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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sinto-me triste


                                         Estou triste
                                         Sinto-me triste
                                         Nas conclusões que tiro
                                         Até das coisas mais lindas
                                         Que tem a vida
                                         Sinto-me triste
                                         Por não sentir alegria
                                         Só de pensar
                                         Que as histórias
                                         Não têm final feliz.

O meu amor por ti


O meu amor por ti
Não é de perguntas
E de respostas
Não é estado
Nem condição
Triunfo
De coisa nenhuma
Canção
Por ti
Meu amor
Incrível flor
Sem terra
Que se abre
Débil
Esperança no deserto
Mais que o eco
Sobrevive
A certezas
Costumadas
Às palavras
Ao vento
À canção
Que mais ninguém ouve.


domingo, 9 de fevereiro de 2014

Caçador de manuscritos


Olho para este tempo de chuva
observo ventanias e ondulações
noite e dia à espera
da hora
de desfraldar as velas
e esquecer Palermo

precipitar-me-ei sobre manuscritos
onde reis depostos
fazem guerras para reconquistar
vésperas de terramotos

exortarei religiosos
a traduzirem suas vidas 
em versões 
dos livros sagrados

e aos homens de ciência
conferirei o poder
que não têm

para aceitarem a realidade
exceto a dos erros cometidos
que possam ser corrigidos

e exortarei a saberem lidar 
objetivamente
com conhecimento
e ciência do bem e do mal
sem cederem à tentação 
de manipularem os elementos
para qualquer fim

neste retiro forçado
noite e dia à espera
da hora
de desfraldar as velas
e esquecer Palermo.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

O meu corpo

Agora
Deito o meu corpo
Cansado
O meu corpo
Que nunca foi
E não merece ser
Tratado como um fardo

Deito-o
Com cuidado
Que ele já não me ouve
Nem se segura
Do princípio ao fim
Da vida breve

Não o sinto pesado
Nem leve
Nem sei se dá por mim
É um corpo calado
Que nada me deve
E é tão bom assim.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O meu sonho

Ao olhar para a agenda pus-me a reflectir sobre as tarefas marcadas para este dia e perdi-me em pensamentos sobre as minhas origens e como tenho sido, desde sempre, um homem sem sonhos (se é que eu, por não ter sonhos, compreendo o que isso é).
A primeira coisa que me ocorreu ao ver que tinha de apresentar-me no posto da GNR às 14:30h, foi que, aos oitenta anos, eu podia ser preso por crimes que nunca cometi. De repente, este pensamento tomou-me completamente ao ponto de eu esquecer que a minha morte que o meu médico tinha agendada devia preocupar-me mais. Nem sei se houve algum motivo inconsciente para que deixasse de anotar na agenda o facto previsto (com data marcada) da minha morte. Se calhar foi porque numa agenda só devem constar coisas da vida. É capaz de haver quem consiga explicar lindamente estas curiosidades.
E, sem me aperceber, acabei por embrenhar-me em profundas meditações sobre os meus pais e os meus primeiros tempos de vida. Éramos uma família rica. Diria até, podre de rica. Faltava-nos o que não tínhamos, e que era imenso, como a toda a gente, mas tínhamos muitas coisas que faltavam à esmagadora maioria da população. Ouro tínhamos muito. Sonhos, que eu saiba, nenhuns. Ignoro se alguma vez estes nos fizeram falta, aos meus pais e a mim. Nem quando ouvia continuamente na rádio uma cançonetista ligeira repetir em notas alegres que não tinha ouro mas tinha tudo porque tinha sonhos. Hoje, interrogo-me sem saber a razão de o meu cavalo lusitano, que eu montava com cinco anos de idade, se chamar Sonho. Só os meus amigos percebiam que era de um cavalo que se tratava quando eu dizia que cavalgava o Sonho.
Um dia, referindo-se a um homem andrajoso que percorria as freguesias a pedir esmolas e que eu admirava por, na sua simplicidade, dizer poesias em tom profético e magistral, Valquíria, a mulher mais velha da quinta, que já servira no tempo dos meus avós, segredou-me, convicta da minha cumplicidade, que aquele homem era muito rico porque tinha um sonho.
Eu sempre quis ter um sonho, porque parecia evidente que isso era o melhor que se pode ter. E dizia-o sem rebuço. Até nas minhas orações, sobretudo quando a vida corria mal, eu pedia a Deus que me desse um sonho. À medida que os anos passavam e que eu tinha cada vez mais tudo o que queria, mais intensa e perplexa era a minha necessidade, o meu desejo, de ter aquilo que todos tinham sem dificuldade e que eu nem com rezas conseguia.
No meu décimo aniversário, quando o meu avô perguntou o que eu queria de prenda, não pensei no regresso da minha querida mãe, que tinha abalado há menos de um ano e nos deixara inconsolavelmente inconformados e infelizes. Disse-lhe simplesmente que queria ter um sonho.
Ele não mostrou surpresa. Sorriu com um sorriso de compreensão que me deixou confortado e, por fim, disse «também vivi até hoje com esse sonho». O meu avô tinha setenta anos. Era um poeta que nunca vi a escrever ou a ler versos que tivesse escrito. 
Não tenho a certeza de ter compreendido o alcance da resposta que o avô me deu. Uns anos mais tarde, uma miúda cujo nome não esqueci mas não vou revelar e que eu achava a única rapariga digna de ser considerada bela, cruzou-se comigo no escuro do corredor de acesso à biblioteca do liceu, encostou-me um dedo ao umbigo e de olhos fulminantes atirou: «todas as raparigas sonham com um rapaz como tu!». 
Há coisas que têm mais ou menos influência e repercussões na vida das pessoas. A minha vida foi definitivamente marcada por este episódio. E ainda agora me surpreendo a tirar ilações desse acontecimento: ela não disse que eu era o sonho de todas as raparigas, nem que eu era o sonho dela. 
A tosse cavernosa do reitor, que saiu do seu gabinete a escassos passos de nós, anulou a minha tentativa de fazer algo mais que ficar calado. E a única rapariga digna de ser considerada bela foi embora sem saber o que eu lhe teria dito.
Desse episódio a imagem que guardo com mais nitidez é a do reitor envolto numa nuvem de fumo de tabaco a expelir relâmpagos de um cigarro seguidos do trovejar assustador da última vez que tossiu. 
Não estive nas cerimónias fúnebres.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Sonhar quem és


Não chegarás a conhecer-te se não 
Sonhares quem és nem pátria 
Nem história te dirão nada 
Do que vês
Nenhum poema será o poema
Da esperança de ser
A tua vez
A única verdade
Que a tua razão não é capaz
De ignorar completamente
Faz de ti infinitamente mais
Do que um oceano a quem falas
Como se fosse o teu irmão morto
Que tão pouco morreu
E sequer ouve
Quando o invocas por tu
E no eco da tua voz
Encontras as palavras perdidas.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Perdi-me nas tardes de Verão


Desiste de procurar-me
Nem eu sei 
Onde me perdi
Nas tardes de Verão
Onde perdi o livro
Que andava a escrever
Sobre as tardes de Verão
Em que me perdi
Antes de te encontrar
Se fosse numa ilha
Era fácil partir do princípio
De que só podia estar lá
Mas foi num continente
Que não existe
E nisto nunca irás acreditar.