Quixote: Sabes, às vezes penso que te inventei. Que foste só o eco daquilo que eu precisava ouvir. Um reflexo gentil no vidro embaciado da minha carência.
Aldonza (Dulcineia): E se me inventaste, por que continuo aqui? Por que me chamas quando o silêncio pesa? Talvez não seja invenção, talvez sejamos pirilampos à procura.
Quixote: Procura… Mas de quê? Do amor que se diz mas não se sente? Da palavra que promete mas não toca?
Aldonza (Dulcineia): Talvez da presença que não exige prova. Do gesto que não precisa legenda. Do amor que não se explica, mas se reconhece, como o cheiro da terra molhada.
Quixote: E se eu só souber amar com palavras? Se nunca tiver sentido o tal arrepio que dizem que é amor?
Aldonza (Dulcineia): Então ama com palavras. Mas que sejam tuas. Que não sejam copiadas de canções nem arrancadas de livros. Ama com a tua dúvida, com o teu medo, com a tua pergunta. Com a tua ilusão. Com a tua loucura. Com o que tens.
Quixote: Amar…E tu amas? Ou tudo não passa de palavras?
Aldonza (Dulcineia): Se tudo for palavra, que ao menos seja palavra viva. Que toque. Se não tocar na pele que toque no cérebro, que sintas por dentro. Que te transforme. E que, no fim, te leve até mim.
Carlos Ricardo Soares