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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Gosto do Natal

Gosto do Natal
Mas não gostava que o Natal
Fosse todos os dias

Já gostei do Natal
Por ser época de guloseimas
E de magia
E tinha graça ouvir dizer
Boas Festas
Feliz Natal
E Bom Ano Novo
Na cidade enfeitada de alegria

Depois gostei do Natal
Porque me lembrava natais
Que já não pode haver
E era triste às vezes
Andar sozinho pelas ruas
De um Natal futuro
A ouvir canções
Para esquecer

Mais tarde gostei do Natal
Por ser época festiva
Ideal para me declarar humano
Como se tivesse andado distraído disso
Então sem me perguntarem
Se gostava do Natal
Eu dizia que ninguém tem o direito
De ser feliz
E menos ainda de fingir que o é
Enquanto houver alguém triste
E não importa o que isso é
E ouvi quem disse
Que o Natal é uma chatice
Que o Natal nada lhes diz
E quem repetisse
Sem nada de original
Que todos os dias deviam
Ser dias de Natal

Hoje gosto do Natal
Porque é Natal.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O livro de todo o conhecimento(XII)

É difícil decidir o que fazer nesta tendência continuada de descida das cotações dos títulos em Bolsa. Vender agora? Só acreditando que a queda se irá acentuar. Mas quando será o momento para voltar a comprar? E se as cotações continuarem a cair mais e mais? O meu primeiro pensamento, depois de uma desvalorização de dez a vinte por cento de alguns dos principais títulos tem sido comprar, não é vender, porque acredito que eles vão recuperar de um dia para o outro. O optimismo ou a expectativa positiva, muitas vezes, impede as pessoas de tomarem decisões sensatas. Mas o pessimismo pode levar a decisões precipitadas de que nos arrependemos.
Deixei o computador ligado e fui tomar o pequeno-almoço. Ainda era cedo para ligar a Teresa. Era preciso ouvir o que havia, afinal, para saber sobre maus tratos, violações, masoquismo, aberrações sexuais… . E saber junto da polícia qual foi o procedimento seguido no que respeita ao meu automóvel.
Não estava com fome, mas engoli a custo uma torrada com manteiga e uma chávena de leite quente com chocolate. Contrariamente ao dia de ontem, que começou normalmente, no dia de hoje, já comecei com muitos problemas para enfrentar.
Às nove horas e dezassete marquei o número de Teresa, mas não atendeu. Liguei para a enfermeira Cândida.
- Sim, sim, Dr. Veríssimo?
- Olá enfermeira, bom dia, está tudo bem?
- Ainda bem que ligou, que aflição, meu Deus! Tentei inúmeras vezes contactá-lo, mas o Dr. tinha o telemóvel inacessível. Já estava preparada para ir à polícia se não conseguisse localizá-lo. Que é que lhe aconteceu ontem?
- Como? O que é que soube?
- Pouco depois de lhe ter telefonado ontem a avisar que havia muitas coisas escabrosas que deveria conhecer sobre Teresa e A. Carrancas, recebi uma mensagem anónima a dizer que o carro do Dr. foi encontrado abandonado sobre a ponte D. Pelayo.
- Só isso?
- Só.
- E foi. Eu também soube disso pela própria polícia.
- Que é que aconteceu?
- O que eu sei e só isto lhe garanto é que enquanto estive no tribunal com a Teresa, alguém me furtou o carro e eu vim para casa de táxi.
- Ai que alívio! Puxa!
Fiquei apreensivo, mesmo preocupado, com a origem e o possível significado da mensagem anónima que alguém enviou à enfermeira. O furto do automóvel não aconteceu por acaso e havia sinais de estar relacionado com algo mais em que me queriam envolver. Mas o que seria? Não quis que a enfermeira percebesse quanta importância eu dava àquela mensagem e, fingindo ignorar o teor da mesma, mudei de assunto.
- Enfermeira Cândida, não consegui contactar com a Teresa há momentos, por isso lhe liguei.
- Teresa está em casa mas tem o telemóvel desligado até tarde.
- Era para saber dos tais pormenores escabrosos a que se referiu ontem e que podem ter relevância para o processo.
- Se não se importar, acho preferível de tarde, às 15horas. Pode ser?
- Pode, está combinado então.
Pela janela pude ver a melhoria do tempo. Já não chovia e o vento cessara. O Às andava a inspeccionar o exterior e não se detinha a farejar sinais de presença humana recente. Nos últimos tempos a casa parecia-me assustadora, tanto pela sua história como pelas suas dimensões. Havia imensas coisas que o Às não poderia farejar. E tornara-se uma obsessão que exigia todo o tempo de mim. A última descoberta que fiz, numa tímida incursão pelos subterrâneos, no dia vinte e quatro, foi um conjunto de vinte e quatro bíblias manuscritas, em muito bom estado de conservação. Essa descoberta criou-me receios e preocupações adicionais, nomeadamente, quanto a defesa e segurança de um património que suponho de valor inestimável. Mera coincidência ou não, o facto de serem vinte e quatro obriga-me a especulações e conjecturas, a primeira das quais foi ser esse o número de horas que tem o dia e, logo a seguir, o simples facto de as ter descoberto no dia vinte e quatro. Depois, quando decidi voltar a colocá-las no local donde as havia retirado, os sinos do campanário da igreja badalavam as vinte e quatro horas.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O livro de todo o conhecimento(XI)

A.Carrancas continuou desaparecido sem dar sinais de vida. Embora a polícia não se tenha convencido de que o facto de o carro aparecer abandonado no meio da ponte se tenha ficado a dever à simples coincidência da falta de combustível, o certo é que não apareceu nenhum cadáver ou outros indícios que pudessem relacionar o veículo com outro crime que não fosse o de furto de que eu, entretanto, me queixara formalmente.
Nos dez anos seguintes, vários cadáveres foram retirados das águas daquele rio. Porém, nenhum deles, pela ordem natural das coisas e pelas regras da mais elementar experiência, poderiam estar relacionados com o caso do meu automóvel. Seis desses casos tiveram cabal explicação no próprio dia da sua ocorrência. Só um ficou por explicar, mas não podia estar relacionado com o caso do carro abandonado sobre a ponte, pela óbvia razão de a morte ter ocorrido alguns anos depois.
Cada vez mais me deixei seduzir pela tese da morte de A. Carrancas e não pela ideia de que estivesse simplesmente desaparecido, como toda a gente parecia supor, ou parecia fazer crer.
Era muito mais interessante para todos pensar-se que A. Carrancas andava a monte, fugindo à justiça. Mas ele podia ter sido assassinado, ou simplesmente ter morrido, dias antes da alegada tentativa de assassínio de Teresa e esta, conluiada com a enfermeira, terem feito desaparecer ou terem ocultado o cadáver e simulado aquela tentativa, atribuindo-a a A.Carrancas e queixando-se à polícia de um crime que ele não cometeu e pelo qual não estaria em condições de alguma vez responder.
O caso andava a absorver-me demasiado e, quanto mais pensava numa possível explicação que ajudasse a desvendar o intrincado problema, mais ele se intricava.
Depois do que Teresa e Cândida me contaram sobre abusos sexuais e ofensas corporais, pareceu-me ser altura de me amparar ao saber e experiência do meu colega Carlos Soares.
Este ilustre advogado também foi de opinião que eu tinha dado fé a uma determinada versão e não conseguia ser imparcial na ponderação das variáveis. Considerava os meus palpites demasiado inquinados de emoções e afectos e representações prévias, como se eu tivesse interesse num desfecho e não noutro. A tese da morte parecia-lhe tão plausível como a da não morte.
- Vejamos, dizia ele - A. Carrancas pode ter um efectivo interesse em que alguém pense como o colega está a pensar. Então, o facto de estar desaparecido permite e, de certo modo, até obriga a que se pense nisso mesmo.
- Quer dizer que A.Carrancas pode ter desaparecido com o intuito de fazer pensar que foi assassinado?
- Sim.
- Mas a minha tese é que ele foi assassinado e que pretendem fazer pensar que está simplesmente desaparecido para fugir à justiça.
- Alguma coisa o impede de pensar, por exemplo, que tudo não passa de uma grande simulação, de um grande embuste, para entreter e enganar a justiça.
- Como? Que a tentativa de homicídio de Teresa, os maus tratos, a queixa, a cadeira de rodas, o desaparecimento de A. Carrancas, podem não passar de um embuste?
- Isso mesmo. E vou mais longe, caro colega, prepare-se para todo o tipo de surpresas. Não descarte a hipótese de A. Carrancas continuar no melhor dos relacionamentos com Teresa, a encontrar-se com ela, enquanto o ex.mo colega dá voltas na cama sem poder adormecer a pensar que algures alguém ocultou o seu cadáver depois de ter cometido um brutal homicídio.
Neste momento não pude deixar de rir na cara do colega Carlos Soares. Mas este não se descompôs:
- Ria, ria à vontade que lhe faz bem.
- Desculpe, mas não estava preparado para ouvir uma coisa destas.
- Convém estar preparado para tudo. Aceite como natural a possibilidade de, um dia destes, sem esperar e sem o desejar, dar de caras com ele na rua ou em casa de Teresa…
- Não, agora acho que o colega está a brincar. Não está a falar a sério, pois não?
- Estou, estou. E ao dizer-lhe tudo isto suponho, obviamente, que A. Carrancas existiu alguma vez e não é também uma invenção.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Há pausas e momentos

Há pausas e momentos
Que te sinto
Tão perto que te abraço
E tu não estás
E ainda assim
Imagino como é doce
O sorriso
E os beijos
Que és capaz

Há pausas e momentos
Que te sinto
Tão longe mas tão certo
Que virás
Que canto e danço
E brinco
Como imagino
Que serás

Há pausas e momentos
Que me sabem
À mínima distância
Entre nós
Ir além de ti
O que separa
Nem tempo tem
Para o conseguir

Há pausas e momentos
Que me sabes
Mais quente
Que a promessa
Que farás
Mais presente de futuro
Se a razão do tempo
Tanto faz

Há pausas e momentos
Cruciais
Causa(dores) do universo
Em expansão
De tão plenos
Da falta que me fazes
Senão de ser humana
Esta paixão

Há pausas e momentos
Tão profundos
Fechados em abismos
Tão carnais
Que a alma
Em ânsias de refúgio
Ecoa juramentos
Imorais

Há pausas e momentos
Que contemplo
À sombra das aves
Que passarem
Sem eco
A solidão
Dos sonhos
Me abandonarem

Há pausas e momentos
De dizer
Os movimentos de asas
E de mar
O sono da ave
Rente às ondas
Que não chega
A despertar

Há pausas e momentos
Impossíveis
Perfeitos como espero
E acredito
Um pouco de
Eternidade
E amor
No infinito.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O livro de todo o conhecimento(X)

Dezassete de Outubro de 2007. Acordei várias vezes de madrugada. Para me certificar de que continuava vivo? De novo com a ideia obsidiante do “Livro de Todo o Conhecimento”. Cada vez me parecia mais distante o momento em que teria concentração e disponibilidade mental para começar a escrever a minha obra. Havia sempre coisas a intrometerem-se, reclamando maior urgência e eu cedendo, cedendo. Foi assim há anos e continua a ser. Eu já tinha deixado a sociedade de advogados em que trabalhei cinco anos para poder organizar e controlar melhor a minha vida. Iria exercer advocacia em prática isolada para não perder o contacto com o Direito e o Foro. Mas estava determinado a dedicar-me à escrita por ser o modo que eu necessito de dedicar-me à vida.
Desde a morte da minha mulher e do meu filho que entrei em profunda depressão e deixei de trabalhar como advogado. Passei a frequentar seminários e cursos diversos, para manter contacto com a realidade social e retomei a prática do ténis, por aconselhamento médico.
Ainda não consigo explicar muito bem a mim próprio porque aceitei trabalhar no caso de Teresa.
Não me levantei para escrever. Estava demasiado cansado e tinha a cabeça vazia. Fiquei a ouvir uivos do vento ciclónico pelas frinchas das portas e das janelas e a agitação das árvores. De quando em vez, o estrépito dos ramos a rachar. Pensei: os criminosos não têm rasgo nem têmpera para se aventurarem com um tempo destes. Mas nunca fiando. À cautela, deitei-me com uma arma carregada de oito balas, com pontaria por infra-vermelhos mais meia dúzia de carregadores num cinturão, à mão de semear. Se alguém se aventurasse a incomodar-me, mesmo que tivesse artes para driblar o Às, que é muito difícil de iludir, com gatos ou coelhos não conseguiriam, (com uma cadela é diferente) ainda haveria uns obstáculos para ultrapassar antes de chegarem até mim. E não é que a ideia da cadela ficou a fervilhar na minha cabeça? Estaria a cadela para o Às assim como Teresa está para mim? Até parece matemática, mas…E se isto fizesse sentido?