Blogs Portugal

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O Direito é o limite

Partilho da tese de que o homem é um estado da natureza em que esta adquire certa consciência e a faculdade de racionalidade e a capacidade de operar na natureza, num âmbito mais sofisticado (sem deixar de ser natural, embora cultural) do que aquele em que operam os elementos físicos que, culturalmente, distinguimos de nós, humanos. 
Diria que o ser humano acrescentou à tabela periódica alguns elementos que agem e reagem com aqueles de uma forma brutal e nunca vista antes. Nada disto é mais do que a natureza a funcionar. Nem acredito que haja nada fora da natureza. 
O que acredito, e parece constatar-se, é que a natureza (o homem) criou a cultura e criou deuses, e criou Deus e criou as bombas e faz as guerras, as leis, a ética, a moral, o direito, a concordância, a ordem e o caos, a vida e a morte. Realmente, podemos acusar a natureza de tudo, mas só estaremos a acusar-nos a nós próprios; como podemos desculpar a natureza de tudo, para nos desculparmos. Qual é a parte da natureza que não é a voz da natureza? Que não é a consciência em que a natureza culminou? Que não tem responsabilidade? A natureza cindiu-se em partes distintas? Deixou de ser uma e passou a ser múltiplas? Quantas natureza existem? E o que têm de comum entre elas? O que é que na natureza, senão o homem, pode colocar estas questões, dar-lhes sentido e tentar responder-lhes?
Se a humanidade se autodestruir e destruir o mundo que criou, podemos dizer que será a natureza a fazê-lo e nem ficará natureza que possa lamentar isso ou acusar alguma natureza disso, admitindo nós que o homem é o tal expoente da natureza capaz de fazer essa avaliação.
O ser humano não tem as faculdades e as liberdades e as capacidades de outros elementos da natureza, mas tem algumas que são únicas e que são incomparáveis, como a consciência, a racionalidade e a liberdade de escolha (dentro das possibilidades). Não temos o poder de um vulcão, ou de um tornado, ou de uma estrela que explode, mas temos a capacidade de usar ou não a bomba atómica. 
O quadro de possibilidades de escolha que fomos capazes de proporcionar-nos ao longo da história, não tem paralelo com o quadro, praticamente fixo, com que se deparam os outros animais.
Se não soubermos reconhecer até que ponto está nas nossas mãos preservar, não a nossa natureza geral que, independentemente da nossa vontade, será sempre transformada numa massa natural, como já agora é quando morremos, mas a nossa natureza particular de seres vivos conscientes, racionais, livres, podemos deitar a perder aquilo que, pela própria natureza das coisas e da racionalidade, teremos o poder, mas não o direito de fazer.
O Direito é a fronteira que o homem não pode ultrapassar, que o separa da sua própria natureza, sob pena de se negar a si mesmo.

Carlos Ricardo Soares