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sábado, 24 de maio de 2014

Escrever poemas


Escrever poemas 
enquanto 
morres
é um acto triste 

sobre o que será
a minha vida
escrever poemas 

enquanto 
vives
é um acto de libertinagem 

despedida
enfim
escrever poemas
não tem saída.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Colocar o tempo numa moldura


Deixo passar o tempo e digo-o
Como se tivesse o poder
De o deixar em herança 
De o fazer parar numa moldura
Como foto de dança
De vénus infame
Nos meus desertos 
Em tons de ferrugem 
De vitral de uma ala 
Dos arquivos de uma catedral 
No fundo do mar
Na paz pesada
Que ensurdece
Após S.O.S.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Não há tempo a perder


Nem tudo o que dissemos
Se desvaneceu
Memórias de nós
Que ninguém escreveu
Encantam a noite
Da flor que te ofereço
Quando ainda há tudo
Para dizer
Não há tempo
A perder.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Achar-te bonita


Achar-te bonita é tudo o que importa
Mesmo que ache feio 
Tudo à volta
Mais do que receio
Nada tem de louco
Mas enlouqueço
Por achar tanto
E tudo ser tão pouco
A poesia
A vida 
A pena do que perdi
E este desejo de ti.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Sinto-me feliz


Sinto-me feliz 
Por não encontrar 
Palavras
Desnecessárias
Socorro 

Para as vulgares certezas
Por acreditar 
Que é belo o dia
Que c
omo fruto imperecível
Colho
De tempos que excedem 

Todas as fronteiras
De que há 

Memória
Feliz 

Porque 
Tenho ódios e amores
Abomino 

Piratas
E todos os terroristas


No auge da batalha sinto-me 

Feliz
Mesmo temendo perder 

A vida
Admiro os magnânimos.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Canção do acaso


Depois de partir
Por que é que fiquei
Por acaso não sei (bis)

Depois de falar
Por que é que calei
Por acaso não sei (bis)

Depois de sorrir
Por que é que chorei
Por acaso não sei (bis)

Depois de te amar
Por que é que odiei
Por acaso não sei (bis)

Depois de esquecer
Por que é que lembrei
Por acaso não sei (bis)

Depois de morrer
Por que ressuscitei
Por acaso não sei (bis)

Depois de sonhar
Por que é que acordei
Por acaso não sei (bis)

Depois de vencer
Por que é que falhei
Por acaso não sei (bis)

Depois de estar
Por que me ausentei
Por acaso não sei (bis)

Depois de escrever
Por que é que rasguei
Por acaso não sei (bis)

Depois de me abrir
Por que me fechei
Por acaso não sei (bis)

Depois de receber
Por que é que não dei
Por acaso não sei (bis)

Depois de saber
Por que é que errei
Por acaso não sei (bis)

Depois de lembrar
Por que é que ignorei
Por acaso não sei (bis)

Depois de cantar
Por que desanimei
Por acaso não sei (bis)

Depois de pensar
Por que é que cansei
Por acaso não sei (bis)

Depois de correr
Por que é que parei
Por acaso não sei (bis)

Depois de esperar
Não foi por acaso
Que te encontrei.

domingo, 4 de maio de 2014

O livro de todo o conhecimento I



O dia de hoje foi normal até há pouco, quando decidi sentar-me para escrever sobre o dia de hoje. Ainda sem saber porquê, comecei logo a ter a percepção de que o dia de hoje foi, afinal, um dia extraordinário. Levantei-me de madrugada com a história do livro de todo o conhecimento na cabeça mas só escrevi o título porque as ideias não desenvolviam. Voltei para a cama e não dormi a pensar que tinha de levantar-me antes das oito, para a abertura da bolsa. Às oito já estava em frente do computador, como venho fazendo há anos. Nesta altura, a história do livro de todo o conhecimento parecia-me ainda mais difícil de escrever, como se tivesse sido um sonho. Sabem como é difícil, para não dizer impossível, passar os sonhos para o papel?! Quanto à bolsa, mais um dia à espera da abertura de Wall Street! Adiante. Banho. Aula de Economia sobre sociedade de consumo, laxismo, hedonismo e os males que podem advir para o mundo. “Quando as batalhas terminam aparecem os valentes”…
Apetecia-me tanto comer tripas à moda do Porto regadas com uma garrafa de tinto de 37,5cl…
Mas estava à minha espera o rei, desculpem, não era o rei, era a princesa, bem, vocês não conhecem, linda de entontecer, envergando diáfanos atributos, que me concederia o privilégio de a fazer feliz entre o período do almoço e o do lanche.
Cheguei atrasado. Não previra que uma fila de carros embandeirados retardasse o trânsito com euforias altifalantes porque é tempo de campanha eleitoral e “Viva a República”.
Logo constatei que um indivíduo, vestido de branco, de pé, num estrado colocado na rotunda, de megafone numa mão e uma bandeira branca na outra, tinha feito parar duas caravanas de manifestantes, uma do PS, que seguia em direcção indefinida e, outra do PSD, que andava às voltas. O indivíduo do megafone e da bandeira branca clamava distintamente, ora para a caravana dos do PS ora para a caravana dos do PSD, num tom messiânico:
«Eu não podia sentir-me mais à margem deste espectáculo. Será por isso que o considero triste? Eu não faço parte desta sociedade? Não me identifico com ela? Não me comprometo com ela? Não gosto dela? Se pudesse estava noutro sítio, com outras pessoas? Por favor, responda quem souber. Não pensem que não sou político dos sete costados ou que não tenho partido. O meu partido é não ter nenhum dos partidos existentes. Passividade não é comigo. E, quanto a ir votar, preciso de mais alternativas para me sentir livre. Ouviram? Livre. De Liberdade. O voto em branco é pouco. A abstenção, os mentores do sistema político converteram-na em nada, assim como os votos nulos.
Sou político, tenho política e a minha política é esta: deixem de manipular as pessoas pelos medos, tentem manipulá-las pelas genuínas alegrias e direitos. Não lhes acenem com direitos com o objectivo, dissimulado, de lhes cobrar obrigações e deveres. A democracia só não perdeu completamente o significado de poder exercido pelo povo, não porque os políticos, a classe política, o represente legitimamente, mas porque, apesar desta incongruência grave, o povo vai exercendo o seu poder por outras formas, pagando os custos elevados de todas, porque, na realidade o dito povo paga aos políticos para exercer o poder que não exerce e paga o contra poder para fazer face aos mesmos políticos que contra si o exercem.»
Julgo ter percebido bem estas últimas palavras, mas não garanto, porque as caravanas dos manifestantes faziam cada vez mais barulho, com claxons, apitos e altifalantes, com o objectivo aparente de abafarem o som do megafone. 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Calhamaços da cachaporra

Desceu a rua dos caçadores de mejengras
Virou pela travessa dos lumbricimorfos
Da choldraboldra chegou à trapizonda
Da mixórdia

Viu demónios farmacopoleando
O fogo fátuo
Ventríloquos do trovão

Alquimistas dos espíritos da centopeia
De cobra em campo
De campainha em cabra
De cadela em cão

Seguiu pela avenida dos trambalazanas
Da balbúrdia
Por todo o lado pufismos mirabolantes
Levou com estilhaços da histeria
Foi atacado por fanfarras

Cabotinos em estertores de delírio

Atrelou-se a uma cega que
Indiferente tacteava
Deixou-se guiar por quem
Ele guiava
E quando chegaram ao outro lado
Ele não sabia onde estava

Não trocaram palavra
Ela seguiu pelo beco da atoarda
Ele ficou ali
Numa encruzilhada
Em calhamaços da cachaporra
Triturantes do lírio
A ouvir os guinchos das charruas
Danadas
Esventrando almas penadas

E não podia pousar a cabeça
Em nenhuma almofada
A cambalear peão a fugir
Da girândola trampolineira
Dos masturbadores da exaustão

Quem lhe dera descansar
Alfim acrato no puído chão.


quinta-feira, 1 de maio de 2014

A verdade


A verdade que podemos encontrar numa enciclopédia sobre a Verdade não está na enciclopédia, 
nem nas bibliotecas e 
não é a Verdade. Esta é a verdade. 
É? E depois? 
Continuamos a procurar a verdade, 
mesmo falando verdade 
e não a encontramos? 
E se a verdade for desagradável? Dolorosa? Insuportável? 
Queremos sempre a verdade? 
E se a verdade é contra nós? 
Que verdade, ou verdades, nos interessam?
Detestamos a mentira, mas há as meias verdades 

e a verdade das partes 
e a verdade do todo, 
mas a verdade não está nas partes 
e não está no todo. 
A verdade, em última análise, é absoluta: ou é ou não é; 

se é, é para todos e para todas as inteligências. 
É ou devia ser? 
Devia? 
Porquê?
Um juiz disse-me que só o que está no processo é que está no mundo, 

a verdade dele é aquela.
Um tipo que eu tenho por cientista diz-me que só o que é 

verificável, mensurável, empiricamente, merece crédito. 
Esta é a sua verdade.
Um poeta proclamou que «quanto mais poético mais verdadeiro».
A verdade do filósofo 

com quem falei 
é um veredicto, 
são juízos sobre os próprios juízos, 
sobre a contenda entre falso e verdadeiro 
entre a ideia e a coisa, 
embora saliente que ao filósofo interessa uma interpretação cósmica da sua experiência interior e 
que essa interpretação, qualquer que ela seja, não é a verdade.
O meu pároco diz que Deus é a Verdade, 

que as verdades do cientista e do juiz e do filósofo são juízos sobre coisas, factos, acontecimentos, acções e ideias. 
A verdade não é conhecimento nem doutrinas teóricas que, como tais, se possam comunicar. 
A alma tende para a contemplação da verdade, 
para a pura contemplação, 
sem pensar anotar o que contempla para disso se separar e representar isso sob uma forma «válida em geral» com a qual todos pudessem enriquecer o seu saber. 
Cada pessoa permanece “fora” de interpretações e esquemas analíticos e nunca lhes está submetido; quando quer conhecer-se a si próprio, não é no homem em si, numa teoria da sua vida que se revê e o que lhe vem do íntimo não carece de explicação alguma.