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quarta-feira, 29 de abril de 2020

A poesia das ciências

As emoções que a ciência é susceptível de despertar ou provocar ou mudar...podem ser tão intensas e complexas que nenhuma linguagem ou expressão conseguem traduzir, mas isso dever-se-á talvez à natureza das emoções humanas. Acontece, não obstante, que a própria linguagem da ciência tem a aptidão para desencadear emoções de espanto e de deslumbramento tão ou mais complexas do que as emoções ditas estéticas e poéticas e que, como elas, nos colocam perante territórios ou mapas de pensares e de sentires e de sonhares que nos arrebatam de pontos de referência e nos compelem a procurar compreensão e inteligência em horizontes inesperados e surpreendentes.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Naufrágios


Porque estes tempos não animam, mas sempre deixam vislumbrar o lado das desgraças, que não pode ser negativo, porque negativo é próprio da contabilidade humana e há mais mundo para além de nós, recordo o isolamento, nas maiores dificuldades, de Luís de Camões, naquele espaço de Macau, um bocado de deserto e talvez uma gruta, com a Índia tão longe e, talvez, compadecendo-se daqueles que, sobrevivendo com Vasco da Gama, se demoraram mais de quatro meses pelo Índico, numa viagem de regresso (Calcutá-Melinde) que, à ida (Melinde-Calcutá), demorou apenas 26 dias. 
Os que não sobreviveram ao escorbuto e à loucura, tiveram uma viagem mais curta. 
Mas não é a duração, nem o espaço da viagem que dá mais razão à esperança ou à ilusão. 
O ânimo não está tanto na perspectiva da continuidade quanto na da mudança para melhor. 
E outra não era a perspectiva de que estavam animados os navegadores, com Vasco da Gama, à cabeça.
Camões tinha a noção vívida de que a história do seu tempo, por não ser uma história de desgraças e de indivíduos sobreviventes, seria a melhor forma de os exaltar.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Christine Lagarde, à quoi pensez-vous?

Christine Lagarde nem precisava de se interrogar de um ponto de vista ético e social, bastava que se interrogasse de um ponto de vista económico e financeiro, para não cair em armadilhas de palavras. 
Quem não aprendeu ou já esqueceu de ser precavido com as palavras, em cargos de responsabilidade como o dela, representa um grande perigo em matéria de ambiente ideológico, que anda mais poluído do que o outro. 
O mais preocupante é que ela não caiu em nenhuma armadilha de palavras, ela armadilhou as palavras. 
Quando era suposto que ela tivesse ideias, valores, humanidade, visão, encontrou/usou um expediente à Trump, para fazer parecer, em deploráveis segundos, que as ideias e os valores são mais fáceis de matar do que os velhos como se, para matar aqueles, bastassem algumas palavras na boca certa.

sábado, 11 de abril de 2020

A liberdade de construir a própria prisão

A forma como vivemos, pensamos, sentimos, sofremos ou nos alegramos é do mais bizarro que há, assim como o modo (deliberado, engenhoso e pedagógico) de investimento e de sacrifício e a forma (de ingénuo e ignorante sujeito) como aprendemos tanta coisa errada, quantas vezes, com muito trabalho e esforço, de que jamais conseguiremos desembaraçar-nos, ou desfazer-nos. Algo que faz lembrar a liberdade de construir a própria prisão, como desiderato ao alcance de uns poucos privilegiados que, no entanto, não vivem o suficiente para fecharem a porta...

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Como deduzir a água?

O homem é o problema e não tem sido capaz de uma solução. A cada pergunta que é capaz de fazer (quando faz) pede respostas (quando pede) que não existem e que vai sendo capaz de construir (quando é) a partir daquilo que conhece (quando conhece) por experiência (quantas vezes enganosa, veja-se os movimentos da lua e do sol, tão semelhantes e tão indutores em erro), mas sempre fundamental (há realidades que não seríamos capazes de deduzir, por ex., se não conhecêssemos a água, mesmo que conhecêssemos o hidrogénio e o oxigénio, como deduzir a água?), por experimentação (experiência e experimentação são muito diferentes, há coisas que a experiência não permite conhecer mas a que se pode chegar por experimentação) e, sem dúvida, aquilo que conhecemos por exercícios de dedução e de indução, numa actividade permanente (e involuntária a maior parte do tempo) do nosso cérebro que, tal como o nosso coração e os nossos pulmões, não depende de nós, da nossa vontade...Ou seja, o "eu", que nos distingue uns dos outros, é uma espécie de "sistema de coordenadas" que, quando sente, ou quando se põe a sentir, sofre e não encontra sentido para o sofrimento...Se não exprimíssemos o pensamento, pareceríamos iguais e, se não exprimíssemos o sentimento, mais iguais ainda.
Em qualquer caso, os problemas são nossos, criados por nós.
Os problemas sobre a nossa identidade fazem todo o sentido, para nós, no âmbito cosmológico e metafísico.
Os problemas sobre a nossa vulnerabilidade são mais de âmbito biológico.
Todos partilhamos estes, mas nem todos partilham aqueles e, seguramente, poucos têm ou partilham as respostas e as soluções a uns e a outros.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Um homem sem fé e sem religião

Não acredito que Deus tenha comunicado com aqueles que disseram que "sim, subimos ao monte e ele falou connosco, porque somos especiais, mais ninguém tem esse privilégio..." e que, com base nisso, falaram e/ou escreveram em nome de Deus.
As religiões que tiveram um grande sucesso, com base nisso, são uma ousadia política que funcionou, apesar de tudo, mas isso é colateral ao facto de serem falsas.
Se acredito que existe Deus, sem saber o que isso seja, é no que está por detrás, oculto, que manobra, o relojoeiro que fez o relógio.
Mas não compreendo por que é que ele não diz nada e nunca se manifesta a favor de nada, ou contra nada.
E, assim, não acredito no Deus das religiões, não acredito que a palavra que dizem ser de Deus seja a palavra de Deus.
Deus não tem palavra. E não me venham com a Arca da Aliança.
Acredito num Deus que não conheço e que não comunica com a humanidade, mas que tem todo o poder e todo o saber, ignorando nós porque não os usa da forma que nós compreenderíamos.
É estranho, tão estranho, que não acho racional crer que exista.
Sou, assim, um homem sem fé e sem religião.