Quando escrevo só
Posso contar com o leitor
Para transpor
O limiar da minha porta
O poeta não se mete pelos olhos dentro
Como uma irresistível vénus desencadeia
Tempestades de prazer
Até a quem as não quiser
A poesia pode ser desbragada
Mas é a sedução de não ser nada
De não ter úberes
Nem ritmos de pimbalhada
Que entram pelos olhos dentro
Sem pedir licença
E sem dar licença para contento
Sentam o rabo na cara
A poesia é como a dança
Exibicionismo requintado de mais
Para os pés de chumbo
Que a desdenham e deploram
Como a trança de um cabo de cebolas
É cantar a uma janela
Sem ninguém lá dentro
Porque não está lá ninguém
Não é trabalho
É a infelicidade
De quem tem tudo para ser feliz
Uma arte
Ter tudo para ser arte
Mas não ser bela
Uma questão de gosto
Ter tudo para ser
Mas não acontecer.