Dir-se-ia que nada está
pré-programado, mas que existem condições para as coisas serem. Não existem
condições para o que não acontece. E o que acontece, ainda que não saibamos as
causas, ou condições, é o que é susceptível de conhecermos, a partir da
memória. São factos. Memória. Passado.
A causalidade terá a ver com a
nossa relação consciente, em diferido, descontínua, irregular, episódica,
variável e nem sempre controlável, com tudo. A nossa consciência permite o
nosso conhecimento, que é sempre “reportagem”, memória, desactualizada, daquilo
que acontece. Digamos que o conhecimento está para a realidade assim como os
factos estão para o devir.
A consciência, ela própria, como
facto, parece não existir. Mais lembra o comboio da realidade, ou fluxo, que
não para em sítio nenhum e que estamos constantemente a perder.
O passado não é senão memória,
não tem lá nada que não seja registo de imagens, sons, etc.. Temos consciência
muito esquiva do presente que logo se faz consciência de memória. Até o futuro,
não existe senão na memória do que futuramos.
Se não tivéssemos memória,
teríamos alguma percepção do tempo? Ou, até, alguma representação da realidade?
A ciência inventou um teatro e
uma linguagem para representar a realidade, num tempo em que não havia
fotografia nem filmes e isso trouxe as vantagens que são conhecidas.
Assim como a literatura e o
teatro e as artes, em geral, fixavam ou congelavam a realidade no presente e a
filosofia procurava dar-se conta das realidades e suas razões, significando-as
e explicando-as, as ciências criaram um método “intemporal” de observação e de
consciência da realidade, enquanto fenómeno temporal.
No que respeita ao cérebro, os
incríveis avanços revelam-nos o que acontece, em termos de física de
partículas, por ex., quando percepcionamos um objecto, movemos os olhos,
voluntaria ou involuntariamente, reconhecemos esse objecto, pensamos sobre ele,
decidimos tocá-lo e fazemos o movimento e registamos a memória disso ou,
simplesmente, ignoramos, etc..
Os neurocientistas e os
cientistas da física de partículas, ou do que quer que constitua a vida, ao
serem capazes de explicar como é que a matéria, ou o “plástico” que existia no
momento do big-bang se foi reorganizando ao ponto de se tornar sensível
(homeostático?) e de ganhar um critério de reorganização que já parece uma
racionalidade diferenciadora entre dois ou mais termos, e como evoluiu, por
selecção natural, para formas de reorganização, nomeadamente nervosa, capazes
de memória e de sentimento e de consciência, etc., acabam por mostrar que a
ideia de programa é ela própria a ideia das condições que existem para as
coisas serem.
E, neste momento, creio estarem
criadas as condições para a filosofia ultrapassar algumas das discussões
clássicas e, partindo de novos pressupostos, se interrogar sobre a realidade
dos problemas e das soluções que eles devem ter.