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sábado, 26 de março de 2022

Acordar

Acordar, tanto no sentido de sair do sono, como no sentido de chegar a acordo. Este acordar, porém, não é viável sem que, previamente, saiamos do sono ou do sonambulismo. O estado de vigília e de consciência parece estar a atingir um estado de alerta e de alarme. Já não nos é possível viver na ignorância dos efeitos, consequências, resultados, que os nossos actos têm nos ecossistemas de que dependemos, porque são efeitos desastrosos e insustentáveis. A nossa relação com a natureza (não humana) que nos rodeia é mais estreita, imprescindível e simbiótica do que a nossa relação com a natureza humana. A natureza, entendida como mãe natureza, mantém com cada um de nós uma relação íntima tão forte e inseparável que se diria sermos um só corpo, não fosse o facto de cada um de nós depender absolutamente da natureza, ao passo que a natureza prescinde absolutamente de nós. E tudo isto tem a ver com o facto natural de, para vivermos, termos de, por diversos modos, tirar da natureza, agredir a natureza, interagir com a natureza, transformar a natureza, utilizar a natureza, mesmo sem darmos muita importância ao facto de estarmos, assim, a ser transformados por ela.
O ponto a que chegou, porém, o poder e a capacidade dos humanos tranformarem e explorarem a natureza, em todos os aspectos da sua utilidade egoística e de curta visão, coloca-nos perante um cenário desolador e desmoralizante de destruição da natureza de que abusamos. E, o que é mais grave, dando-nos conta, sem tomarmos medidas colectivas adequadas a evitar mais destruição irrecuperável e a tentar recuperar ou reparar os danos causados.
As principais vítimas, feitas as contas, são os humanos e isso devia ser um motivo acrescido de especial preocupação em reverter processos de exploração económica e de comportamentos cujas externalidades negativas já foram devidamente identificadas e avaliadas.
Mas os humanos não têm um fértil historial de aceitarem restrições e limitações por causa dos outros.
As democracias aparecem como tentativas excepcionais e não muito generalizadas pelo planeta.
Ainda há quem pense que os problemas da corrida para o abismo ambiental e da destruição da biodiversidade sejam problemas dos outros e continue a espreitar aí mais uma oportunidade para fazer dinheiro.
E há quem não tenha sequer a noção daquilo que verdadeiramente está em causa, tal é o modo como tudo continua a ser vendido e propagandeado, como sempre, como se na nossa função de consumidores residisse alguma soberania individual.
Já não é suficiente invocar os direitos humanos para mover a humanidade.
Aliás, a Declaração Universal dos Direitos Humanos talvez devesse ser simplesmente Declaração Universal dos Direitos, incluindo aí os dos outros seres vivos.
Ainda assim, e pelo que vem acontecendo nos dias de hoje, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é maior afronta e ameaça, para a Rússia ou a China e outros Estados antidemocráticos, que a temem muito mais do que a eventualidade de serem bombardeados.
E é sobretudo neste poder e nesta força dos princípios e do Direito que devemos apostar.