Gosto de pensar que a liberdade não é
constituída por átomos, que não a encontro em lado nenhum, não posso recolhê-la
como uma lágrima num tubo de ensaio, nem olhá-la de lado nenhum, mas que é de
tal modo uma realidade da experiência, que não se faz a frio, nem ao lume, ou
uma experiência da realidade, que não precisa de demonstração e que não pode
ser refutada por nenhuma experiência.
A felicidade, a ciência, a filosofia, a
verdade, a saudade e a alegria da dança e da música também não são constituídas
por átomos, são da experiência e não carecem de experimentação para serem
provadas. No entanto, e embora tenham no big-bang a sua origem, como os átomos
e as estrelas, e talvez por não as encontrarmos no espaço e no tempo, é mais
difícil defini-las do que falar delas.
Gosto de pensar que a minha natureza é ser
livre, mas como dizer natureza se a liberdade não se encontra no espaço, nem no
tempo?
Ser livre é a minha natureza, o resto são
obstáculos, constrangimentos e limitações. Ser livre coloca-me em guerra com
tudo o que é obstáculo e constrangimento e limitação, exógenos e endógenos.
O controlo, que não é apenas social, porque o
cérebro é uma máquina com um prodigioso sistema de controlo natural, que não
está sob o controlo do seu proprietário, mitiga o que seria uma guerra, em
guerra fria.
Então, ser livre é essa condição subjectiva
de poder aproveitar as condições objectivas para viver, não apenas de acordo
com os instintos, mas de acordo com a vontade.
Claro que a condição subjectiva do meu gato
que entra e sai de casa pela gateira e que trepa à árvore alta a grande
velocidade é bem diferente da minha. Como são bem diferentes das minhas as
condições, subjectivas e objectivas, do candidato a rei de Portugal, ou do Bill
Gates. Para já não falar nos toxicodependentes que travam uma luta interna
muito feroz entre duas forças ou duas vontades em que normalmente vence a que,
paradoxalmente, não é um acto de liberdade.
Por outro lado, que liberdade é a de alguém
poder escrever tudo o que lhe aprouver no seu caderno secreto, mas não o poder
escrever ou dizer publicamente, ainda que o faça em voz alta para as paredes do
seu quarto, desde que ninguém mais ouça?
De resto, é fundamental que a
liberdade do indivíduo seja tutelada pelos meios institucionais de poder, uma
vez que é imperioso, do ponto de vista da razão e da justiça, que ela seja
garantida. Quer como um direito de exercício, quer como um direito de gozo.
Caso contrário, como tem acontecido ao longo da história, em que a liberdade
era poder de facto, mas não reconhecido e tutelado como direito, é grande o
risco de a “guerra fria” se transformar em guerra.