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terça-feira, 21 de julho de 2020

Ler livros e pensamento crítico

A notícia de uma professora de português que disse, numa entrevista, não ser de ler livros, primeiro inquietou-me mas, depois de pensar, concluí que não era nada que eu já não soubesse que podia acontecer. 
Não é fácil admitir que um professor é mais e muito menos do que "o modelo" de professor.
Fala-se muito em "perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória". 

Todos esperam que o professor seja mais habilitado e inteligente e responsável, etc., do que um aluno à saída da escolaridade.
Adquirir o estatuto de professor é um passe de mágica incrível. 

A simples mudança de papel no teatro das operações, faz toda a diferença. 
E todos acreditamos nisto, ou, pelo menos, funcionamos como se acreditássemos.
Se pusessem a chefe das funcionárias a Directora da escola, no dia seguinte, ela era a pessoa mais dotada e competente que alguma vez se viu e todos os doutores eram uma cambada de maledicentes, que tinham de ser metidos na ordem.
Mas a questão é mesmo "ler ou não ler".
É certo que quem lê tem imensa dificuldade em fazer-se entender por quem não lê.
Quem não lê cumpre os requisitos da sociedade do pré-formatado. 

Comprar tudo feito é o modelo em que vivemos. 
Não ter de aprender a fazer as coisas. 
Não ter de pensar, porque já tudo está pensado, etc..
Por que nos torturaríamos a pensar, com as nossas limitadas capacidades de iniciados, sobre aquilo que as maiores inteligências já pensaram e repensaram durante séculos e nos colocaram "gratuitamente" nas mãos?
O chamado espírito crítico é andar para trás, é perder tempo, é, no fim de contas, uma estupidez, porque a roda e a pólvora estão ali à vista, tudo o que precisamos de saber, está ali, não precisamos de inventar nada.
Aliás, ter pensamento crítico é justamente perceber o que acabo de referir. 

Sair disso é pedir uma reprovação por burrice. 
Ser questionador, perturba, ser dissonante é conflituoso, disruptivo, desagregador, desagradável, enervante, hostil, exigente e incompreensível. Quem quer isso?
Se já está tudo pensado e comprovado e simplificado e optimizado (e decidido) por que raio hás-de pensar e problematizar e dizer por outras palavras?
Não estão os problemas todos resolvidos? 

Somos nós que vamos resolvê-los?
Que é que estamos, então, a fazer na escola? 

Isto não é pensamento crítico?
Os partidos, as seitas, as religiões, os clubes, os filósofos, os cientistas, os fabricantes, os comerciantes…, não têm as respostas para as questões e os problemas?
Quem és tu/sou eu para discutirmos e pormos em causa o que quer que seja?
As bíblias e os altares não tinham todas as respostas para tudo?
Se tu fores capaz de reproduzir as crenças da tua igreja, as ideias dos principais filósofos, as teorias dos maiores cientistas, os argumentos do teu partido, já serás tido como sábio.
Se questionares tudo isso, ainda que abras brechas nos edifícios de terracota, o que te perguntarão será sempre sobre aquilo que é sabido.
Aprende de cor o catecismo da tua disciplina ou religião, ou a cassete do teu grupo ou partido e representa o respectivo papel que, para seres excelência, só não deves fazer ondas.