Depois de atravessar a nado
As águas geladas do rio neve
Ouviu os corvos a crocitar
Enquanto sobrevoavam
Em círculos
O que ao longe
Parecia uma montanha
Mas ao perto
Era um inimaginável cúmulo
De êmbolos e cambotas
Dínamos e gambiarras
Eixos e jantes de tratores
Tanques de guerra
Pedaços da fuselagem
De aviões militares
Tudo amontoado numa pilha
De ferrugem sobre a carcaça
De um porta aviões
Que ninguém sabe como foi
Ali parar
Durante dez anos não fez mais
Senão inspecionar aquele arranha-céus
De sucata onde o vento fazia música
Que o fazia arrepiar
Mas foram precisos mais dez
Para chegar ao topo desses desperdícios
E se sentar
Avistando então ao fundo o mar
E as cidades dos humanos
Que toda a vida imaginara
Mas sentiu a vertigem terrível
De ser impossível regressar
Daquela altura
Que antevia como sepultura.