É impossível exagerar a
importância do pensar, ou, como diz António Damásio, a importância da
consciência. Mas pensar e consciência só por si não são garantia de nada de
bom. Os estalinistas pensavam e eram conscientes, assim como os nazis e muitos
outros que perpetraram os maiores horrores, ao longo dos tempos. Ainda hoje, as
máquinas de guerra e de destruição massiva continuam a ser do mais
"pensado" e consciente que se pode imaginar e os indivíduos e grupos
que dominam e controlam os poderes e as riquezas são dos mais
"pensadores" e conscientes e inteligentes. Se quisermos encontrar
inteligência é nos núcleos de interesses que são mais disputados. O sector
financeiro é certamente um deles. Eles fazem a melhor escolha. A melhor
escolha, do ponto de vista evolutivo e da economia dos sistemas vivos, é aquela
que melhor serve os interesses do proprietário da racionalidade, que é um
indivíduo. Até que ele processe, por efeito da cultura, que a melhor escolha do
ponto de vista individual é a que recair sobre um interesse colectivo que não
seja conflituante com interesses de indivíduos ou grupos mais fortes, pode
decorrer uma eternidade, ou não, mas constatar que os problemas de composição
de conflitos (e as relações humanas assentam em interesses que, por definição,
são susceptíveis de gerar conflitos) são problemas de relação de forças e de
poder, que se sobrepõem à neutralidade da matemática e da ciência, que serve
todos igualmente, quer sejam estalinistas, nazis ou outros igualmente
autoritários.
O paradoxo, ou a ilusão da melhor
escolha é que ela é determinada em função de um indivíduo, do indivíduo que a
faz, mas relativamente a um interesse, ou seja, a algo que é disputado pelos
outros indivíduos e, se a solução procurada for mobilizar um grupo, a disputa
agrega-se e amplifica-se. Nesta fase, já o conflito está institucionalizado e o
pensamento e os valores mobilizados para "a melhor" escolha que é a
que se impõe, numa inevitável identificação do melhor com o menor dos males
possíveis.
Acredito na via institucional,
nomeadamente jurídica e política, com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem à cabeça, em permanente actualização, de modo a abranger a defesa e
protecção da natureza e do ambiente saudável, iluminada pela ideia de Direito,
sem conceder nos direitos naturais do indivíduo humano, como único e
insubstituível dador, intérprete e destinatário de significado, de valor e de
sentido, que o coloca no topo da hierarquia do que deve ser respeitado e
defendido.
O reverso da medalha são as
implicações severas para o humano que ofender o humano e para as estruturas e
organizações estaduais, militares e policiais, ou económico-financeiras, que
subestimem ou violem os direitos, liberdades e garantias dos indivíduos, não
apenas enquanto cidadãos de um qualquer país, mas como titulares de direitos
humanos universais, de gozo e de exercício.
Desde a consagração
constitucional dos direitos fundamentais do indivíduo que a civilização deu
sinais de ter realizado um salto evolutivo. Mas os sistemas totalitários
reagiram de um modo brutal e desesperadamente demagógico e apocalíptico à
necessidade de empoderamento real e físico do indivíduo, dos indivíduos, face a
qualquer tipo de poder que não os respeite.
Lembremos que os Direitos Humanos
não são meras advertências, ou proclamações de princípios solenes, para
conforto psicológico ou ideológico dos indivíduos, uns perante os outros, mas
baluartes de defesa contra os poderes, mormente estaduais, militares e
policiais, de tal modo eles têm sido ameaça e ofensa efectiva desse valor
máximo que a nenhum outro deve ser sacrificado.
Actualmente, uma ameaça notória e
muito consentida pelos padrões de tolerância liberal do jogo capitalista ganha
terreno, à custa da valorização do indivíduo e da protecção que lhe é devida.
Os Direitos Humanos vão ter que se focar, não apenas na ameaça do Estado,
militar e policial, mas também na ameaça dos poderes económicos e financeiros,
nacionais e internacionais.
A liberdade individual, por um
lado, dá azo a que os poderosos abusem e as políticas sociais, justificadas pelo
dever de solidariedade e pelo sistema de mutualismo, bem como pelos direitos
dos mais carenciados, na prática funcionam como políticas de estímulo e de
investimento nas estruturas privadas de assistência médico-hospitalar e outras.
Aparentemente, a “guerra” é feita
pelos queixosos, pelos desagradáveis dos queixosos, que andam a importunar a
felicidade dos outros, pelos necessitados, pobres e doentes, que andam a
perturbar a paz dos ricos e bem sucedidos dissipadores de recursos. A vítima é
sempre mal vista.
Que a actual pandemia nos inspire
para concepções de prevenção e defesa do organismo humano, individual, que
sirvam de modelo para defesa e prevenção de outras pandemias não menos
perigosas e devastadoras.