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terça-feira, 18 de junho de 2024

Linhas de orientação


Linhas de orientação

Na linha do que disseste

Não são linhas ténues

À volta da fogueira

Ou dos vigilantes do museu

Que ninguém conhece

Porque não há intérpretes

Privilegiados

Que se aproximem o necessário

E o suficiente

Do que não foi feito para eles

Cada vez mais sós

Os que estão sós

Os que não têm ninguém

Que os defina

Por não estarem ligados

A nenhuma mágoa encantadora

A alguém

Que os mata

De um mundo morto

Ou agonizante

Aparte póstumo

Testemunho que sobra

Sem remédio

Porque nada diz

E nada retira ao que disse

Que nunca se perdeu

Nas distrações felizes

Do acaso

Num teatro humano

E tempo desumano

De caça ociosa

Como modo subtil de vida

E de liberdade

Como se aí estivesse a razão

E o ser absorvido na difusão

Dos lugares e das obras

Presenças e fugas

Preponderantes

Da posse da própria vida

Afeições de versos e deriva

Destino abandonado ao jogo

Que o destino é de aparências

Inquietações de poeta

Impressões de vagabundo

Que separa junta e aproxima

Eroticamente

Aberturas de fuga ilusória

E de gozo

Entre objetos e sentidos simultâneos

Quando a melodia e o baile

Bem poderiam ser reais

Se a morte não fosse mais

Do que a mortalidade

Uma obscuridade

Embrulhada em suspiros

Impossíveis desabafos

Chamar liberdade ou amor

À perdição

Poemas sem juízo

Rosas em silêncio no tumulto

Dos lábios

Dedos sobre as cordas

De um instrumento de feições

De alegria de fantasmas

Louca e fugaz como a fala

Que contrabandeia literatura

Como forma de prazer

Sem compromisso

E sem mais intimidade

Que a decisiva

Como se houvesse lugares

Essenciais

Por serem interditos

Nada é mais belo

Do que escapar

Aos significados de uma vida

Sem paz

De densidades insolventes

De pedras que crescem

Como se os cristais uivassem

Quem somos

Ou dores enraizassem mais fundo

Que o sentimento de resgate

De nós

Não apenas sós

Os que estando sós

Não são ninguém

Como nós.

                          Carlos Ricardo Soares