Vou argumentar, em desacordo de uma crítica que li a declarações do ministro da Educação, em que este dizia "acreditar...", na linha da minha teoria do dever-ser sob cuja égide o homem escolhe, quer se trate de escolhas práticas, quer se trate de escolhas mentais, sendo que, em todas as
situações de escolha, em função do processo de pensamento do indivíduo, esta incide na melhor das possibilidades. Estou a falar de ato, humano, consciente, racional, cujo resultado o agente
representa antecipadamente para si próprio como efeito ou consequência da sua ação, a qual, insisto, pode ser apenas ação mental, intelectual, como ocorre a maior parte das vezes.
Nas situações em que o indivíduo age por palavras, emitindo um discurso, fazendo afirmações, o que ele representou para si mesmo ao escolher as
palavras que escolheu e o que essas palavras significam para quem as ouve, ou lê, dificilmente ou nunca coincidem, desde logo porque não temos acesso a uma objetividade absoluta. Qualquer objetividade será
sempre intersubjetiva, porque a percepção do objeto não pode deixar de ser subjetiva. Então, quando passamos para os códigos de comunicação e respetiva descodificação,
o desfasamento, entre o objeto e a sua representação, tende a ser o normal.
Feita esta ressalva elementar acerca da possibilidade tácita da objetividade, quer relativamente a um objeto dado, quer relativamente a uma palavra ou uma frase, diria que,
tratando-se de afirmações, a maioria das vezes, o que está em causa não é a objetividade, nem a subjetividade, mas o significado, ou os significados, possíveis ou legítimos,
em consideração da letra, como não podia deixar de ser, mas muito mais do que isso.
A filosofia ao procurar estabelecer as condições em que um discurso, palavras articuladas intencionalmente por alguém têm significado plausível,
ainda antes de averiguar se uma afirmação, mesmo feita por uma máquina, ou um papagaio, é verdadeira ou falsa, aponta a demonstrabilidade e ou falsificabilidade do que é dito como sendo requisito
fundamental, ou condição necessária de validade. Ainda assim, pode uma afirmação não satisfazer esta condição e isso não implicar que não seja verdadeira.
O que implica é que não pode ser tomada como verdadeira enquanto não for demonstrada (nos casos de necessidade lógica) ou provada (nos outros casos). A ciência vai no mesmo sentido, mas labora
num terreno menos movediço e menos formal. Em ciência, falar de verdade formal, ou trabalhar com hipóteses desligadas da realidade física, é um trabalho acessório e complementar, mas
não nuclear. Em filosofia é possível construir sistemas coerentes e inteligíveis sobre quase tudo, incluindo o sexo dos anjos. Mas em ciência isso só seria viável se o sexo dos
anjos fosse observável.
Esta parte do observável é importante quando se fala de crença e de verdade, entendida como facto e não apenas como verdade lógico-formal. A evidência,
quando se trata de algo observável, pode ser analisada em nuances que não coincidem com a evidência da verdade lógico-formal. De resto, a evidência não deixa de ser algo de subjetivo,
como acima referi, até porque é algo que ocorre num sistema de percepções e de reconhecimento individual.
Quando se pretende contrapor crença a conhecimento importa reconhecer que o conhecimento, embora não seja uma crença, comporta sempre uma crença naquilo
que se torna evidente. É fundamental e imprescindível que o cientista acredite naquilo que os seus olhos veem, nas ferramentas que utiliza, incluindo modelos, e naquilo que o seu raciocínio faz. Mesmo
que dessa crença não dependa, em primeira linha, a prova ou a demonstração do resultado.
Fora das áreas em que o verdadeiro/falso, provado/não provado, demonstrado/não demonstrado, impera como condição de validação e de
aceitação, existe todo um universo de situações em que os problemas são outros e não é correto abordar essas situações como se elas colocassem problemas de ordem
filosófica ou científica que pudessem ser resolvidos pela filosofia ou pela ciência.
Quando o ministro diz que acredita, não temos forma de saber se está a falar verdade. Mais, que verdade seria essa de “é verdade que acredito”, ou
“é verdade que acredita”? Não se trata de ser verdade ou falsidade que alguém acredita. O que é verdade ou falsidade é “alguém ter dito que acredita”.
Se o ministro disse que acredita, então é verdade que disse. Quanto ao acreditar, podemos interpretar de muitas maneiras. Eu acredito mais quando me dizem ao telefone
que está a chover em Paris, embora não esteja lá para ver, do que acredito em alguém que diz que acredita que todos os alunos podem concluir a licenciatura com excelente aproveitamento. E não
acredito nada em alguém que diz que acredita em Deus, embora compreenda que não me está a mentir, porque a mentira e o erro são outras formas de não correspondência à realidade.
Parece-me mais honesto que o ministro diga “acredito”, do que “espero”. Acreditar que é possível atingir determinados objetivos faz todo o sentido
dentro de determinados contextos e condições. E esperar que se atinjam, embora seja algo muito diferente, depende muito do acreditar. Ora, o ministro diz acreditar, fazendo questão de pressupor que conhece
a realidade a que se refere. E deixa em aberto a expectativa de que tal aconteça.
Certamente, também há os que, conhecendo essa realidade, não acreditam naquilo em que o ministro acredita, mas o não acreditarem não faz deles
menos crentes. E não lhes dá margem para terem boas expectativas.
Carlos Ricardo Soares