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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

A estrela no topo da árvore

A sociedade em que vivemos é altamente perversa e quem conseguir adaptar-se a isso é idolatrado e contribuirá mais ainda para legitimar a crueldade. Todos aprendemos desde cedo que o princípio da eficiência e da economia é um princípio de racionalidade a todos acessível e incontestável.
E todos sabemos que a organização social, económica, política, militar, cultural, é a negação desses princípios. E é a negação intencional, procurada, fomentada a todo o custo.
Nenhum dos objetivos expressos da educação e do ensino está alinhado com a realidade política, económica, social, nomeadamente de mercado, cujos objetivos, embora tropecem naqueles e aqueles nestes, se impõem como “conditio sin qua non”.
E o que está em causa nesta realidade económica, cultural, social, não é, nem a eficiência, nem a economia, nem a educação, nem o conhecimento, nem o ensino.
Em Portugal, dois cérebros ou três acharam que podiam colocar os analfabetos portugueses a rezar o terço ou a fazer crochet para o resto da vida e que se dariam por satisfeitos.
Mas apareceram outros dois ou três que acharam viável porem-nos a correr atrás de uma bola, e isso resultou.
Faltam mais dois ou três cérebros que ponham os portugueses a resolver problemas de matemática e a ler e a escrever, mas isso só será possível se continuarem a fazer prioritariamente os jogos em pirâmide do costume.
E que no topo da árvore brilhe o sol que a todos providencia.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Armadilhas do pensamento

Vamos tentar agitar os elementos o menos possível para que não acabe tudo numa solução, em sentido químico.
O nosso cérebro não foi feito para pensar? Alguma coisa foi feita para pensar? Tudo, na vida, foi feito para sobreviver, mas não para pensar? Pensar começou por ser um acidente? Um acidente a evitar? Que não foi possível evitar, ao ponto de se ter tornado o melhor instrumento, meio, forma, recurso, para sobreviver? Quantas coisas fazemos sem pensar? Aparentemente são muitas, mas não será apenas aparentemente, porque há inúmeras rotinas em que o “acto de pensar” está automatizado, sem necessidade de passar por um controlo?
Pensar está na natureza humana como algo, função, faculdade, que tem poderosas armadilhas, ao ponto de, verdadeiramente, pensar poder ser detectar isso e detectá-las passo a passo, mas sobretudo reconhecer e identificar armadilhas que aparecem camufladas e confundidas com pseudoarmadilhas, ou armadilhas irrelevantes, tipo sexo dos anjos, que não deixam de ser cruciais numa estratégia bélica, de defesa ou de ataque, porque muitas vezes a arte dos engodos é a supina arte da guerra. Ora, cá está um exercício de pensamento doloroso e cansativo, e é inevitável que o seja porque pensar, verdadeiramente, é como remar contra a corrente.
É caso para perguntar “se assim é, como é que ainda há quem pense?”. A resposta será, naturalmente, porque nem todos se deixaram levar na corrente. Caso contrário, já ninguém pensaria. O perigo é esse: que nos vençam pelo cansaço e nos impeçam de desovar.
Uma das armadilhas do pensamento pode ser “julgar que se ganha em se perder”, “para quê lutar se a vida não se vence?”.
De qualquer modo, pensar positivo não cansa menos do que pensar negativo, até porque, muitas vezes, pensar positivo, ou negativo, é a maior ilusão que se pode ter acerca do próprio pensamento. É óbvio que quem não pensa é como se não existisse? Isso pode ser temporariamente bom, mas definitivamente?
A educação esbarra contra um obstáculo que não se compadece com sistemas de racionalidade económica de feição “piquete de intervenção”, formação intensiva, porque ela deve, sobretudo, preservar a liberdade e a dignidade da pessoa, promovendo a sua autonomia de pensamento, ou seja, tem como desiderato o bem-estar e a realização pessoal do educando, salvaguardando-o das tentativas, mais ou menos sucedidas, de o instrumentalizarem para fins, por exemplo, militares, e ensinando-lhe que, se pensar bem, o mais provável é que venha a revolucionar as teorias, mas pouco ou nada possa fazer para escapar às práticas.
Desnecessário isto, porém, porque, se pensar bem, o educando, possivelmente, não pensará assim.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Frotas de navios mercantes

Será que sabemos alguma coisa, ou tudo aquilo a que chamamos saber e conhecimento é imaginação nossa? Ou, por outra, saber e conhecimento são imaginação e não mais do que isso? Ou, ainda, se assim é, nem por isso toda a imaginação é saber e conhecimento? O que está em causa nestas interrogações é a nossa relação “cognitiva” e “intelectual” com a realidade e é essa que, justa e surpreendentemente, ocorre num domínio, a imaginação, que estamos habituados a ver relegado para fora do conhecimento.

Há as coisas, há a vida. E há o que se diz. E o que se diz sobre as coisas e sobre a vida. E sobre o que se diz. Até à vertigem. Ou exaustão.

O que se diz sobre a vida não substitui, não pode, nem deve substituir ou sobrepor-se à vida.

O que se diz sobre as coisas não substitui, não pode, nem deve substituir ou sobrepor-se às coisas. 

Não tomemos a representação das coisas, a fotografia das coisas, a imagem das coisas, a explicação das coisas, o filme das coisas, o esquema, seja ele qual for, matemático, químico, pictórico, filosófico, teológico, geométrico, pelas coisas.

Muitos de nós vivemos demasiado carregados dessas imagens e demasiado iludidos para percebermos que isso não é o mundo, é estar fora do mundo o mais possível, como se tomássemos a fotografia por aquilo que ela representa e andássemos a transacionar cromos, ou notas de banco, à mesa do café, como se estivéssemos a pilotar frotas de navios mercantes.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Nesse tempo

Nesse tempo até as prostitutas diziam

Que gostavam do que faziam

Havia mais sinceridade nas sombras de cortar à faca

Do que arte de viver em palcos desmontáveis

Entre as esquinas e as ruas movimentadas

Havia uma cumplicidade de anjos de bronze

Com pombos vadios

Que só era limpa nas palavras do romântico

Do tempo de as coisas serem como são

De as personagens quererem ser humanas

Sem precisarem de outra razão.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Sem regresso

Depois de atravessar a nado

As águas geladas do rio neve

Ouviu os corvos a crocitar

Enquanto sobrevoavam

Em círculos

O que ao longe

Parecia uma montanha

Mas ao perto

Era um inimaginável cúmulo

De êmbolos e cambotas

Dínamos e gambiarras

Eixos e jantes de tratores

Tanques de guerra

Pedaços da fuselagem

De aviões militares

Tudo amontoado numa pilha

De ferrugem sobre a carcaça

De um porta aviões

Que ninguém sabe como foi

Ali parar

Durante dez anos não fez mais

Senão inspecionar aquele arranha-céus

De sucata onde o vento fazia música

Que o fazia arrepiar

Mas foram precisos mais dez

Para chegar ao topo desses desperdícios

E se sentar

Avistando então ao fundo o mar

E as cidades dos humanos

Que toda a vida imaginara

Mas sentiu a vertigem terrível

De ser impossível regressar

Daquela altura

Que antevia como sepultura.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Ter a dizer

Nada ter senão a dizer

O mundo com tantas fontes

Tantas árvores de fruto

E tantas mesas de pão

Com seus comboios de música

A atravessar oásis sem estação

Os desejos suspensos

De tanta imaginação

Passeios pela abundância

Que cansa de sonhar

A privação de prazer

Mais frustração do que alegria

Com que se aprende a lidar

Nem sempre fará esquecer

Os reinos da fantasia

Em que quero acreditar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Rios e horizontes

Há rios sem margem

Para dúvidas

Horizontes de tal sorte

Que são pontes

Sobre a dificuldade da morte

Tudo o que aprendi

E não sabemos

Do tamanho das dores

Que o tempo semeia

Com tanto amor

Quanto odeia

O que dizemos

Frutos doces e amargos

As saudades

Que temos

Se fossem aves iriam pelos largos

Barcos pelas vertentes

Se fossem luz pelas janelas

Voz pelo brilho das nascentes

Se fossem água iriam pelos olhos

Sem visão

Foram apenas

E é o que são

Almas penadas

Se vissem o dia

Seriam nadas

Levados pela mão vazia.


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Tempo de viver

Nada há que possa levar

Nenhuma verdade no alforge

Nenhuma fantasia disfarçada

Nenhuma amargura predileta

Nenhuma vontade frustrada

Nem ódio de estimação

Ou alegria

Nada

E não é por prémio

Sorte de paixão

Por castigo ou dever

Que nada levarei

Mas também nada

Nem mulher

Que tanto adorei

Me levará

Porque não irei

Estarei ausente

Da fortaleza

Da cidade morta

Sem me render

Isso eu sei

Baixo os braços

Ao vento do planalto

Que sopra sem perceber

Os passos em sobressalto

Dos escaravelhos

No momento de ceder

Como quando velhos

Sem alternativa acaba

O tempo de viver.

sábado, 12 de novembro de 2022

A mulher dos meus sonhos

A mulher

É a mulher dos meus sonhos

Indefinida e holista

Como nenhuma outra

Existe em muitas

Inúmeras imensas

E como é bom saber isso

Apesar de doloroso

Não há como fingir

Não há como ignorar

As pérolas

O caleidoscópio dos meus olhos

A mulher dos meus sonhos

Em cada uma que passa

Diante da lente natural

Dessa realidade virtual

Como num desfile

De memórias falsas

Mas mais relevantes

Do que as verdadeiras

Não é universal

E tem tanto de sonho
que é mais real
sob as amendoeiras
em flor.



Arte de bem marear

Tudo muda quando me olhas

Pelas estrelas que aprendi

A tomar como bússola

Na solidão do mar 

Sem ti

Tudo se transfigura

E me passa pela cabeça

Poder estar de volta

A um lugar vazio

Aonde vejo chegar

Uma réstia de pássaro

Caído

Por ter parado

No ar

Sobre o paraíso

E me entregasse à justiça

De te desejar

Sem nada mais em mente

Ao ver-te à minha frente

E acreditar.

 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ficção e realidade

Ouvi dizer que a guerra é para ti

Como se fosse uma telenovela

Uma ficção muito pobre e mal feita

Que já verteste mais lágrimas a ver filmes

Que já não distingues a ficção da realidade

Que até já chegaste a ver mais realidade na ficção

Do que na realidade em direto

Que não estás preparado para entender

Senão o que alguém te explica

De um modo que não te implica.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Com ódio por amor ou com amor por ódio

Que dizes

Em que língua

Com que léxico

Sabe-lo tu?

Nem eu

Será a língua dos ventos uivantes

Ou o léxico dos cavaleiros inebriados?

Parece mais lume do que água

A despenhar-se sem asas

Sem o azul das aves

Que se elevam como cinzas

Para o cume da mágoa

Que é ser assim

Ouço-te onde estiveres

Até onde estiver o significado

Do teu riso

De uma desordem que acontece

E não almejas

Nem tudo se constrói com palavras

Nem com o que desejas

Mas a destruição é uma constante

Quando olhamos para o que fizemos

Com amor ou ódio

E vemos que não resulta à letra

Que o amor ou ódio não estão lá

Vemos manifestações de ignorância

De um poder de tijolos falsos

A destruição é manifestação de poder

E a resposta é mais destruição

Desse poder.

 

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Se a pedra ouvisse

Esteja onde estiver

Faça o que fizer

Pense o que pensar

Diga o que disser

Tenha o que tiver

Sinta o que sentir

Está onde não estou

Estou onde não está

A pedra a ouvir

Se ao coração falasse

Diria mil poemas

À tentativa de possuir

Outros mil ao sentir

A falta

Muitos mais ao engano

Que há nisso tudo

E no que falta sentir

Que nunca é de mais

Se for beleza

Por mais que confunda

A céu aberto

Até o desejo doer

Na cava profunda

Da sombra suave

De castelos de areia

Diria mil tolices

Às flores por perto

Sem fazer ideia do tempo

Sem sepultura

Voltar para trás

Aos gritos

Para fazer a vontade

Aos versos aflitos.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Racionalidade e inteligência

Quando perguntamos para que serve a filosofia, já estamos a filosofar.

A filosofia é a racionalidade humana a operar num ambiente de manifestação de inteligência, da própria racionalidade. E como acredito que não existe irracionalidade, nem nos números irracionais, porque é fruto da racionalidade, distinguiria a faculdade da racionalidade da faculdade da inteligência.

A racionalidade como função biológica, diria, inerente à biologia, talvez seja dada e tão inevitável como a própria vida. Mas a inteligência é um estado de pensamento complexo, um processo que se desenvolve, agrega e transcende de cada vez que vê e se revê e reflecte e que consegue ter de si própria algum tipo de imagem. Ela instrumentaliza tudo, incluindo as memórias e as conjecturas e não é sua menor qualidade tentar evitar, senão impedir, ser instrumentalizada. Isto coloca-a numa espécie de abstracção, fora do tempo e do espaço, conquanto esteja no tempo e no lugar de um corpo.

Feitas estas considerações para estimular o pensamento, vejo a filosofia como o modo privilegiado de manifestação da inteligência, não necessariamente de inteligência, no sentido de que a inteligência é um processo e a última inteligência é que é inteligente.

Diferencio assim racionalidade de inteligência. Aquela é um mecanismo conatural e constante, diria variável independente, esta é um processo evolutivo e profundamente dinâmico, dependente de imensas variáveis, mais ou menos controláveis, inelutáveis ou acidentais, quer conjunturais, quer estruturais, que “aprende” sempre, independentemente das situações bio culturalmente favoráveis ou desfavoráveis, mas essa aprendizagem é muito variável e inconstante e pode ser mais ou menos ampla e profunda, nomeadamente, a aprendizagem com os erros.

A filosofia é a inteligência em acção. Se fosse uma máquina, começaria por se desmontar a si própria, mas não é e nunca será uma máquina, porque a inteligência não pára, não estaciona, não está em sítio nenhum embora funcione num sistema de conexões neurológicas que nunca repousam.

Ora, a inteligência em acção é a racionalidade a operar num espectro de possibilidades entre as quais, inelutavelmente, escolherá (não escolher também é escolher). Sem consciência, está arredada a possibilidade de escolha. A consciência é o que pode responsabilizar. Mas ninguém tem acesso a ela. O próprio indivíduo é colocado como juiz em causa própria. De pouco ou nada lhe adiantará ajuizar como ajuizaria o Deus absoluto que sonda e conhece as consciências melhor do que elas próprias.

«Atreve-te a pensar por ti próprio». Em reforço de Kant, diria que “pensar é próprio de ti e só podes pensar por ti próprio. A tua consciência é o último tribunal de recurso”.

Inteligência e sentido de dever aparecem-me unificados e radicados na consciência, sempre que se trata de acção. Se a este sentido de dever chamar lei moral, terei aqui mais um determinismo da acção (não estritamente determinismo natural, porque grande parte dos nossos processos biológicos escapam à nossa consciência), que deriva da faculdade da racionalidade.

Já a doutrina cristã do pecado reconhecera função chave e crucial ao reduto da consciência, conferindo-lhe a primazia nos processos de imputação de culpa.

Talvez por necessidade de coerência doutrinal e teológica, a doutrina do perdão dos pecados, mantinha Deus na competência de exclusivo e absoluto perscrutador da consciência de cada um, de omnisciente e infinitamente misericordioso e, ao mesmo tempo, exonerava-o de qualquer responsabilidade onerando a consciência do indivíduo pelos seus actos.

Estes problemas têm sido, aliás, transversais aos sistemas judiciais da cristandade, que têm lidado com a questão da culpa subjectiva, colocando-a entre parêntesis, ou simplesmente, fundando-a no dever ético-social e jurídico de conformação das condutas com a lei.

Do ponto de vista do indivíduo, todavia, o problema subsiste porque é iniludível a clivagem, ou hiato, que existe entre aquilo que é o dever-ser social, colectivo, heterónomo e aquilo que é o dever-ser pessoal, individual, autónomo, os quais, por muitas razões, podem não coincidir e até conflituar, sendo que, a última instância, como já referimos, é deste (sobreleve embora o problema do balanço que fará entre as sanções e a vantagem da obediência).

A transição do sistema teocrático milenar até à modernidade e contemporaneidade foi brutal mas nem por isso assimilada e integrada no “modus vivendi”, como soía.

A ideia de Deus é muito difícil de abandonar, ou de substituir, porque a ideia de Deus reúne tudo o que há de bom, bem, justo, misericordioso e, se não existe, devia existir. Vamos continuar a lutar para que exista Deus.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Banhos celestes

Sabendo nós que o íntimo é grande

E o divino é humano

O pensamento é pequeno

E o sublime é mundano

Vemos uma margem irresistível

A atravessar o rio

A erguer-se nua

A pentear-se para as águas

Como uma república na rua 

Aves fogem à passagem

Como a noite se enche de latidos

E o destino de verdades intemporais

Num regaço de falsos pruridos

A nossa sorte

É que ela

Talvez impura

Toma banhos de rosas

Nos nossos sentidos

Culpados

Da sua formosura.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Falar com paixão

A paixão pelos livros existe e tentar explicá-la pode ser um desafio muito interessante, quando percebemos que é uma paixão muito secreta e estranha, até por dizermos que é paixão, em vez de lhe darmos outro nome.
Desde ser de tanta subjectividade que dificilmente se conceberá que alguém trate da paixão pelos livros sem ser apaixonado pelos livros, até à suspeita de que não haverá duas paixões iguais pelos livros, ou sequer parecidas, a paixão pelos livros é uma boa aproximação aos livros enquanto arte de tentar revelar e descrever e explicar paixões, esse reduto de subjectividade que alguns se atrevem a objectivar, acreditando e contando com alguma possibilidade da linguagem para o comunicar.
Cada paixão é única e, muitas vezes compreensível a partir, não de quem a vive, mas da interpretação que dela faz.
É problemático, para não dizer ilegítimo, falar de paixões sem aceitar entrar e falar das próprias paixões, como se pudéssemos falar, em abstracto, de paixões concretas.
Duvido que haja paixão sem uma narrativa, embora nem sempre haja uma narrativa disponível e, muitas vezes, seja até impossível uma narrativa verdadeira de uma paixão.
Teço estes pensamentos ao pensar que fui e sou apaixonado pelos livros e que, ainda hoje, ao tentar reconhecê-lo e explicá-lo a mim mesmo, me surpreendo com a dificuldade de fazer-me entender o que é isso.
Se nem todas as paixões têm o seu quê de conflituosas (conflito interior), há paixões que o são muito e colocam o indivíduo num campo de batalha em que é invariavelmente vencido. Talvez por isso, há quem tenha como lema precaver-se de paixões e quem nem tenha de o fazer, porque não sabe o que é.
Os livros entraram na minha vida não à força, como a catequese, as orações, a escola, a cana da Índia, a palmatória, a polícia, mas com a sedução de poder rejeitá-los ou pegá-los a meu bel-prazer.
Quanto à catequese, escola, polícia, não vi alternativa à coerção. Quanto aos livros, nunca desisti de pensar que, enquanto não ler um livro, não sei o que ele encerra, e porque aprendi a namorar os livros muito antes de saber o que é amá-los, percebi que os livros são inesgotáveis fontes de prazer, por mais que nos revelem a escala que é preciso ter em mente, quando lemos.
E se esse namoro era do mais estranho e engraçado, para não dizer infantil, e envergonhado, que há, o amor ainda o é mais.
Mas como passar bem sem o que se ama?
Quem quer ver-se livre do que ama?

sábado, 8 de outubro de 2022

Completa escuridão

Ao trovão poderoso

Na floresta desconhecida

Encontraram refúgio numa gruta

Esbaforidos pelo tumulto da fuga

Na completa escuridão

Tatearam sem se verem

Algo descomunal

Que respirava como dois animais

E tremia como se fosse dar um salto

Estavam a cair dentro

De um poço mais

Tudo o que ficava para trás

Não os preocupava nada

E as consequências reais

Andavam longe do seu pensamento

Até que sucumbiram ao sono

E tiveram sonhos iguais.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Amantes

Para junto dela

Corre ao encontro

E todos os caminhos vão dar

Ao acampamento

Por onde passa

Todos os sinais indicam

A barraca onde não cabe altivez

E é recebido com honras

De amante

Que enfrentou desventuras

Para estar junto dela

No seu leito macio

Munido desse triunfo

De não se submeter

À triste velhice.


domingo, 2 de outubro de 2022

Metáforas

Os que fecharam as portas

Deixaram o silêncio de fora

A vadiar penitente

Até encontrar a chave das fechaduras

E tomar conta de tudo

Antes que as portas se abrissem com o vento

O silêncio saiu

De fora para dentro

A vadiar como um rio novo

A que não se chamaria rio ainda

E talvez não venha a ser

Senão metáfora de deus.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

A importância dos livros

Há que enfatizar, por um lado, a inegável influência e importância do livro na consolidação e desenvolvimento das culturas, nomeadamente a ocidental e, por outro lado, a hipótese de que o livro não tem tido a atenção e o fervor de tantos adeptos quanto merecia.
O fenómeno da escrita, mormente da divulgação do conhecimento através do livro, tem sido visto por muitos estudiosos como um factor decisivo do desenvolvimento da civilização e do conhecimento, ainda que o livro, como tudo o que é instrumental, sirva para quase tudo aquilo que pode ser instrumentalizado por ele e nem tudo é consensual ou pacífico.
Aqui, não obstante, encontramos mais um motivo, ou razão, para preservarmos o livro como meio privilegiado de cultura e de diversidade, mas mais ainda de liberdade e de comunicação.
O papel activo que o livro exige ao leitor, só por si, é um indicador de que quem o lê não o faria se não lhe encontrasse bastante interesse (independentemente de alguém considerar que esse interesse é grande ou pequeno ou nulo).
Durante muito tempo, o fascínio pelo fenómeno da escrita foi de tal ordem que tudo passou a girar em torno dela até atingir uma estereotipação e uma estilização que a transformou em algo valorizado por si próprio, pela sua dificuldade e poder simbólico de uma elite de especialistas, mais como uma arte e um domínio dos deuses, para espectáculo atordoador dos leigos analfabetos.
O caso não era para menos.
O poder das palavras institucionalizadoras, imperativas, prescritivas, declarativas, que deferem ou indeferem, que ordenam e impõem, que decidem o que as coisas são, sempre teve e continua a ter uma imensidão de devotos rendidos à sua magia transformadora das realidades que mais interessam a todos.
Curioso é que este poder das palavras tenha sido tanto maior, e assim continua a ser, quanto mais hermético, e acessível apenas a uma elite, for o seu código. De tal modo que, por exemplo o latim, não sem muita relutância, só recentemente vem sendo substituído, em actos oficiais e religiosos, pela língua viva.
A vulgarização do livro esteve associada à disseminação do acesso ao poder que o livro conferia e, de vários modos, a elite “do poder do livro” reagiu contra isso. Mas, como seria de esperar, à medida que o poder do livro se disseminou também passou a ser menor a atractividade motivada por algo que estava associado ao simbolismo do livro e não ao valor intrínseco do seu registo.
A desmistificação do saber livresco, por exemplo, é muito recente e foi uma enorme conquista da cultura, mas só foi possível, suponho eu, pela divulgação e acesso generalizado ao livro como meio privilegiado, senão único, de acesso a cultura e a conhecimentos relevantes, para além do senso comum.
Acontece, ainda assim, que o livro é visto, umas vezes, como meio de realização de objectivos expressivos e discursivos e narrativos e comunicativos, inclusivé científicos, líricos, críticos, filosóficos, jurídicos, técnicos, etc., outras vezes, como fim em si mesmo, ou simplesmente como uma mercadoria, à boleia da inquestionável reputação do livro, na sua função de “transcendência” a que temos acesso se os lermos, mais do que se alguém os ler para nós, ou por nós.

sábado, 24 de setembro de 2022

O que é sentir

Sonhar

E só depois dizer

O que acontece

Dizer

E só depois ver

O que é difícil

Fazer

E só depois saber

As palavras que mais usas

Poder

E só depois deixar

De querer

Escrever

E só depois sentir

Que o prazer também se escreve

Com prazer

E só depois interrogar

O que é sentir

sem doer.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

INCOMPLETUDES

Se o amor

Enquanto esperavam à chuva

Fosse ministro de algum abrigo

Ou abrigo de algum ministro

A haver governo algures

Em tempo sinistro de encargos

Andaria atrás de um caderno

Perdido

De versos copiosamente amargos

Em seu labirinto construído

De perversos aliados

Tremendo dos artelhos

De medo talvez de frio

Da sua sombra nua

Procurasse o sol

De algum pavio

Quiçá da lua

Em troca de existir

Para se aquecer

Sem cair na rua.

 

sábado, 10 de setembro de 2022

Quase só fragilidades

Em algum recanto obscuro

Lá muito atrás no tempo

Perdemos a memória

O nosso amor e a nossa paz

Perturbados pela surpresa

De um mundo inesperado de hostilidades

Engendrado pela nossa frustração

E pelo alerta

Pela desconfiança das plantas

E animais 

E restantes elementos naturais

Que no nosso âmago

Amamos

E pela decepção de sermos repelidos

E mordidos

Envenenados acossados infectados

Feridos

Esmagados afogados queimados

Em cenários de acidente

Tempestade ou guerra

Ou simplesmente

Na tragédia silenciosa

Na doença

E pela descoberta de que éramos

Quase só fragilidades

E a necessidade de nos rodearmos

Da atenção e do carinho

Uns dos outros

Para nossa protecção

E para sermos mais fortes

No desgosto de não podermos abraçar

Sem medo e precaução

Todos os seres 

Vivos e os demais

Que amamos à nossa maneira

Talvez errada 

Por não ser mais.


terça-feira, 30 de agosto de 2022

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Ensinar e educar

Educar, todos e tudo educa.
Cuidado com a educação. Quem não se queixa da educação que recebeu (o termo é muito significativo e carregado de tradição) ainda deve estar mais de sobreaviso.
Ensinar é mais complexo, mais solidário, mais honesto, mais explícito, mais confiável, mais amigável, mais avisado, mais avançado, mais revolucionário.
Putin educa, Hitler educou, Estaline dava isso como garantido e os religiosos sempre puseram todas as fichas na mesa das apostas da educação para concretizarem os desígnios divinos.
Ensinar é outro negócio, é outra história, é outra narrativa. Se não é oposta a educar, pelo menos é crítica, contestatária, muitas vezes feita à revelia da educação oficial.
Educar é perigoso, ensinar é promissor. Transmitir valores, crenças, normas de conduta é algo que se tem revelado catastrófico, trágico, incurável, abominável, fatal. É certo que há sempre o outro lado da medalha. É o apelo aos valores que mobiliza para a guerra e para a vitória. Uma bomba lançada sobre o inimigo é um acto sublime. Uma bomba lançada pelo inimigo é um acto cobarde e imperdoável.
Não devemos combater uma crença com outra crença? Ou seja, não devemos combater? E temos outro remédio?
Há os que educam, por exemplo, para agradar e obter as bençãos do Sr. Abade, ou do Regedor, ou do professor, e há os que educam para se perfilarem nas hostes políticas e dominarem o jogo dos interesses, avessos a obediências ditadas por opositores, ainda que posicionados em cargos de supremacia de facto, seja fiscal, seja política, seja administrativa. E há os párias, que rejeitam todas as propostas e são educados para não precisarem dessas estruturas viciadas de favorecimento e de nunca vergarem, nem fingirem respeitos que não devem a ninguém, que são educados a esperar todo o tipo de maus tratos e de desprezo e de discriminação, que só podem contar com a sua força e não deixam que lhes indiquem o personagem sagrado que vão vestir nas procissões dos corpos dos deuses. E isto vem de longe, de muito longe. E, para tristeza e preocupação de muita gente, está a agravar-se. O nepotismo anda à solta, a par com a corrupção e a batota na disputa de méritos e de reconhecimentos. Então o partidarismo e o favorecimento no acesso a funções públicas, vão-se instituindo cada vez mais como procedimentos “normais”, como se o público e o Estado fossem a oportunidade dada a alguns privados que pensam e actuam como se estivessem nas suas quintas, enquanto estiverem.
Entre os que educam para o jogo, com os trunfos na mão e os que educam para o jogo da batota, a diferença é óbvia.
O ensino é outra coisa.

 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

A atracção do abismo

Não saber se desistes da humanidade

Mas do teatro

Não saber se desistes do teatro

Mas da humanidade

Perceber que desistes

De reconhecer o fracasso

Não acreditar

Que haja quem não sabe

Que há noites perpétuas

No pomar das musas de sombra

Onde não rescende a frutos

Não há certezas de nada

Não há como desistir

De vencer os terroristas

Mas é preciso saber

Que se precipitarão

Com todas as suas forças

Os que não resistirem à atracção

Do abismo.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Verdades e interesses

Espírito crítico, não é pedir muito, é esperar demasiado. Nos tempos conturbados em que vivemos, assoberbados de solicitações e de megafones mais ou menos selectivos e privativos, numa imersão desinibida na barafunda das tragédias e no teatro dos festejos e das celebrações, quando alguém ainda sabe dizer em que rua mora, ou para onde quer ir, isso já é um motivo de esperança, não digo na humanidade, mas no que vier a seguir.
A verdade, além de ser algo inacessível, até aos tribunais superiores, a maior parte das vezes, é o que menos importa ao comum dos mortais. Quando muito, pode interessar aos filósofos e aos cientistas e, mesmo nestes casos, depende de que verdade se estiver a falar.
As declarações e os manifestos políticos, sejam democratas, autocratas, plutocratas, cleptocratas, aristocratas, etc., não são verdades.
O socialismo não é verdade. O capitalismo também não. O comunismo idem. República ou monarquia, nada disso é verdade, por mais verdades que digam. E também não são mentira, falsidade, ou erro, por mais que mintam, falseiem ou errem.
As religiões não são verdades, por mais verdades que digam. As realidades culturais, institucionalizadas, com mais ou menos legitimidade, aceitação, passividade, adesão, não são expressão, nem critério de verdade.
É escandaloso que tenham a pretensão de ser aquilo que não sabem ser, nem podem ser, verdade.
Uma realidade, material, física, ou social, não é verdade. Um presidente, um clérigo, um filósofo, um cientista, um jogador, um trabalhador, um rei, uma aranha, não são verdades. Um facto não é uma verdade. Um acto não é verdade.
O conceito de verdade, de certo ou errado, segundo critérios de verdadeiro/falso distingue-se do conceito de verdade, segundo critérios de eticidade, de direito, de correcto/incorrecto, ou do conceito de verdade, segundo critérios de moralidade, de bem/mal.
Em todos os casos, verdade tem a ver com condutas, comportamentos, humanos, cujo escrutínio e julgamento, por sua vez, padecem das mesmas limitações e deficiências daqueles.
Mas não há motivos para desanimar, porque os humanos têm um sentido muito desenvolvido para escolherem o que lhes interessa.
A mentira, a falsidade, normalmente, aproveitam-se disso, como formas deliberadas, sofisticadas, de manipulação.
Quando é por erro/ignorância, já a manipulação, até a das grandes estruturas ideológicas a que não escapamos, é desculpabilizável.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Felizmente há o direito e a justiça

Que haja liberdade

Não à impostura e à censura

Não há liberdade enquanto houver

Ditadores

Enquanto houver ameaças credíveis

Dos destruidores

Enquanto houver terror

E morte

Incendiários

Bombistas

Terroristas

Que impõem aos outros a violência

Catastrófica e demolidora

Aquilo de que a humanidade menos precisa

Nestes momentos difíceis para todos

É que os oportunistas terroristas

No momento de ajudarem a salvar

De pandemias e de secas e de guerras

Tudo façam para ajudar a aniquilar

Felizmente há o direito e a justiça

Que não podem deixar de triunfar

Quanto à vida na Terra

Veremos.

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

A realidade da(s) Arte(s)

A realidade da(s) arte(s) suscita questões deveras curiosas e não há nada como questões curiosas para provocar a nossa competência, seja ela qual for. Se um cozinheiro não sabe responder à questão, mas um electricista sabe, ou se um cientista não sabe responder à questão, mas o crítico de arte, ou o leiloeiro, sabe, estamos num terreno em que ninguém gosta de ficar de fora e em que quem der parte de fraco não sai a ganhar, o que quer que isto possa significar, para além da gíria.

Não é sequer uma questão de “gostos não se discutem”, porque penso que tudo é discutível, se as pessoas quiserem.

O que constato e o que enxergo, bem ou mal, mais ou menos, é que há profissionais do gosto, como há profissionais de santidade, como há profissionais de sabedoria, de justiça, de saúde, de poesia, de romance, de pintura e, dentro de cada departamento, muitas especialidades.

Basicamente, estes profissionais estão aptos a responder a qualquer questão que se coloque, não apenas sobre a sua área de actuação, mas também a realizar/fazer algo em conformidade. A arte do discurso não é das menos “sublimes”, mas há as artes dos artefactos, ainda que o discurso não deixe de ser também, à sua maneira, um artefacto. Neste sentido, a cultura, mesmo aquela parte que não se exterioriza, que não se objectifica em nenhum suporte material, nem chega a transmitir-se porque não sai do reduto íntimo do indivíduo que a pensa, ou a sente, é artefacto, ainda que apenas representação abstracta dos neurónios.

O exemplo do quadro em branco não deixa de ser curioso, levando a reflexões inesperadas e interessantes, por exemplo, sobre a originalidade e a inimitabilidade. Não quero dizer que não tenha havido e não haja milhares, senão milhões de quadros brancos, se calhar à espera de um pincel com tinta. Mas depois de ter aparecido um numa exposição de pintores, realmente, tudo muda de figura e poder-se-ia escrever muito sobre isso, convocando cientistas e pensadores de todas as áreas, para que nenhum profissional se sentisse excluído.

O quadro em branco é de tal modo “inimitável” que alguém que se atreva a repetir a façanha pode ter de pagar direitos de autor.

Também há espectáculos em que não é possível responder à pergunta “que é que isto significa?”. Uma vez participei numa espécie de dança de varredores, ao ritmo de música, que ganhou a atenção dos espectadores e que achei divertida, em que, no fim, dois intelectuais me perguntaram que é que aquilo significava. Eu perguntei-lhes se tinham achado divertido e eles disseram que tinham adorado, mas eu não seria capaz de lhes veicular significado que eles próprios não encontrassem, porque para mim não havia ali significado. Poder-se-ia, não digo que não, criar imensas hipóteses de significado, cada uma mais rica do que a outra e isso ser deveras inspirador e criativo, mas o assunto ficou por ali e o mundo continuou.

O dar que falar pode ser muito relevante e não só do ponto de vista das teorias e aperfeiçoamento, aferição, afinação da linguagem e dos conceitos, que é um trabalho e uma arte que ocorre nos bastidores mas que não deixa, por isso, de ser importante.

Quanto ao talento para criar oportunidades ou aproveitá-las, concordo que sejam talentos diferentes, cada um melhor do que o outro, mas não vejo que haja muito como alguém dominar/controlar o efeito das obras e a qualidade das obras, ainda que levássemos em conta aspectos como públicos especializados e públicos em geral, mais ou menos semianalfabetos. Muitos dos aplausos têm a ver com a emoção primária e irreflectida, abstraída de outras considerações acerca do valor da mesma e sem levar em conta critérios comparativos. Podemos não aplaudir uma grande obra que já aplaudimos até à exaustão e aplaudir muito, pela primeira vez, uma obra menor.

Há, não obstante, experiências frustrantes, para não dizer traumatizantes, ou até esclarecedoras, que todo o criador pode fazer, seja artista ou filósofo, ou cientista, acerca da relação entre valor, qualidade da obra e efeito no público, aceitação, apreço, valorização, aplauso, reconhecimento. Se, por exemplo, perante uma assembleia que desconhece (realidade muito frequente) um grande poema clássico, ou um compositor consagrado, ou um texto notável de alguém do panteão, ou mesmo um dos evangelhos mais venerados, o fizer passar por improviso do momento, ou criação sua, logo verá o efeito. A minha experiência revela que o valor de uma obra tem subjacentes, pelo menos duas ordens de considerações, o plano crítico, que se vai consolidando pelo passar do tempo, e o plano menos crítico, individual, de contacto e de fruição subjectiva, talvez muito mais difícil de justificar.

De qualquer modo, numa primeira abordagem, ou contacto, a obra de arte, texto ou outra, tende a ficar mais em suspenso quanto mais rica e profunda e inovadora for, como se causasse uma estranheza, impenetrável ao senso comum, que pode ou não valer a pena explorar e interrogar.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

É certo

Não vou falar do certo e do errado

Porque soubesse verdades

Que não sabeis

Mas porque falo dos meus erros

Não porque afinal tenha acertado

Em os reconhecer

(E é certo)

Mas porque tenha reconhecido

Estar errado

Não vou falar das falsas crenças

Do passado

Que me ajudaram a crer noutras

Em que não fui educado

Mas na surpresa de descobrir

Que o mais certo

É eu estar errado.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Ousar amar

Ouso dizer que o amor ainda precisa de ser autopsiado, ou levado ao laboratório dos alquimistas, para nos convencermos de que o amor é puro egoísmo. No laboratório dos químicos chamar-lhe-iam outra coisa que não sei, talvez tropismo.
Provavelmente ninguém é amado, ou amou, no sentido de amor que não é retribuído. O condicional não faz parte do conceito mas, nem por isso, deixa de ser a realidade do amor.
E não esqueçamos que o artifício de pensar em termos físicos, ou literários, teológicos, ou filosóficos, não reduz o problema, antes o amplia.