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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Partido da neutralidade


Pela neutralidade é tomar partido, tanto ou mais que ser contra ou a favor. É urgente que se reconheça o partido da neutralidade, com todos os respeitos e garantias que lhe são devidos. E não só a neutralidade, também a indiferença. Respeitemos. 
Não obriguem ninguém a tomar outro partido. 
O partido dos neutros e dos indiferentes é esse, o partido deles. 
Ou os outros são melhores? 
Não obriguem ninguém a nada mais que respeitar. 
A cultura da partidarização já foi longe de mais. 
Vamos iniciar um ciclo inédito de despartidarização de tudo e de alfabetização construtiva. 
O futebol da política está a ir, quando a política do futebol já está a voltar. 
A bandeiras despregadas!!!

Nota: eu não sou neutro, nem indiferente.

domingo, 28 de outubro de 2018

O povo

O povo tem um sentido prático que chega a ser espantoso.
O povo só aprecia tragédias na tela da televisão ou do cinema.
E é capaz de trocar tudo o que tem, incluindo a dignidade, por um pouco de paz e de misericórdia.
Para por um povo em armas é preciso que o fim do mundo já tenha acontecido nos arredores,
ou que, num arrebatamento de soberba, sem medo, acredite numa vitória expiatória. 

E, ainda assim, alguém tem que lhe dar as armas e a ordem para se defender, ou atacar.

Carlos Ricardo Soares



As coisas não têm de ser


As coisas não têm de ser 
nem têm de ser como são
nem são
entre a vida e a morte
não há
aventuranças
nem há entre a vida e a morte.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A questão de Deus


               Como tratar da questão de Deus sem nos envolvermos numa questão da própria questão?
               O significado da palavra chega a ser profundamente contraditório. Desde significar um objeto inerte, uma imagem, um desenho... até significar um animal, um fenómeno natural ou simplesmente fantasiado... ou um conjunto de atributos políticos, morais, estéticos, espirituais...tudo deste nosso reino que muitos acreditam poder descrever outros, completamente diferentes, que possam existir...indo do simbólico até ao conceitual, do objeto de adoração, ou simplesmente de indagação, indiferença ou rejeição, a princípio legitimador de prescrição e de ação e, até, de critério de sanção, Deus é um problema do homem que este resolve do modo que pode, lhe parece melhor, ou dá mais jeito.
             Interrogar "o que é Deus?" é diferente de interrogar "que significa a palavra Deus?" e de interrogar "quem é Deus?" e de interrogar "Deus existe?".
            Debalde se procurará uma resposta objetivamente definida para qualquer dessas interrogações.
           O próprio significado da palavra Deus, que pareceria mais suscetível de ser conseguido objetivamente, depara com subjetividades intransponíveis, talvez por se tratar de algo que, apesar de ninguém saber o que é, tem tantas definições quantas as pessoas que o definem, ou mais.
           Quanto a isso, eu designaria Deus como um significante sem significado, ou, à procura de significado, ou como uma personagem à procura de um actor. E o universo, uma obra à procura de um autor.
           Deus é uma realidade cultural e, como tal, tão histórico como a bíblia, ou os faraós. Enquanto que a bíblia e os faraós são objetos reais e culturais, Deus deixou de ser objeto real (animal, etc....), deixou de ser ídolo e é uma espécie de abstração sobre si mesma, à procura de concretização de que essa mesma abstração está fecundada.
           Para o filósofo, ou para o cientista, Deus é um conceito muito restrito, reduzido a hipótese teórica de Inteligência criadora do universo.
           No entanto, essa hipótese dá azo ao desenvolvimento de teorias que a discussão tradicional entre ateus e crentes, fiéis ou não, tem impedido de acontecer.
           É neste plano que me parece que os ateus também laboram em crenças e, tentar combater crenças com outras crenças é tão impróprio e ineficaz como combater uma religião com outra, embora isto seja uma fatalidade das crenças e das religiões.


sexta-feira, 12 de outubro de 2018

(Des)humanidade


O tema das universidades europeias é de suma importância, pelo que vi tratado, com inusitada competência, no livro «Os intelectuais na Idade Média», de Jacques Le Goff.
De cada vez que recuo no tempo para tentar encontrar o tempo presente verifico, porém, que as grandes questões filosóficas e religiosas continuam em aberto, como no paleolítico, neolítico, etc..
Vivemos aprisionados dentro de um universo que vamos conhecendo cada vez mais. 

Cada vez mais capazes de descrever e de explicar como funciona. 
Mas o nosso problema humano é outro. 
Que é que substitui ou satisfaz a nossa vontade? 
Pudesse ter todas as verdades no bolso da camisa. Fosse Deus.
Como é que isso iria resolver aquele problema da vontade?
Ou, dito de outra forma mais prosaica, um voto serve para alguma coisa?
E se forem todos os votos?
Vivemos numa sociedade que, embora evoluída cientificamente, se mantém arcaica e que não aprendeu, nem aprende com os erros e as dores dos outros, porque destituída de passado, ou, pelo menos, destituída da consciência desse passado, completamente descredibilizada na sua competência para resolver problemas sociais de sempre, mais empenhada no estudo da física atómica e dos astros do que no estudo dos problemas sociais e político-económicos, mais apodítica sobre as rochas e os meteoros do que informativa sobre a justiça e as desigualdades sociais, com mais conhecimentos sobre as galáxias do que sobre os factos sociais, mais segura das característcas físicas da matéria do que assertiva quanto às qualidades dos organismos vivos, a resvalar em movimento acelerado para mais uma catástrofe provocada por uma coisa irracional chamada (des)humanidade.
Faz falta um Newton e um Einstein e um Schrodinger das Ciências Humanas e Económico-Sociais.
Mas continua a ser muito mais difícil do que pareceria no dealbar das revoluções...