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sábado, 19 de outubro de 2024

O tempo de cada um, o nosso tempo e o tempo de ninguém - I I I


Arriscaria afirmar que cada um de nós também é fruto dos tempos que privilegia, ou pratica mais frequentemente, sem querer significar com isto que uns são melhores do que outros, mas não é indiferente que alguém viva predominantemente o tempo da oralidade, ou o tempo da leitura, ou o tempo da escrita, ou o tempo do jogo, ou do fazer, não fazer comportamental. São atividades muito diferenciadas, nos objetivos e nos meios envolvidos, nomeadamente nas funções cerebrais e neurológicas.
Por outro lado, em muitas situações, os indivíduos têm de planificar e tentar prever o tempo de que dispõem para os seus tempos, por forma que, por exemplo, o tempo de ouvir e de falar, ou de observar, não impeça outros tempos, de refletir, de escrever, de ler, de fantasiar, de dormir...
Deixar às preferências e aos caprichos de cada momento o exercício dos nossos tempos, pode ter muitas desvantagens, inquietação e mal-estar, mesmo que seja por uma boa causa que sacrificamos os nossos outros tempos possíveis aos tempos da nossa predileção, ou mesmo paixão.
É muito interessante observar este fenómeno em nosso redor e sobre nós próprios, até porque nos ajuda e permite entender e compreender melhor as assimetrias comportamentais e de atitude entre as pessoas, mas sobretudo porque nos permite interrogar e compreender a relação causal entre as práticas desses tempos e as manifestações culturais dos indivíduos e dos grupos, desde preferências e valores até desenvolvimento de objetivos e respetivas técnicas de fomento desses tempos, passando por reconhecimento e análise de vantagens e desvantagens associadas ou, simplesmente, como instrumento de acuidade na descrição e caracterização do meio sócio-cultural.
Outro aspeto tem a ver com a oportunidade de estudos comparativos entre os tempos que atualmente predominam na vida das pessoas e os que predominavam no passado, mais ou menos remoto, porque nos ajudaria a entender de que novos modos temos vindo a ser condicionados na nossa vida pessoal e social e a avaliar se isso é bom, ou não, e a ensaiar formas de evitar o indesejável e o nocivo, promovendo, por sua vez, o desejável e o vantajoso.

                             Carlos Ricardo Soares

O tempo de cada um, o nosso tempo e o tempo de ninguém - II


O tempo e os tempos na percepção, na emoção, no sentimento, no pensamento, no discurso, na exteriorização, na comunicação, no ensino, na aprendizagem e na função da memória, nomeadamente, do esquecimento.
Cada um de nós, qualquer que seja a noção que tenhamos dos nossos tempos, de quais desses tempos possíveis utilizamos mais, ou predominantemente, viveu e vive a seu modo, umas vezes passivamente, outras de modo intencional e direcionado, pelos mais diversos motivos, físicos, psicológicos, neurológicos, culturais, sociais, acidentais ou não, tempos de interioridade e de exterioridade, de interação, de exteriorização, de comunicação, de mera percepção, ou de observação.
Exemplificando, o tempo de ouvir (sons, música, palavras) não é igual ao tempo de ver (objetos, signos, palavras, imagens, movimentos, cores, formas, relações espaciais) nem é igual ao tempo de ler e descodificar. O tempo de pensar é ainda mais específico, com níveis e dinâmicas e exigências espaço-temporais muito particulares. Também são diferentes os tempos de falar e de escrever, cada um destes tempos envolvendo formas e condições de aprendizagem diferentes.
Cada pessoa vive estes tempos de modo particular e singular, desde aqueles que nem sequer leem, ou escrevem, àqueles que se limitam a ver, falar e a ouvir, em contextos ligados às necessidades práticas e básicas da vida.

Carlos Ricardo Soares