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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Liberdade, a minha, a tua e a deles

Ainda nos rescaldos do 25 de abril de 1974, quis o acaso que um proprietário rural entrasse na tasca da aldeia, onde nunca tinha estado antes, que não era homem de tascas, nem de familiaridades com a populaça, embora fosse dono de adegas e constasse que até dormia nelas, se desse jeito. Ia a passar e lembrou-se de parar para cumprimentar o tasqueiro, que já não via há uns anos e a quem já vendera muitas pipas de vinho.
A propósito de uma lengalenga de propaganda partidária, que ia saindo dum transistor com tantas interferências que o dito proprietário rural julgou tratar-se de um mar agitado com alguém a afogar-se que gritava por socorro, o tasqueiro lamentou que viesse aí o comunismo. Fosse porque essa alusão ao bicho papão do comunismo lhe soasse a provocação, fosse por outro motivo, o proprietário rural aproximou-se do tasqueiro e, a meia voz para que as paredes não ouvissem, disse “quem dera que viesse, senhor Amílcar”. Mas então não ia ter que repartir as suas terras por aqueles que não têm nenhuma? “Se vier um comunismo, eu ainda vou receber terras daqueles que têm mais do que eu”.
Este proprietário rural já tinha enfrentado um grupo de revolucionários num comício da paróquia esclarecendo-os acerca da sua posição político ideológica “Eu não tenho nada contra o poder absoluto se for eu a detê-lo”. Os revolucionários, a propósito da liberdade de abril, insistiam que a liberdade que ele defendia não era a mesma que eles defendiam. Que ele defendia a liberdade dos liberais capitalistas, de poderem usar o seu poder e riqueza sem restrições, que não aceitavam ter de prestar contas a ninguém e muito menos aos desapossados que deles dependiam e que eles exploravam. Assumiam-se como legisladores, que estavam acima da lei, e a usavam em seu benefício exclusivo, como ditadores com os quais, de resto, se identificavam e colaboravam.
Que a liberdade que eles defendiam, pelo contrário, era a liberdade do jugo e da condição de sujeição e de exploração que lhes impunham, era a liberdade dos oprimidos e dos desapossados, dos indigentes sem voz e sem poder, aos quais eram negadas quaisquer oportunidades de participar politicamente na definição e no estabelecimento das condições concretas de uma liberdade igual para todos.
Neste grupo havia uns que diziam “nós não queremos ter uma liberdade como a vossa, não queremos ser admitidos no vosso clube e poder beneficiar de privilégios como os vossos. Essa não é a liberdade pela qual lutamos. Essa é a liberdade contra a qual lutamos.” e havia outros que proclamavam “nós queremos a mesma liberdade que vós tendes, isso é que é liberdade, podermos fazer o mesmo que vós e, se possível, mais. Essa é a liberdade pela qual lutamos. Não lutamos contra essa liberdade.”
Passados tantos anos, 50?, desde esses eventos, as lutas continuam. Porque o problema da liberdade existe realmente para aqueles que a não têm e não a conseguem.

             Carlos Ricardo Soares