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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O livro de todo o conhecimento (IV)

Não estivemos mais de meia hora no tribunal. O, ainda marido de Teresa, A. Carrancas, arguido no processo, continua a monte, sem que o Procurador da República dele haja notícia, boato ou denúncia de ter sido visto. Teresa cada vez mais sente que corre perigo de vida. Ela tem muita informação que poderia dar pistas à polícia sobre o paradeiro de A. Carrancas. Estranhamente, porém, até hoje, trinta dias após a tentativa de assassinato de que foi alvo, nenhuma autoridade de investigação criminal lhe colocou qualquer questão sobre essa matéria. Teresa tem andado muito perturbada. Vive aterrorizada, sem ser capaz de confiar na própria sombra.
Tenho tido imensas dificuldades em ganhar a sua confiança. Ela parece transmitir-me a todo o momento o receio de que o assassino ande por perto e que acabe por matá-la inapelavelmente. A ideia de contratar segurança ainda a deixa mais ansiosa. Na sua opinião, que me vai revelando a conta-gotas e cheia de hesitações, como se eu próprio fosse já ou pudesse tornar-me inimigo dela de um momento para o outro, A. Carrancas está ligado ao mundo do crime, inclusive crimes de sangue. A polícia não lhe deu quaisquer instruções ou aconselhou medidas, nem se propôs protegê-la minimamente do perigo acrescido em que ficou após a tentativa frustrada da sua morte.
As pessoas que Teresa contacta para lhe prestarem assistência, mal se apercebem da sua situação, dão desculpas esfarrapadas para o não fazerem. Teresa tem a noção de que elas temem represálias.
Até o serralheiro, contactado para mudar as fechaduras das portas, primeiro disse que sim, mas depois comunicou que necessitava também da autorização de A. Carrancas e que não incorreria no risco de se haver com esse personagem, cuja fama de ser cruel e vingativo corre mundo.
Quanto à empregada doméstica, Teresa ainda não compreendeu por que é que a polícia não a interrogou e não a constituiu arguida nos autos. Em seu entender, a empregada doméstica, contratada por iniciativa de A. Carrancas, há muito tempo que tem sido instrumento dócil dele, ou de algo mais sofisticado. Inicialmente, Teresa não se preocupou porque não desconfiava. Mas, agora, quanto mais pensa no que aconteceu, mais tem razões para suspeitar do envolvimento dela e de que possa fazer parte de alguma associação criminosa de que A. Carrancas seja, provavelmente, o cabecilha ou um dos cabecilhas.
As suas dificuldades de locomoção motivaram que a audiência com o Procurador da República tivesse lugar no rés-do-chão do Tribunal. Mesmo assim, Teresa precisa de descansar de cinco em cinco metros. Ainda não se habituou às canadianas e é com esforço hercúleo que avança pé ante pé. A melhor forma que eu encontro de ajudá-la é respeitar o ritmo dela e mostrar compreensão. Na realidade, ao vê-la avançar, eu assisto a um espectáculo de heroísmo e não tenho dúvidas de que ela, daqui a quinze dias, já será capaz de subir as escadas até ao piso superior, apoiada apenas no
corrimão.