domingo, 30 de março de 2014
Encontrei-te
Encontrei-te na multidão de mulheres que se despiam
Onde respirar a atmosfera dos seus seios
Vozes que lembrei mais tarde
Te pertenciam
Rostos que te dei
Desencantei-os
Partidas que nos deixam
Sem rodeios
A meio da discussão
Com o vento.
quarta-feira, 26 de março de 2014
Lema
Todo o poema
Não devia ser escrito de outra forma
Nenhum poema devia ser escrito
De forma diferente
E quem diz poema
Diz tudo o que é literatura
Nenhum poema está errado
Nenhum poema está certo
Certo ou errado
Não é coisa de poema
Nem de literatura
Nenhum poema está bem
Ou mal escrito
O poema é o que é
E não o que não é
Se alguém quiser escrever diferente
Pode
Mas isso é outra coisa
Se alguém comparar poemas
Pode
Mas para que serve comparar
Coisas diferentes
O valor de um texto literário
Não é tudo
Uma vez li um poema criativo
Mas não tinha mais nada
Outra vez
Li uma história originalíssima
Mas não tinha mais nada
Muitas vezes
Li textos cheios de erudição
E nenhuma literatura
Poemas com as filosofias
Todas excepto a minha
Mas não eram poesia…
sexta-feira, 21 de março de 2014
Nós hoje
Órfãos de alguma espécie de apostolado
Estamos cercados
De falas
Como é difícil ao espectro
ficar calado!
Como é difícil ao espectro
Dizeres que o calas!
Como é difícil ao dinheiro
Não o gastar
A um poluente
Não o usar
Não ter uma sombra
E monologar
A campo aberto
Merdar!
Como é difícil estar certo
Não querer
Moeda falsa
Para poder
Ofertar!
Trabalhar cansa
E não acaba
Se a vida não se vence
Para quê lutar?
Dai-me a luxúria
Sem corpo
Da ideia
Vazia
Ou o eco
Dos limites.
Estamos cercados
De falas
Como é difícil ao espectro
ficar calado!
Como é difícil ao espectro
Dizeres que o calas!
Como é difícil ao dinheiro
Não o gastar
A um poluente
Não o usar
Não ter uma sombra
E monologar
A campo aberto
Merdar!
Como é difícil estar certo
Não querer
Moeda falsa
Para poder
Ofertar!
Trabalhar cansa
E não acaba
Se a vida não se vence
Para quê lutar?
Dai-me a luxúria
Sem corpo
Da ideia
Vazia
Ou o eco
Dos limites.
quinta-feira, 20 de março de 2014
Tentações
Antes de escurecer
Desceste
Do trono
Para ver-te solta
E sentires-te confiada
Aos meus olhos
Ébrios da tua graça
Dos goles
Da tua taça
Enquanto davas
Passos desnorteantes
Para seres entronizada
Num reinado
De tentações.
quarta-feira, 19 de março de 2014
Todos os sinais
O silêncio não tem hora
Mas tem becos
Onde mora
Ninguém
Casas com tectos
Sem portas
A horas mortas
Nem tectos tem.
domingo, 16 de março de 2014
Implicações
Não te sintas à beira do abismo
Se te oferecer dinheiro
Como
Se te oferecesse beijos
Não te zangues
Se te convidar
Na paisagem esquecida e bravia
Da tua alma
A tornares-te desesperadamente
Consciente
Da tua nudez
Dando-me beijos
Como
Se me oferecesses dinheiro.
sábado, 15 de março de 2014
Pódio
Sobe ao pódio dos teus pés
Que o prémio te sinta
Mesmo que não sejas vencedor
Te diga que o és
Canta o hino
Que aprenderes
A olhar para longe
Do que fores
Capaz
Que o silêncio
No fim
Seja murmúrio
De paz.
quinta-feira, 13 de março de 2014
Ao amor desconhecido
Se tivesses uma morada ou telefone
Que eu soubesse
Um telemóvel ou e-mail que
Provavelmente tens
É improvável que escrevesse esta carta sem endereço
Nem sequer a escreveria
Faço-o porque não te conheço
E sou fiel
Ao sonho e mais profundo desejo
Sem trair o anjo do meu cortejo
E sem temer
Vir-me a arrepender
Pelo menos enquanto não te encontrar
Se tivesse dúvidas sobre o ridículo das cartas de amor
Elas cessariam com esta
Não por ser simples carta de amor
Mas por ser ao amor desconhecido
Que confiança pode merecer-te alguém que viveu
Oitenta anos sem te ter tido
Ou que o afirma
Mais indigno de ti
Quem diz que amou sem te conhecer
Ou quem não amou à espera que isso acontecesse
Mas tu não vieste?
quarta-feira, 12 de março de 2014
É de mim
Falo daquelas ruínas
e é de mim
do que os nossos olhos não viram
daquelas matérias-primas
a propósito da construção
do mundo
do que restou
dos perigos
que é muito
que é imenso
mas não basta
quando falo dessas coisas
de factos e mais
de ausências cruciais
inexistências
como se falasse de aparências
sem alegria
como se a poesia fosse o que falta
à fantasia
como se a fantasia fosse um estaleiro
de sucata
que avistamos da janela
da prisão perpétua.
sábado, 8 de março de 2014
O sonho é vago mas a luz é forte
O sonho é vago
Mas a luz é forte
No mar de faúlhas
Lágrimas de sol poente
A vida passa
No horizonte de asas
Efémeras e tranquilas
De uma gaivota branca
Respira coração respira
Como se existisses desde sempre
Na alma do mundo
E nunca te esquecesses
E avista para lá das nuvens
O azul do céu mais matinal
Porque eu sei que um sonho
É feito de muita ternura natural
É quando te digo meu amor
E me enriqueço tanto por te ter
É quando desejo que o fragor das ondas
Seja um hino todo nosso até morrer.
quarta-feira, 5 de março de 2014
Horizontes
A noite tem horizontes
De olhos doces
Como o vapor da sopa
No inverno
Luzes astrais
No tecto falso
Alcance ultramoderno
Dentro de muros
Medievais
Quem mandou construir o castelo
Não chegou a vê-lo
Dentro da noite
A escadaria
Termina
Num oratório
As sombras indecisas
Sem interior
Como azulejos
Ao gosto
Da época
Revestem
As paredes
Que restam.
Carlos Ricardo Soares
domingo, 2 de março de 2014
As línguas do amor
Por favor
Fala-me todas as línguas
Do amor
Que há-de haver alguma
Que eu compreenda
Se me falares só uma
Talvez a não entenda
Se houver uma escola
De línguas do amor
Ou de amor
Ou ao menos de uma das línguas
Do amor
Eu quero aprender
O amor fala todas as línguas
Que nós desconhecemos.
Carlos Ricardo Soares
sábado, 1 de março de 2014
Não deixes
Não deixes que a palavra te corrompa
Como uma moeda falsa que depões
Na mão do diabo disfarçado de mendigo
Não deixes que a palavra se alimente da tua alma
Como um salmo se hospeda num sepulcro
E te enlouqueça e te leve o corpo
Não deixes que te o tire te o esqueça
E te converta em espectro caiado
Sem sede nem fome
Sem nascente nem ocaso
Sem nome.
Carlos Ricardo Soares
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