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domingo, 27 de junho de 2021

A importância do PENSAR

É impossível exagerar a importância do pensar, ou, como diz António Damásio, a importância da consciência. Mas pensar e consciência só por si não são garantia de nada de bom. Os estalinistas pensavam e eram conscientes, assim como os nazis e muitos outros que perpetraram os maiores horrores, ao longo dos tempos. Ainda hoje, as máquinas de guerra e de destruição massiva continuam a ser do mais "pensado" e consciente que se pode imaginar e os indivíduos e grupos que dominam e controlam os poderes e as riquezas são dos mais "pensadores" e conscientes e inteligentes. Se quisermos encontrar inteligência é nos núcleos de interesses que são mais disputados. O sector financeiro é certamente um deles. Eles fazem a melhor escolha. A melhor escolha, do ponto de vista evolutivo e da economia dos sistemas vivos, é aquela que melhor serve os interesses do proprietário da racionalidade, que é um indivíduo. Até que ele processe, por efeito da cultura, que a melhor escolha do ponto de vista individual é a que recair sobre um interesse colectivo que não seja conflituante com interesses de indivíduos ou grupos mais fortes, pode decorrer uma eternidade, ou não, mas constatar que os problemas de composição de conflitos (e as relações humanas assentam em interesses que, por definição, são susceptíveis de gerar conflitos) são problemas de relação de forças e de poder, que se sobrepõem à neutralidade da matemática e da ciência, que serve todos igualmente, quer sejam estalinistas, nazis ou outros igualmente autoritários.

O paradoxo, ou a ilusão da melhor escolha é que ela é determinada em função de um indivíduo, do indivíduo que a faz, mas relativamente a um interesse, ou seja, a algo que é disputado pelos outros indivíduos e, se a solução procurada for mobilizar um grupo, a disputa agrega-se e amplifica-se. Nesta fase, já o conflito está institucionalizado e o pensamento e os valores mobilizados para "a melhor" escolha que é a que se impõe, numa inevitável identificação do melhor com o menor dos males possíveis.

Acredito na via institucional, nomeadamente jurídica e política, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem à cabeça, em permanente actualização, de modo a abranger a defesa e protecção da natureza e do ambiente saudável, iluminada pela ideia de Direito, sem conceder nos direitos naturais do indivíduo humano, como único e insubstituível dador, intérprete e destinatário de significado, de valor e de sentido, que o coloca no topo da hierarquia do que deve ser respeitado e defendido.

O reverso da medalha são as implicações severas para o humano que ofender o humano e para as estruturas e organizações estaduais, militares e policiais, ou económico-financeiras, que subestimem ou violem os direitos, liberdades e garantias dos indivíduos, não apenas enquanto cidadãos de um qualquer país, mas como titulares de direitos humanos universais, de gozo e de exercício.

Desde a consagração constitucional dos direitos fundamentais do indivíduo que a civilização deu sinais de ter realizado um salto evolutivo. Mas os sistemas totalitários reagiram de um modo brutal e desesperadamente demagógico e apocalíptico à necessidade de empoderamento real e físico do indivíduo, dos indivíduos, face a qualquer tipo de poder que não os respeite.

Lembremos que os Direitos Humanos não são meras advertências, ou proclamações de princípios solenes, para conforto psicológico ou ideológico dos indivíduos, uns perante os outros, mas baluartes de defesa contra os poderes, mormente estaduais, militares e policiais, de tal modo eles têm sido ameaça e ofensa efectiva desse valor máximo que a nenhum outro deve ser sacrificado.

Actualmente, uma ameaça notória e muito consentida pelos padrões de tolerância liberal do jogo capitalista ganha terreno, à custa da valorização do indivíduo e da protecção que lhe é devida. Os Direitos Humanos vão ter que se focar, não apenas na ameaça do Estado, militar e policial, mas também na ameaça dos poderes económicos e financeiros, nacionais e internacionais.

A liberdade individual, por um lado, dá azo a que os poderosos abusem e as políticas sociais, justificadas pelo dever de solidariedade e pelo sistema de mutualismo, bem como pelos direitos dos mais carenciados, na prática funcionam como políticas de estímulo e de investimento nas estruturas privadas de assistência médico-hospitalar e outras.

Aparentemente, a “guerra” é feita pelos queixosos, pelos desagradáveis dos queixosos, que andam a importunar a felicidade dos outros, pelos necessitados, pobres e doentes, que andam a perturbar a paz dos ricos e bem sucedidos dissipadores de recursos. A vítima é sempre mal vista.

Que a actual pandemia nos inspire para concepções de prevenção e defesa do organismo humano, individual, que sirvam de modelo para defesa e prevenção de outras pandemias não menos perigosas e devastadoras.


terça-feira, 22 de junho de 2021

Não existem condições para o que não acontece

Dir-se-ia que nada está pré-programado, mas que existem condições para as coisas serem. Não existem condições para o que não acontece. E o que acontece, ainda que não saibamos as causas, ou condições, é o que é susceptível de conhecermos, a partir da memória. São factos. Memória. Passado.

A causalidade terá a ver com a nossa relação consciente, em diferido, descontínua, irregular, episódica, variável e nem sempre controlável, com tudo. A nossa consciência permite o nosso conhecimento, que é sempre “reportagem”, memória, desactualizada, daquilo que acontece. Digamos que o conhecimento está para a realidade assim como os factos estão para o devir.

A consciência, ela própria, como facto, parece não existir. Mais lembra o comboio da realidade, ou fluxo, que não para em sítio nenhum e que estamos constantemente a perder.

O passado não é senão memória, não tem lá nada que não seja registo de imagens, sons, etc.. Temos consciência muito esquiva do presente que logo se faz consciência de memória. Até o futuro, não existe senão na memória do que futuramos.

Se não tivéssemos memória, teríamos alguma percepção do tempo? Ou, até, alguma representação da realidade?

A ciência inventou um teatro e uma linguagem para representar a realidade, num tempo em que não havia fotografia nem filmes e isso trouxe as vantagens que são conhecidas.

Assim como a literatura e o teatro e as artes, em geral, fixavam ou congelavam a realidade no presente e a filosofia procurava dar-se conta das realidades e suas razões, significando-as e explicando-as, as ciências criaram um método “intemporal” de observação e de consciência da realidade, enquanto fenómeno temporal.

No que respeita ao cérebro, os incríveis avanços revelam-nos o que acontece, em termos de física de partículas, por ex., quando percepcionamos um objecto, movemos os olhos, voluntaria ou involuntariamente, reconhecemos esse objecto, pensamos sobre ele, decidimos tocá-lo e fazemos o movimento e registamos a memória disso ou, simplesmente, ignoramos, etc..

Os neurocientistas e os cientistas da física de partículas, ou do que quer que constitua a vida, ao serem capazes de explicar como é que a matéria, ou o “plástico” que existia no momento do big-bang se foi reorganizando ao ponto de se tornar sensível (homeostático?) e de ganhar um critério de reorganização que já parece uma racionalidade diferenciadora entre dois ou mais termos, e como evoluiu, por selecção natural, para formas de reorganização, nomeadamente nervosa, capazes de memória e de sentimento e de consciência, etc., acabam por mostrar que a ideia de programa é ela própria a ideia das condições que existem para as coisas serem.

E, neste momento, creio estarem criadas as condições para a filosofia ultrapassar algumas das discussões clássicas e, partindo de novos pressupostos, se interrogar sobre a realidade dos problemas e das soluções que eles devem ter.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

A natureza não erra?

O maior erro humano, desde sempre, que sobreleva, hoje não menos do que antigamente, sobre todos os erros (não esqueçamos que errar é humano) é que não há erro humano, o que há é homens que erram. Quando alguém erra, não é a humanidade que erra. 

A humanidade nunca erra. Porquê? O que é a humanidade? 

Só os indivíduos é que erram. 

Vai ser revolucionário admitir que, uma vez que as teorias da verdade, do conhecimento, doutrinas da salvação, da felicidade e do prazer, da sabedoria e do estoicismo, não foram capazes de resolver os problemas de sempre, nem, vistas bem as coisas, identificar esses problemas, vai ser revolucionário admitir que, dizia, a aposta deve ser na teoria do erro, em sentido amplo, de modo a incluir a mentira, a falsidade, enfim, todos os vícios humanos, e não apenas a condição de ignorância e a estupidez e, tentar substituir ou, talvez, converter as teorias do conhecimento em teorias da ignorância e do erro, ou do desconhecimento. Fará toda a diferença. 

Talvez começássemos a compreender que as razões pelas quais se busca ou deixa de buscar o conhecimento e a formação e os saberes não são as melhores razões mas aquelas que, desde sempre, se apresentam como tais, ao colocarem o homem contra o homem e a humanidade contra a humanidade. 

Actualmente, já há sinais, que muitos percebem como enigmáticos, de reconhecimento de que o homem, individualmente considerado, é o único e verdadeiro centro de conhecimento, de sentido, de dignidade e de valor. 

Nada, nem ninguém, transcende este imperativo. 

Aliás, é por ser transcendente que este imperativo demora tanto a ser entendido e continua a ser confundido com o “inimigo”, na concepção do homem lobo do homem. Qualquer indivíduo que se atribua uma dignidade e direitos naturais que não esteja disposto a atribuir e não atribua de facto aos outros, quaisquer que sejam as determinações sociais relativamente a isso, não poderá deixar de admitir que os outros se atribuam a si mesmos nessa medida. Mas isto é um erro. E é para nos defendermos dos indivíduos que erram que a civilização faz sentido e o conhecimento é tão importante.

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Não conhecemos nada que não tenha acontecido

A ciência não é apenas uma maquinaria de previsão do futuro a partir do presente, mas também pode ser de adivinhação do passado, ou retrovisão. Ou seja, não apenas permite antever os efeitos a partir das causas, como determinar estas a partir dos efeitos.
Há, porém, um problema sério que não ganhamos nada em ignorar: tudo o que aconteceu não podia ter acontecido de outro modo. Quando buscamos causas é sempre do que acontece e nunca do que poderia, ou poderá, acontecer. Não há causas do que não acontece.
O determinismo, neste aspecto da questão, é irrefutável, ainda que não sejamos capazes de explicar todas as causas de um facto.
Aproveito para introduzir aqui o problema do livre-arbítrio, que é fascinante.
Se tudo o que acontece é determinado por causas e se não conhecemos nada que não tenha acontecido, onde é que vamos situar o livre-arbítrio?
Já li bastantes coisas à volta do assunto, umas mais confusas do que outras, mas ainda não vi ninguém a colocar a questão desta forma.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Os professores

A propósito de um texto publicado no blogue, http://dererummundi.blogspot.com/2021/05/acordai-professores-que-dormis.html , comentei o seguinte.

Os professores não precisam de acordar, precisam de descansar e de dormir, mas não os deixam. 

Não precisam de mais alertas, porque já estão em alerta permanente há demasiado tempo.

Os professores, mesmo quando não há guerras declaradas com espingardas e granadas, ou incêndios e sirenes, assumem o papel de militares, num enquadramento de combate e luta, sem quartel, em todas as torres de vigia e guaritas, que se possam imaginar, com carregadores de balas de pólvora seca, autênticos placebos, que escrupulosamente tomam como princípios activos contra inimigos muito mais poderosos do que eles que, de dia e de noite, a todo o momento, lhes infligem derrotas e que são os mesmos que lhes fornecem os placebos e a pólvora seca e lhes dão instrução rigorosa de como a usarem, ao toque do clarim, ou da caixa, e que aparecem, estrategicamente, nas horas mortas, para os atormentarem com a prova de os apanharem a dormir.

Os que se fazem fortes, porque o são, ou acreditam nisso, e decidem ir à luta, como os touros, ou os guerreiros, por valentia e grandeza de carácter, como manda o hino, só acordam se tiverem a sorte de ir parar a algum hospital que os reanime.

Ninguém aguenta muito tempo uma guerra interminável e sabotada.

O essencial não é lutar, é identificar os inimigos, ou os adversários, avaliar o seu poder de fogo e adoptar estratégias de ataque e de defesa. 

Mas os professores não recebem preparação para isso.