Sem consciência das realidades somos cegos ou, o que é pior, sonâmbulos perigosos e irresponsáveis. A educação e o ensino não são fins em si mesmos e é mais do que tempo para os especialistas em educação e ensino dizerem de sua justiça. O que faz com que muitas pessoas, que não são especialistas num assunto importante para elas, questionem e falem dele e tomem posição, não raro, tem a ver com a falta ou o vazio de soluções.
Aconteceu isso com a metafísica e as teodiceias e as teologias, mas foi preciso construir catedrais para dinamizar a economia e impulsionar o desenvolvimento em geral. É fundamental sobretudo dar sentido ao que se faz, se produz e se constrói. É para isso que também serve a educação e temos visto que, de vários modos, mais ou menos imprevistos e incontroláveis nas suas causas, fomos traídos pelo rumo que o progresso tomou.
O empoderamento garboso e triunfante de determinadas elites financeiras e políticas, e mesmo científicas e culturais, como se tudo a elas e só a elas se devesse, excepto as externalidades negativas, era aquilo de que não precisávamos mas que, se o tivéssemos previsto, nem por isso teríamos podido evitar.
Qualquer rumo, qualquer projecto, na educação e na política, em geral, começa com objectivos e propósitos cujos pressupostos de realização e de sucesso, em grande parte, são uma incógnita que se projecta num futuro incerto e ameaçador. Por mais que o saibamos, não temos como evitar esta exposição aos efeitos imprevisíveis e incontroláveis.
De um momento em que a educação é projectada em contextos de paz, de benevolência e entusiasmo, para dinâmicas e fins pacíficos, depressa se cai numa situação brutal de guerra, que nos faz sentir ingénuos e desprevenidos, ou incautos, culpados, ainda que arrependidos, de o termos sido, de termos confiado de mais na bondade e na alegria de construir pontes e edifícios e paraísos, que outros se comprazem em destruir e conspurcar. E isto é uma lição, mas também é um choque e uma condição que determina mudanças de rumo. É que, nem a educação, nem a economia, nem a política, nem a vida em geral, se deixam conduzir dócil e garantidamente, a partir de modelos, de verdades prévias, de futuros antecipados, e de boas intenções. Mesmo aqueles objectivos que temos por mais valiosos e justificáveis do esforço construtivo da sociedade, sem que o queiramos, podem ter que ser substituídos e adaptados a esforços bélicos, armamentistas e militares, numa tentativa de, pelo menos, salvar o que for possível daquilo que se andou a construir com tanto labor e sacrifício.
O mundo ilusório deixou de o ser apenas para os poetas. Até para estes as prioridades passam a ser outras, no campo de batalha os jovens precisam de saber trabalhar e sonhar com armas tecnológicas e com sistemas de comunicação e isso não se aprende numa recruta de três meses, como era há uns anos. É uma ironia trágica que os jogos de guerra das consolas das crianças, que tanto criticamos, se tenham tornado uma mais valia, como se já estivessem a antecipar o futuro.
A educação e o ensino serão aquilo que desejamos, se as circunstâncias e as condições o permitirem e nos deixarem. Esta consciência da realidade ajudará a ver as coisas mais em função daquilo que devem ser, protegendo-nos da frustração e do desaire de não serem como desejamos.