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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O livro de todo o conhecimento (IX)

Aquela última frase inquietou-me mais do que eu podia suportar. Despoletou uma catadupa de cenários assustadores na minha mente. Com quem estive a falar ao telemóvel? Seria um agente da polícia? Ou o próprio ladrão do automóvel? E se o ladrão do automóvel se tivesse suicidado lançando-se ao rio? Pode muito bem ser a polícia, mas também pode ser o ladrão do automóvel a fazer-se passar por polícia para saber do meu paradeiro e manter-me sob controlo. O próprio furto do meu carro pode estar relacionado com o facto de eu ser advogado de Teresa no processo contra o marido A. Carrancas. Se assim for, será pouco todo o cuidado a ter com comunicações telefónicas, informações e quejandas. Convém manter-me alerta, à defesa. E se o ladrão tivesse usado o meu carro para assassinar alguém, por exemplo,Teresa, lançando-a ao rio, abandonando o carro de seguida? E porque haveria de deixar o carro sobre a ponte? Qual poderia ser o verdadeiro objectivo daquele telefonema? E eu? Como provaria que me tinham furtado o carro? A única pessoa a quem referi isso foi ao taxista. Poderia ele confirmar que lho referi e a hora? E isso seria suficiente para afastar a suspeita que podia recair sobre mim? É que também eu começo a estar envolvido numa investigação criminal e não apenas como advogado de Teresa.
Escureceu abruptamente e logo se levantou um vendaval ruidoso. Trovões ainda distantes, se foram tornando mais próximos relampejando cada vez mais violentamente sendo cada vez mais curto o intervalo entre o relâmpago e o trovão. Das imensas nuvens negras sobre as colinas cai uma chuva torrencial.
O Às veio esticar-se a meus pés, com o focinho entre as patas dianteiras e as orelhas afitadas, ora uma, ora a outra, ora ambas. Eu interpreto esta postura como um factor positivo. Habituei-me a confiar no meu cão. Mas ele faz sempre isso quando eu estou sentado a escrever, como agora.
Cada trovão ecoa pelos corredores e compartimentos da casa e ressoa pelo sistema de passagens subterrâneas em que há anos ninguém entra e onde me lembro de ter estado uma única vez, num dos túneis.
Creio que passei a vida a evitar pensar que esta casa, onde nasci há trinta anos, foi palco de acontecimentos tenebrosos, sangrentos, em que pereceram violentamente dezenas de pessoas, cujas ossadas, presumo estarem espalhadas pelas passagens subterrâneas.