida 
A pena do que perdi
E este desejo de ti.