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domingo, 31 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? VI


A resposta à questão da Sabedoria não é geral e abstracta, nem consensual, nem apenas concreta e é sempre a resposta possível. A resposta possível, não sendo a ideal, é boa, contanto que, como diz o ditado, o óptimo seja inimigo do bom. 

As culturas vão corporizando e instituindo como valores aquilo que a experiência e o saber permitiram concluir que são boas soluções. Daí o dizer-se, correntemente, que as culturas são expressão de sabedoria.  

Quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista das organizações e das instituições sociais, são constantes a indagação e a discussão e as decisões sobre o que, num determinado momento, para um determinado problema, é a melhor resposta. Por exemplo, a melhor resposta da religião pode não ser aceite pela filosofia e vice-versa, ou pelo positivismo, ou pela ciência. E a melhor resposta para mim, pode não coincidir com a da ordem instituída.  

A Sabedoria está sempre a ser construída e reconstruída, num processo inevitável de renovação vital. Neste ponto, o que tem de ser tem muita força e não há como fugir ou impedir que se cumpra a Sabedoria. Ela é a condição humana.  

Nem a Sabedoria nos abandona, porque não existe. Nem nós a abandonamos, porque não a temos.  

Mas, então, o que é que nos faz ter noção de Sabedoria se não a temos e se ela não existe, pelo menos nos moldes do que habitualmente designamos como existente? 

E por que ousamos dizer que o conhecimento mais difícil de alcançar, mas essencial para a nossa relação com os outros, com o mundo, é o conhecimento de si mesmo? 

Que noção temos de “conhece-te a ti mesmo” e que grau de conhecimento de si mesmo alguém, reconhecidamente, revelou, que nos autorize a preconizar o conhecimento de si mesmo? De qualquer modo, isso não é mais do que um conselho, ou preceito, que nada nos diz sobre como realizar essa tarefa, alegadamente, "tão superior". 

Um dos pontos fracos de todo o sistema normativo é prescrever a conduta (por acção ou omissão) e nada dizer sobre como fazer, quais os procedimentos que permitem cumprir. 

Outro ponto fraco é dar de barato o problema de que, para além de saber como, ainda falta fazer, ou seja, é necessário que uma pessoa admita e reconheça a importância e a possibilidade de se conhecer a si mesma, tenha a noção do que é preciso fazer e a possibilidade concreta de o conseguir e, finalmente, que o faça. 

Ora, a única coisa, que lemos e ouvimos sempre, é “conhece-te a ti mesmo”. Os outros pontos que assinalei parece que ficaram suspensos há séculos, como se não tivessem tanta ou mais importância.  

O triunfo da ciência não tem sido conseguido na investigação dos problemas e na confirmação, concretização das hipóteses? 

Quando se trata, por ex., do que se deve ensinar hoje nas escolas, é frequente dizer-se que, em vez de memorização de informação, se invista no pensamento crítico, que se ensinem as crianças e os jovens a pensarem pela sua cabeça, que a aprendizagem deve prepará-los para a mudança constante e para o stress que isso causa, etc..  

Mas isto toda a gente sabe. 

O que talvez ninguém saiba, e era preciso que dissessem, é como é que as crianças, os jovens e os adultos reconhecem a importância disso, como é que, alunos e professores, poderão operacionalizar isso e, finalmente, fazer, realizar isso.  

De certa forma, se Sabedoria significa conhecer a realidade, conhecer-se a si mesmo, identificar o erro e não agir contra a realidade, nem contra si mesmo, corrigir o erro, ou seja, adaptar-se à mudança, é importante que se torne isso. 

Ainda que, aqui, tenhamos mais questões: como vamos preparar-nos para uma mudança que não sabemos qual vai ser? E a adaptação à mudança o que é que significa? Se não me adaptar à mudança, isso não significa que me adaptei ao meu modo? Ou significa que não mudo, ou que mudo num sentido que, supostamente, não me é vantajoso? E os que se adaptarem à mudança, mudam por quererem, por lhes ser supostamente vantajoso? 

 

Teremos a Sabedoria de que formos capazes, porque não há outra.  

Carcomida a bengala de Deus e levados nas asas da inteligência artificial, sabedoria será a melhor resposta aos problemas da sobrevivência. 

sábado, 30 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? V


A Sabedoria não é algo que exista e se encontre em algum lugar. Não está, nem pode estar, senão no pensamento e na acção do homem, no modo como este enfrenta e vive a vida, os problemas da vida e os pensa.  O homem, ao dar-se conta, pela experiência e reflexão, de que tem margem para escolher e de que a sua acção ou inacção têm efeitos e consequências, exercita a sua aptidão para a sabedoria e o desejo de conceber e operacionalizar o melhor dos modos de enfrentar, pensar e viver a vida, não apenas para cada situação particular e concreta mas para todas as situações da vida, em geral abstracto 

Se há modos diversos de o fazer, se há uns melhores do que outros, é irrecusável pensar qual será o melhor, como saber e como realizá-lo.  

Era tão bom que as respostas estivessem disponíveis em algum lado...  

Mas não, nós é que vamos decidir se há respostas, se umas são melhores do que outras, qual é a melhor e tentar segui-la ou aplicá-la, ou, simplesmente, não fazer nada, se for possível.  

Apesar do que algumas religiões dizem, não creio que algum deus tenha dado qualquer sinal do melhor modo de encarar a vida ou do que devia/deve ser feito. Se o fará, não sei e, se alguém souber, que faça o favor de informar. 

A tentação de encontrar um deus, ou um sábio, que resolva os problemas é tão grande que o homem não foi capaz de lhe resistir.  

Mas errou redondamente. As religiões cometeram a fraude de dar as respostas como se estas fossem a antecipação daquelas que o homem, por si só, segundo alegados ou supostos critérios de sabedoria, deveria encontrar e que, talvez, nunca alcançasse.  


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? IV

Este ideal de sábio é tão irrealista, inalcançável, fantasioso, desenraizado da própria humanidade, que se torna contraditório ou absurdo por requerer e supor a própria humanidade do sábio, justamente o que dá razão de ser ao ideal de sábio. Este, sob pena de se contradizer e negar-se a si mesmo, não pode deixar de ser um ideal humano, que os homens queiram, possam e reconheçam valor em realizar. 

As posições filosóficas idealistas, tal como as posições religiosas, quando se colocam num plano “não realista”, fora da realidade como ela éabstractas e puramente racionalistas, perdem credibilidade como concepções filosóficas, porque se posicionam fora e contra a realidade, o que é um erro.  

Ora, sendo a Sabedoria o objecto e o objectivo da filosofia, é da essência desta identificar e posicionar-se contra o erro. 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio? III


Do sábio espera-se que, tanto nas palavras sábias que diz, como na sábia conduta com que faz, ou deixa de fazer, revele ter a justa noção das coisas. 

E que ame, que esteja imerso, que inclua, que agasalhe, que estreite, que abrace, que pacifique, que construa, que cure, que salve e que não agrida, que não afaste, que não hostilize, que não adoeça, que não mate e que, se tiver de condenar, o faça pelo sentido último das virtudes de Sócrates, formulado pelo imperativo categórico, de Kant, e não por uma razão pura.  

E que não tenha outro poder, nem outra riqueza, nem outros apegos, senão os da Sabedoria, que outros maiores não existem. 

E dele não se espera e não se aceita que seja imprudente, tolo ou medroso.  

A loucura do sábio tem mais a ver com a sua ousadia, valentia, despojamento e capacidade de abnegação. 

Tanto ou mais do que ao nível discursivo, ao sábio não são toleradas paixões, senão a compreensão delas, fraquezas científicas, nem morais, nem de mundivisão e mesmo as fraquezas físicas, apenas são toleradas as que, de todo, não forem indesculpáveis.

  

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio ? II

O sábio não possui a Sabedoria, nem a filosofia possui a Sabedoria, embora a vida do sábio seja uma prova de sabedoria e não apenas pelo seu amor a esta. Não obstante, a prova de sabedoria está suspensa de muitas condições e, a de ser sábio também, entre elas, não falhar até ao fim da vida, uma falha deita tudo a perder e, por outro lado, tudo depende da avaliação futura.  

Ao sábio não basta saber os códigos ou a matemática com os quais decifrasse e desenigmasse o universo e a vida. Não basta ter bondade, embora esta seja um atributo da sabedoria. Não lhe basta ter, ou dizer palavras de sabedoria, pois até do bico do papagaio e da boca do néscio podem sair palavras sábias. Nem basta proceder como um sábio, porque os ignorantes, até certo ponto, também podem agir em conformidade.  

Nem basta ao sábio saber o que é a Sabedoria e o que é ser sábio. 

domingo, 24 de janeiro de 2021

Quem quer ser sábio?

A Sabedoria é o âmago da filosofia. 

Diria que é a dimensão mais conseguida e mais completa da(s) Inteligência(s). É integradora dos saberes, dos conhecimentos, das culturas e dos discursos acerca deles, não apenas na óptica ou perspectiva do sábio, mas também nas de outros sábios, presentes ou futuros e manifesta-se na personalidade e no carácter. Por ex., uma decisão sábia pode ser a realização ou concretização, mais do que a conclusão, de um processo de conhecimento e de compreensão e de visão, no entanto, não exclui que só ao fim de muitos anos ou séculos se possa avaliar a sabedoria que lhe esteve subjacente.  

A Sabedoria não é um determinismo da natureza, cujas leis as ciências da natureza pudessem estabelecer. 

Ninguém está “condenado” a ser sábio. Ninguém pode ser “condenado” a ser sábio. Mas certas pessoas, pela personalidade, por temperamento e pelo carácter, estão em piores condições do que outras para serem sábias. 

Algumas pessoas, pelas funções que exercem, não podem deixar de revelar um elevado nível de sabedoria relacionada com o seu múnus, mas isso não é ser sábio.