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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O tribunal


O tribunal ruiu
o hospital pediu 
socorros
ninguém acudiu
o mecânico de automóveis
quis telefonar
não conseguiu
o restaurante 
não abriu
a  mercearia
o banco
as ruas estavam inundadas
as lojas submersas
os candidatos à presidência
passaram
de gôndola veneziana
com espírito de sobrevivência
tanta gente a sofrer de amor
e de falta de amor
vidas e famílias desfeitas
a penar
milhares de poetas
nas nuvens  
na lua
ao luar
neste momento
a noite progride
a grande velocidade
o cansaço não se compadece.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Vi ouvi ora viu ouviu


O privilégio que deve a Deus
recordar o bom que viveu e imaginou
enquanto desce ao poço do inferno
da restrita visão
da lanterna que treme
luz
na escuridão
é privilégio
e dom
ouvir um rio que não
se vê
e muito bem conheço
sentir um frio
que eu próprio arrefeço
pensar que não mudei
o mundo
para melhor
do que mereço
se fez de mim o que sou
não me conheço.


domingo, 2 de dezembro de 2012

Mas por que triste razão


Por que triste razão
Estais feliz
E eu não?

A minha música
Cessou
E eu

Sinto dó
Por não ser
Feliz

Mas por que triste razão
Não me sinto feliz
E vós não?

Não sentis
Triste razão
Volúpias fantasmais?

Não sentis
Pois não?


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

É nu poema

É no poema
nu poema que
a bússola
do que dá
a arte
ao desconhecido
acontece
nada
(nada) se deve
que seja cumprido
e (o que) se cumpre
se não for devido
música
se perde do que é
no ruído
nu roído.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Praça


Vejo florescer as árvores 

 na praça etérea 
 de um chafariz mortiço 
 da memória 
 se houvesse um centro 
 na minha noite 
 essa noite 
seria a minha história 
 e o centro seria a tua 
 penumbra da lua 
 que ao nascer 
do dia 
 amua 
 e deslumbra 
 sem solução de continuidade 
 da solidão 
 do princípio ao fim 
 do tempo 
ainda que eu nada faça (espero) 
 os universos movem (se) 
 por mim.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Momentos fugazes


Oh! Fugazes momentos
Que só Deus retém
Efémeras mentiras, é verdade,
É o melhor que a vida tem
Verdades efémeras,
Que saudade!
Ilusões com mais realidade
Do que ela tem.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

E é a mim


Às três pancadas
em margens ocultadas
Do vão
Adrede morde
A mão
Te impede
A toda a brida

Dei comigo a sonhar
Até acordar
Que os seres
Na sua fascinante variedade
Parecem ser
A realização
Do sonhar
E fantasiar

E é a mim
Que acontecem estas coisas
Que o não são.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

A nascer dos pés


As temperaturas 
ao sol ardente 
brisa no sisal 
de Angola
amor 
sem roupa 
nem medo nem sinal 
das marés 
nas sandálias do pescador
de ondas 
de amplitudes
de sedimentos
a nascer 
dos pés
a propagar 
da abissal planície
uma voz 
a cantar
a solidão 
daquele lugar
que o mar 
sentisse
a pulsar. 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

À procura de um papel


Onde está aquela abóbora?
Na idade das trevas?
Na idade das luzes?

Aqueles burros nada dizem
Nem que está no tempo
Nem que está no caminho.

E vós?
Dizeis alguma coisa?
Estais no caminho certo?
Não sabeis?
Andamos perdidos?
Que é que faço?
Que é que digo?

O mendigo já não está lá
A falar aos transeuntes
Mas ainda não foi parar
Ao depósito dos defuntos
Sem abrigo.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Mal encarados


O sofrimento é das flores
Que tantas vezes preferem
Morrer
A ferir com suas raízes
Delicadas
Pedras
Vivendo o tempo breve
Que tem o sol
E ninguém mais
Para as ver.


domingo, 9 de setembro de 2012

Palácios confusos



Nunca os mesmos
cada vez que avistaram

meus olhos

de longe

na penumbra de anos
nas brumas de décadas
ali estão
e ali ficam
palácios confusos edifícios
memórias que me elevam
a uma transparência
calma
sem vícios.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

É triste recordar



Com recordar
felizes momentos
se vive
triste
que o bom acaba
e não merece mais
que o mau
que não dura sempre
como só a verdade
dói.



sábado, 11 de agosto de 2012

Conto ao meu tempo


Conto ao meu tempo
que o meu tempo sabe
e me ensina
a felicidade infeliz
que assim foi
como dizem que assim é
agora
ao depois que fora
apenas a voz do que era
ninguém ignora
lança ou expande
da terra
o que a canto destina
e a terra eleva
sem tempo
escreva.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Todo o bem que te fazem



As luzes da cidade
não me deixam ver as estrelas
são como velas
que alumiam
o caminho para o céu


A chama dos pensamentos
É uma estranha dança ao espelho
Com música e tambores 
Que nos ignoram


Se o pensamento é caótico
mais inábil do que o instinto 
a saída
do labirinto é 
(como penso)
o que sinto


Não te canses de perguntar
se as coisas têm de ser como são
se podes retribuir aos burros
todo o bem que te fazem.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Começar do zero



Não consegues regressar 
para recuperar o que perdeste 
e não querias
para fazeres o que não fizeste 
por não saberes
ou porque não podias
não consegues esvaziar a mente
da tristeza 
das derrotas 
e das vitórias 
não colheste alegrias
não foste capaz de amar
por não achares quem mereça
o sonho
sonhar sonhaste
com nada do que aconteça
a vida é sonho
paralelo à morte
tempestades
em que ninguém se salva
não consegues imaginar como será 
como seria
a felicidade de um novo dia
se o mundo nunca tivesse existido
para a alma 
começar do zero.



sexta-feira, 23 de março de 2012

O nojo



Encontrei um tipo a vomitar 
a própria sombra, 
no candeeiro da esquina 
da avenida do Ar com a rua do Mar, 
em frente à taberna jaguar
pensei
o que fazer quando as palavras enojam e tudo à volta delas?  
A maior mer.. é a mer.. impingida como se fosse outra coisa ou, 
pior ainda, 
como se não fosse mer.., ou, 
ainda mais, como se fosse coisa boa. 
Se estas palavras enojam, não há remédio. 
O remédio “não leias” é um veneno. 
Um bom remédio não é possível. 
Enquanto as palavras não te enojarem de morte, 
serás um grande ignorante. 
À medida que te fores enojando, 
serás um ignorante cada vez mais pequeno, 
até não seres nada 
reflecte 
lê 
fala. Escreve. 
Vale a pena. 
A pena.
Agora, 
entra o retórico em palco
e até o oxigénio imprescindível para respirar se torna asfixiante. 
Estado de coma. 
O oxigénio do retórico é o coma dos outros. 
Cuidado com a retórica. 
Perigo de morte. Afasta-te.
Cague com classe!
Que arte?!  C… com classe. 
Borrar com classe. 
Classe. Escrever…mer... 
Escrever com…mer... 
A mer.. é o menos, é o nada (que existe). 
Escrever é que é.

terça-feira, 13 de março de 2012

A estas horas



São onze horas
mas isto nada me diz
se fosse madrugada
talvez eu estivesse acordado
como uma estrela
a vigiar o sono do mundo
para que ninguém morra
de improviso
ou de solidão
mas a estas horas
o meu cão
dorme ao sol .


sábado, 10 de março de 2012

Ouvir a chuva

No meio daquele barulho todo
daquela gritaria
da multidão descontente
o poeta ou---via
a chuva a fustigar os rostos
e os peidos de sua excelência
zarpando
num bólide
que não era seu
e chamou a poli---cia
mas só a poesia
compareceu.

domingo, 4 de março de 2012

Nada se assemelha



O céu e a terra
se o meu pensamento
os fosse
mas não é
nem se assemelham em nada
como nada se assemelha
às casas
entre o horizonte e as memórias
que não dão poiso.


quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Roda


Hoje foi um dia para esquecer
que nunca poderei esquecer
que começou bem
a contar dinheiro 

como habitualmente
no décimo andar 

do banco
assistindo 

ao nascer tímido 
do sol
ouvindo os sinos 
da catedral
entoando uma oração 
graças a Deus 
mais um dia
que não acabou mal
a escrever neste portal
o dia da morte do herói
desconhecido.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O que eu penso



O que eu penso
não me importa muito
de qualquer modo
sou louco

louco por pensar
que o sou
não é pouco

mas não basta
pensar

como é frágil o barco
em que não vou

como é duro escrever
com remos.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sem margem para erro



Voltei à margem
e nem sabia que havia margens
mas voltei à margem
depois de adormecer numa véspera
de inverno
embalado pela valsa de uma mentira
que dançava num ermo
com o diabo
ou era a noite a arrastar
o dia
para o inferno
a perguntar
porque te perdi
e não esqueci
se nunca se encontra
o que se quer.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Sem filosofia



E como eu e como tu
dizia ela
há pessoas que se dizem
mortas
e há pessoas que dizemos
vivas
sem coração
janelas absortas
de casas voadoras
de altivas portas
nos tempos
e contratempos
da imaginação
como eu e como tu dizia
sem filosofia.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Viagem sem fim



Nos tempos que correm
não é
como nos tempos que
não corriam
parar é 
morrer
correr é morrer 
mais depressa
os tempos
não correm
essa é que é essa
viver é 
para quem começa.