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sábado, 28 de novembro de 2009

As palavras que me dizes

Como é belo saber ver
Dos horizontes sem fim
Dos dias que vi nascer
O que há dentro de mim
Que deita tudo a perder
Se não sei para onde vou
Como é belo compreender
Que o tempo nunca parou

Nas portas que vi abrir
Da terra que nós pisamos
Como é belo descobrir
Verdades que já erramos
Mas são do sol e da chuva
E dessa canção do vento
Que nos toca e nos ajuda
Com seu belo andamento

Como é belo acreditar
E em perfeito juízo
Não expulsar do paraíso
Aquele que o criou
É tão belo compreender
Que o amor lança raízes
Como é belo ouvir dizer
As palavras que me dizes.

domingo, 22 de novembro de 2009

Foste embora

Foste embora
E deixaste os girassóis
Aflitos
Na tua ausência
Ouço os seus gritos
Enquanto morrem
Atormentando o dia
Mais lindo do verão
Até eu
Que não tenho coração
E não mereço o céu
Nem o sol
Te suplico
Que regresses à terra.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O livro de todo o conhecimento (IX)

Aquela última frase inquietou-me mais do que eu podia suportar. Despoletou uma catadupa de cenários assustadores na minha mente. Com quem estive a falar ao telemóvel? Seria um agente da polícia? Ou o próprio ladrão do automóvel? E se o ladrão do automóvel se tivesse suicidado lançando-se ao rio? Pode muito bem ser a polícia, mas também pode ser o ladrão do automóvel a fazer-se passar por polícia para saber do meu paradeiro e manter-me sob controlo. O próprio furto do meu carro pode estar relacionado com o facto de eu ser advogado de Teresa no processo contra o marido A. Carrancas. Se assim for, será pouco todo o cuidado a ter com comunicações telefónicas, informações e quejandas. Convém manter-me alerta, à defesa. E se o ladrão tivesse usado o meu carro para assassinar alguém, por exemplo,Teresa, lançando-a ao rio, abandonando o carro de seguida? E porque haveria de deixar o carro sobre a ponte? Qual poderia ser o verdadeiro objectivo daquele telefonema? E eu? Como provaria que me tinham furtado o carro? A única pessoa a quem referi isso foi ao taxista. Poderia ele confirmar que lho referi e a hora? E isso seria suficiente para afastar a suspeita que podia recair sobre mim? É que também eu começo a estar envolvido numa investigação criminal e não apenas como advogado de Teresa.
Escureceu abruptamente e logo se levantou um vendaval ruidoso. Trovões ainda distantes, se foram tornando mais próximos relampejando cada vez mais violentamente sendo cada vez mais curto o intervalo entre o relâmpago e o trovão. Das imensas nuvens negras sobre as colinas cai uma chuva torrencial.
O Às veio esticar-se a meus pés, com o focinho entre as patas dianteiras e as orelhas afitadas, ora uma, ora a outra, ora ambas. Eu interpreto esta postura como um factor positivo. Habituei-me a confiar no meu cão. Mas ele faz sempre isso quando eu estou sentado a escrever, como agora.
Cada trovão ecoa pelos corredores e compartimentos da casa e ressoa pelo sistema de passagens subterrâneas em que há anos ninguém entra e onde me lembro de ter estado uma única vez, num dos túneis.
Creio que passei a vida a evitar pensar que esta casa, onde nasci há trinta anos, foi palco de acontecimentos tenebrosos, sangrentos, em que pereceram violentamente dezenas de pessoas, cujas ossadas, presumo estarem espalhadas pelas passagens subterrâneas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O livro de todo o conhecimento (VIII)

Tinha mudado de ideias. Precisava de rever os planos com calma. Paguei ao taxista. Não iria com o Às para as Várzeas. Estava a escurecer. Um tempo abafado de trovão. O ar começava a agitar a copa das árvores. O amarelo do sol no verde das plantas provocava um efeito de miragem e de estranha sede. Para dizer a verdade, havia mais insectos e aves no ar do que o normal. Daí a pouco poderia começar a trovejar. O meu cão estava irrequieto e desconcentrado. Trocava os latidos pelos uivos, mas parecia assustar-se com o próprio uivo.
- Sossega Às, sossega. Já percebi que se aproxima a borrasca.
Abri a mala do carro, ajudei-o a saltar para não se magoar e fomos a pé para casa, não mais de cem metros adiante. O Às precedeu-me com uma grande corrida. Fez o reconhecimento do terreno e voltou para junto de mim, tranquilizando-me de que o caminho estava livre de perigos.
O momento de regressar a casa, até há cerca de dois anos, era muito ansiado, mas desde então tem sido muito deprimente. Custa-me sempre imenso regressar. Já não tenho ninguém à espera, e temo que algum bandido ou ladrão se introduza lá dentro para me assaltar. Lúcia, minha mulher e Bertílio, nosso filho de três anos, pereceram tragicamente quando o avião em que seguiam, para visitar os meus sogros em Grenoble, explodiu. Os avós e o neto não chegaram a conhecer-se pessoalmente. Só por fotografias. A viagem foi precedida de grande entusiasmo e os avós tinham-lhes preparado uma recepção muito especial. As suspeitas de acto terrorista foram confirmadas. No inquérito, concluiu-se que a queda foi provocada pela explosão de um engenho a bordo. Às vezes penso que teria sido melhor se os tivesse acompanhado. Mas não pude, por motivos profissionais inadiáveis. Acabei por não poder fazer o trabalho na mesma, de tal modo fui atingido pela infelicidade da sua perda. Nesse mesmo ano, faleceram também, primeiro a minha mãe, de enfarte do miocárdio e, um mês depois, o meu pai de doença prolongada.
Dei duas voltas à chave e abri a porta para o Às entrar. Se tivesse farejado algo estranho já tinha dado sinal. Entrou normalmente, sem hesitações. Eu segui-o. Carreguei no interruptor, mas não havia luz.
Nesse momento tocou o telemóvel. Respondi:
- Sim, o próprio.
- Somos da PSP. O senhor está bem? Está em segurança?
- Estou.
- Onde está?
- Vão-me desculpar mas, neste momento, acho mais seguro não o dizer por telefone.
- Localizámos uma viatura que está registada em seu nome.
- Onde?
- Sobre a ponte Nova, em Fragoso. Porque é que deixou o carro aqui? Está perto?
- Não, estou bastante longe e não deixei o carro aí. Roubaram-mo hoje, ao início da tarde.
- Como? Vai ter que explicar. Vamos elaborar um auto e remover a viatura.
- Se são da PSP sabem como devem proceder, mas considerem a conveniência de recolher o máximo de indícios possíveis sobre o facto de a viatura ter sido abandonada nesse local depois de ter sido furtada.
- É o que estamos a fazer. É tudo muito estranho. Porque é que não apresentou queixa?
- Não tive tempo.
- Reze para que não apareça ninguém morto no rio.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O livro de todo o conhecimento (VII)

Apeteceu-me dizer ao taxista para me deixar ali mesmo. Afinal, desde que vi Teresa a partir no táxi até ao susto de ver o taxista inanimado sobre o volante, nunca deixei de pensar no desaparecimento do meu carro e, na verdade, imensas outras interrogações me passaram pela mente. Até que ponto o meu fascínio por Teresa estava a toldar-me o raciocínio? Não estaria a levar demasiado longe os meus deveres profissionais ao propor-me acompanhá-la e protegê-la sem ser solicitado, baseando-me tão só na minha suposição de que ela corria perigo? Concretamente, o que é que eu sabia e como o soube? Tudo o que sabia me tinha sido carreado pela própria queixosa, Teresa, que nunca me consultara a sós e que, por estar incapacitada de se deslocar ao meu escritório, pediu que me deslocasse à sua residência. Aí, sempre acompanhada da enfermeira Cândida, foi-me narrando alguns factos. Tive sempre em especial consideração o pormenor, eventualmente não despiciendo, de nem todos os factos me terem sido narrados pela própria Teresa, uma vez que a enfermeira, obviamente com o assentimento daquela, me transmitiu boa parte deles. À primeira vista, tê-lo-á feito por me conhecer melhor do que Teresa e por esta lhe ter confiado o que aconteceu. Mas, agora, de repente, assaltou-me a dúvida. E o que eu sei resume-se, afinal, ao seguinte: Teresa foi atirada do terceiro andar, pelo marido, enquanto dormia. Teresa tem fortes suspeitas de que o marido esteja ligado ao mundo do crime e que pretendesse matá-la para herdar uma pequena fortuna e para ver-se livre de uma testemunha fulcral das suas actividades ilícitas, nomeadamente contra a Fazenda Nacional. Por outro lado, Teresa quase apostava que o marido e a empregada doméstica, a bela Ausenda, tinham uma parceria de cujos contornos imaginava o pior. De todas estas ocorrências/denúncias eu tinha tomado devida nota no bloco de apontamentos de que me fiz acompanhar para o efeito, na tarde chuvosa em que me desloquei a casa de Teresa. À noite, desse mesmo dia, tinha-me esquecido de desligar o telemóvel e, a meio de um filme de sexo e violência, na televisão, que me preparava para desligar, porque precisava urgentemente de escrever um poema, Cândida ligou-me.
- Boa noite! Peço desculpa se incomodo, Dr..
- Boa noite, Cândida! Esteja à vontade, mas fico preocupado…
- Depois do Dr. sair estive a falar com a Drª Teresa e só então nos lembramos de que há muita coisa delicada, digamos até, escabrosa, que temos de lhe contar.
- Sim. Tipo?
- Maus tratos, violações, masoquismo, aberrações sexuais…

sábado, 7 de novembro de 2009

O livro de todo o conhecimento (VI)

O taxista olhava-me incrédulo, sem responder. O que se passaria na cabeça dele? É evidente que eu não entraria num táxi que transportasse cães, como não me sentaria num sofá que tivesse sido usado por um cão, ou gato. E não era só pelo cheiro. Era pelo nojo. Estaria ele a ler-me o pensamento? Acredito que já me sentei em sofás e me deitei em lençóis por onde passaram bichos talvez até pestilentos. Se fosse a pensar no assunto a vida complicar-se-ia demasiado, sem necessidade. Há outras coisas em que pensar.
- Não, não transporto cães. É proibido.
- Então leve-me à Colina Verde, se faz favor.
Foram dez minutos de viagem relaxante junto à margem do rio Tâmega. Ao sair da primeira rotunda, a cem metros de minha casa, o táxi parou, em plena faixa de rodagem, sem deixar espaço para a circulação do trânsito. Eu ia no banco traseiro a olhar pela janela. Num magnífico espelho de água rebrilhava um sol intenso. Não estava à espera desta inopinada paragem. Olhei para o taxista e vi que ele tinha a cabeça pousada no volante e parecia-me inerte, morto. Naquele ponto a estrada era plana e a viatura, apesar de destravada, estava imóvel. Verifiquei que a caixa de velocidades estava engrenada. Coitado do homem! Que é que lhe aconteceu? Morreu? Lindo serviço. – pensei preocupado.
Saí para pedir ajuda, mas naquele momento não passava ninguém. A minha casa avistava-se dali. Com um assobio, chamei o Ás, o meu cão de guarda. E não só. Discreto, de pêlo curto, preto brilhante, com patas de fogo, corajoso e incorruptível, fiel ao dono, mas treinado para brincar com o inimigo. Pelos latidos, percebi que já me tinha no seu horizonte visual. Senti algum alívio.
O taxista estava a mexer-se e ouvi-o estrebuchar como se tivesse saído de um mergulho para respirar. Acorri, não fosse o homem mergulhar novamente com a cabeça no volante. Tartamudeou qualquer coisa: que estava com tanto sono que não era capaz de conduzir e se lhe levava o carro, de volta ao palácio da justiça.
- Então o transporte do cão está fora de questão? – Insisti.
Ele deteve-se a observar o Ás, que entretanto chegara e se pôs a farejá-lo. E condescendeu:
- Para onde queria levá-lo?
- Fiquei sem o carro. Roubaram-mo hoje mesmo. Preciso urgentemente de levar o meu cão a casa de uma pessoa que vive em Várzeas.
- Não participou à polícia?
- Não tive tempo.
- Consegue meter o cão na mala?
- Concerteza.
- Acha que o cão consegue localizar a viatura, ou o ladrão?

Cativo

Cativo de desejo e da fantasia
Que o não saber mas sinto
Narra e concede à poesia
Confesso a verdade e minto

Mas não engano ninguém
Que a mentira da poesia
Peculiar verdade tem
E quem quer a repudia

Mas se for só por desdém
Não é por sabedoria
E se não vier por bem
Não sabe o que desconfia.