Hilário: as águias e os grifos habitam os lugares mais altos.
Amiga: como nós, agora, aqui, a invadir o espaço deles.
Hilário: é isso, a águia estava ali pousada para tentar proteger, talvez o ninho.
Amiga: águia ou grifo, não sabemos, mas pousam sempre onde podem ter a melhor perspectiva
Hilário: grande ideia a tua, agora que já se foi para outro lugar, vamos lá ver se descobrimos a razão pela qual pousou ali, naquele ponto.
Amiga: afinal ainda temos mundo para explorar.
Hilário: guiados pelas águias.
Amiga: ou grifos, não sabemos.
Hilário: o céu está tingido de cinza e cobre. O moinho permanece imóvel, como se escutasse o que dizemos.
Amiga: à medida que avançamos em direção ao sítio do grifo, ou da águia, o moinho vai ficando mais ao fundo, envolto em sombra.
Hilário: esta luz suave, quase crepuscular, parece emanar dos teus olhos.
Amiga: eu digo que emana das tuas palavras.
Hilário: não temes ser dissolvida no eco do que pensas?
Amiga: chegamos ao sítio em que avistamos o grifo, ou a águia, pousado a observar-nos. Reparei nesta rocha pontiaguda que aponta para o infinito.
Hilário: daqui podemos ver um pouco daquilo que essa ave enigmática via.
Amiga: os nossos olhos têm um alcance muito mais reduzido e, quanto à mente dessa ave, espero que nos seja favorável dando pistas como a que nos trouxe a este ponto.
Hilário: aqui o tempo chama de volta ao que nunca deixou de ser.
Amiga: a minha avó apontava para o topo das montanhas e dizia que quem chegasse ali não poderia regressar.
Hilário: onde estavas quando a tua avó disse isso?
Amiga: estava com ela, a tentar chegar aqui, ao topo das montanhas.
Hilário: não há começo sem perda, nem fim sem memória. Agora estamos aqui, onde ela almejou chegar, mesmo sem saber o que isto seria.
Amiga: aqui a memória e a liberdade não servem para nada e nisso a minha avó estava certa. Ninguém pensa em liberdade numa ilha em que não há mais ninguém.
Hilário: gosto muito de ti, mas não é para abusares. Aqui, ninguém está sozinho. Ou por acaso serei eu a tua sombra?