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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

O ópio do povo

Karl Marx, talvez a pensar que estava a fazer uma crítica severa à religião, com a frase "A religião é o ópio do povo", talvez não tenha pensado que dificilmente lhe faria melhor elogio. Assim o merecesse a religião. Haver algo que, sem ter os efeitos secundários, intelectual e fisicamente devastadores, sem as náuseas, vómitos, ansiedade, tonturas e falta de ar, de uma droga como o ópio, tivesse apenas os efeitos de alívio da dor e da ansiedade, diminuição do sentimento de desconfiança, euforia, flash, sensação de bem-estar, tranquilidade, letargia, sonolência, seria uma solução provavelmente preferível à luta de classes.
Mas eu não queria ir por aí. O que faria arrepiar Dante Alighieri, duvido que mentes nadas e criadas em ambiente de vedetismo pimba e fervor futebolístico clubopartidário, que induzem ardilosamente um farrapo, passe a expressão, sem intenção depreciativa, a sentir-se e a comportar-se como um rei, passe a expressão, sem intenção apreciativa, tenham alguma possibilidade de serem resgatadas porque, infelizmente, julgo eu, se houvesse forma de o fazer, e outro mundo para oferecer, elas lutariam até à morte para ficarem no mundo que é o delas, até porque teriam que reaprender tudo.
Por outro lado, por mais que se promiscuam e se interpenetrem, os poderes alimentam-se uns dos outros e uns aos outros. O jogo nunca está ausente e as bancadas também fazem parte do jogo. Os espectadores, cada vez mais fazem parte do espectáculo, sobretudo se forem espectadores qualificados. Existe um efeito de comprometimento, por exemplo, entre políticos e agentes do futebol, que é mais um ingrediente a adensar as tensões. 
No turbilhão e na barafunda, todos credibilizam todos e ninguém credibiliza ninguém. 
É tudo ao molho e fé em Deus. 
Até Deus tem de estar lá e, se possível, em destaque, com a devida veneração.
A sensação que tenho é que ninguém escapa a este espectáculo total e não há instância onde possa apresentar queixa de o mundo ser tão triste assim. 
Assim, à semelhança do reino dos corruptos, traficantes e contrabandistas que zombam das alfândegas da lei e da fé. Assim, à semelhança dos que apostam na visibilidade e têm prejuízo nisso. Porque é preciso dar palco a toda a gente se se pretende conhecer a gente, dar liberdade para ser e se mostrar quem é para se poder agir em conformidade. 
No futebol, na religião, na guerra, na política, para só falar em áreas competitivas tradicionalmente conflituosas e devastadoras, em contraste com as ciências, a filosofia, as artes, a literatura, que podem ter a plumagem e os tiques daquelas, mas não têm as garras, nem o dinheiro, as insígnias, as bandeiras, os hinos, os espíritos (desportivo e outros) são o piloto, a razão e o princípio que todos esperam que prevaleça, contra tudo e contra todos. Todos esperam que, a cada momento, o seu rei seja rei para si como para os outros. E esta condição das massas, a necessidade de alguém, ou de algum fantoche, que exerça a autoridade, que se imponha a todos e não apenas a uns quantos, ainda é mais preocupante e triste se for uma fatalidade.
 
Carlos Ricardo Soares