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sábado, 5 de setembro de 2009

O Poeta do Calvário

Há imensas expressões e palavras que cairam tão depressa em desuso que, hoje, só alguém com mais de cinquenta anos que tenha nascido e crescido num meio popular (analfabeto) será capaz de lembrar algumas delas. Lamento muito o facto de se ter substituído em poucas décadas registos linguísticos populares com centenas de anos. Nesse aspecto a escolarização varreu (e para muita gente não suficientemente depressa) toda uma "bio"diversidade que os escritores não tiveram tempo de perceber que era preciso preservar, pelo menos através da escrita. E não estou a pensar apenas em "botar as barbas de molho".
Na minha primeira infância havia personagens que eram estranhamente respeitadas na sua "loucura". Uma delas transfigurava-se no momento em que se punha a dizer versos à porta da taberna. Era um poeta. Dizia que não sabia donde lhe vinham aqueles versos. Falava à maneira de um ignorante para ignorantes. Muitas coisas que ele dizia e fazia "não eram dele" e, de facto, ele nunca tinha estudado e não sabia ler nem escrever. Não conhecia confortos e andava sempre sozinho. Nada tinha e nada ambicionava e com ninguém falava. Quando falava era para um público, fora disso era capaz de passar horas sentado nos degraus da igreja do Calvário, ao sol se fosse inverno e à sombra se fosse verão.
Esse singular e misterioso ancião que nunca perguntava nada, nem respondia a ninguém faz-me pensar que talvez ele fosse um génio que era poeta sem ser "à maneira de" erudito.
Ou sou eu, agora, que estou a ser louco...