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domingo, 26 de novembro de 2023

O presente é a única forma de estar no tempo

O presente é a única forma

de estar no futuro

e no passado

é a única forma de estar

no tempo

aqui

ou em qualquer lado

enquanto me distraio

com o diferido

sou ultrapassado

por ter vivido

numa lua cheia.


Carlos Ricardo Soares

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Castro Laboreiro

Por Castro Laboreiro

um intruso

que caminha

milhares de anos

até chegar aqui

ao refúgio dos lobos

que me seguem

e já os pressenti

na sombra dos carvalhais

pelos bosques

tropeço em calhaus

no mato molhado almejo

por vales e corgas

ao fundo um prado

batido pelo sol

inspiro o ar almiscarado

e lá no alto azul

com asas colossais

águias dão voltas

tão suaves

que nem parecem reais

como este riacho

a cortar a passagem

e mais abaixo defronte

de bela arcada uma ponte

de pedra tão antiga

que parece segura

de sempre ter estado ali

erguida

sobre a verdura espessa

que abriga lontras e rãs

e o mesmo se diga

de árvores tombadas

no ervaçal de hortelãs

donde salta em alvoroço

natural

um corço assustado

como se fugisse

de um caçador feudal

fico arrepiado

com tal beleza

que nem penso

que outras passaram

afinal

onde está aquela ponte

outras pontes desabaram.


Carlos Ricardo Soares

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Aproximações à verdade XXIII

Hilário: elas são tão irreprimíveis nos seus contornos
Amiga: como os sonhos não deviam acabar
Hilário: tão possíveis como os subornos
Amiga: podem escaldar
Hilário: tão soberanas nas formas
Amiga: como os instintos obedecem
Hilário: tão insondáveis no sentir
Amiga: quanto mais parecem.
Carlos Ricardo Soares

sábado, 4 de novembro de 2023

A racionalidade, de mecanismo básico de sobrevivência a faculdade de pensamento e inteligência

Darei por muito bem aplicado o meu propósito de contribuir com algumas notas relativas ao que penso sobre os temas da racionalidade e da liberdade, da racionalidade como faculdade humana de sobrevivência, de conhecimento e de inventividade, e da liberdade como exercício de racionalidade.
São temas charneira do meu pensamento sobre o que é “ser humano”. Distinto deste é o problema de saber o que é “o ser humano”.
A minha tese é que a racionalidade é um mecanismo básico de sobrevivência, que os humanos aplicam a uma vastíssima gama de situações, muitas das quais não têm a ver com a sobrevivência, mas resultam de fatores culturais.
Um indivíduo humano que não tenha a faculdade de racionalidade, dificilmente sobreviverá sem a ajuda dos outros. E, se for um indivíduo de outra espécie não conseguirá sobreviver.
A consciência da racionalidade permite aplicá-la a todo o tipo de situações, concretas ou ficcionadas, seja através de imagens, palavras, números, enfim, a racionalidade pode transformar tudo em linguagem e a linguagem, em praticamente tudo.
Pode multiplicar e desmultiplicar mundos e visões.
A racionalidade permite-nos escolher, dentro dos limites das possibilidades e estas variam muito de indivíduo para indivíduo, por fatores individuais endógenos e exógenos.
A liberdade é um exercício de racionalidade. Dizemos que não temos liberdade quando não podemos escolher. Esta falta de liberdade pode ser total, ou absoluta, quando não podemos escolher de todo, ou parcial, quando temos um leque de opções, mais ou menos extenso e variado.
Se os limites nos são impostos naturalmente, isso é um constrangimento natural, se nos forem impostos por outros indivíduos, ou pela sociedade, isso é um constrangimento social, político, cultural, ético, jurídico. Os limites morais são os que o indivíduo estabelece para si mesmo.
A questão dos limites morais coloca-se quando existe possibilidade de não respeitar os limites parciais ou relativos que são impostos pela sociedade, ou por outros indivíduos.
A racionalidade exerce-se, ou opera sobre dados, ou termos discerníveis. Podem ser sons, números, volumes, palavras, sinais, quantidades, qualidades, enfim, tudo o que conhecemos e tudo o que se possa imaginar. Esta liberdade de pensamento é ilimitada, no sentido em que só tem como limite a capacidade de estabelecer relações.
A racionalidade é pensamento e, como o pensamento, também é ilimitada quanto ao campo da sua aplicação, exercício, ou operação.
A liberdade é uma condição biológica, viva, concreta, física, que pode ser ilimitada quanto ao pensamento, mas é limitada por fatores endógenos e exógenos que podem assumir natureza física, mais ou menos inelutável, como já referi.
A faculdade de racionalidade, que permite distinguir e estabelecer relações entre coisas, ideias, enfim, tudo o que seja suscetível de ser percecionado, pensado ou ter significado, nos humanos, pode operar sobre vastíssimos domínios, ou objetos, não apenas da experiência direta dos sentidos periféricos, mas também da experiência indireta das representações mentais, das ideias, dos números, das formas, dos conceitos, das teorias, das crenças, dos interesses, dos valores, dos sentimentos, dos significados e dos sentidos que se dão.
Certamente que essa faculdade não é conhecimento, nem resolução de problemas, mas não há conhecimento, ou seja, ninguém poderá ter a experiência de conhecimento, se não tiver a aptidão, ou estiver impedido, de usar a faculdade de racionalidade.
O uso que se faz dos termos racionalidade e irracionalidade é tão amplo e, por vezes, tão contraditório, que apresenta a racionalidade como boa e a irracionalidade como nefasta, sendo esta, tantas vezes, acusada de todos os males que se poderiam imputar aos humanos.
Encontro uma justificação plausível para este entendimento. Em geral, confunde-se racionalidade com verdade, com o que está certo, com retidão, com direito, com ciência, com aquilo que resolve problemas, que tudo devia, ou deve ser. Irracional é o resto, o que está errado, que é nocivo, que é perigoso, que causa problemas, que é injustificado, independentemente de ser censurável ou não.
Este uso, tão arreigado nos nossos hábitos de comunicação e de linguagem corrente, dificulta, se é que não impede, que vejamos a racionalidade com outros olhos, ou seja, que entendamos a racionalidade como a faculdade humana que está presente em toda a ação dos indivíduos, de tal modo que muito daquilo que designamos como irracional, de facto é tão racional como aquilo que designamos propriamente de racional.
O cerne dos problemas da humanidade, resultantes dos seus comportamentos ou produzidos por estes, não está no serem estes racionais ou não, está no serem problemas.
Carlos Ricardo Soares