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terça-feira, 10 de outubro de 2023

Os humanos são incorrigíveis?

É com grande amargura e desgosto que penso que as guerras têm de ser encaradas como uma fatalidade, pelo menos, depois de começarem. São como as catástrofes que não somos capazes de evitar. No caso das guerras a catástrofe é o próprio “elemento” humano. Não é uma catástrofe como as naturais, que são desencadeadas por ocorrências físicas meramente mecânico-causais. No caso das guerras, a catástrofe não é apenas uma consequência da acção humana, é um objectivo clara e expressamente assumido.
Os que se preparam para a guerra e a desencadeiam nem sequer o fazem em segredo, porque antes de acontecer ela se anuncia, de variadas formas que os especialistas não podem ignorar. Dir-se-ia que a guerra começa muito antes de acontecer, como todas as catástrofes. Quem desencadeia uma guerra, sobretudo se é uma grande potência no xadrez internacional, sabe o que lhe pode acontecer e sabe o que lhe vai acontecer, porque o que puder acontecer-lhe vai acontecer-lhe e ela sabe. As catástrofes não duram sempre. Uma catástrofe não é um triunfo sobre nada, nem ninguém. No fim da catástrofe, triunfam os que sobrevivem.
Quem desencadeia uma guerra sabe que não sobreviverá a essa catástrofe, que vai ser derrotado e aniquilado pela derrocada dos explosivos que activou. As guerras, ainda antes de começarem verdadeiramente, já o são como ameaças das consequências que virão a ter. O amor, pelo contrário, quando começa não ameaça nada. Sabendo disto, os profissionais da guerra deviam evitar, até por dever profissional, promover condições que se tornarão trágicas para os outros, para aqueles que não gostam, nem precisam de guerras, porque viver e deixar viver é melhor do que impedir de viver.
Para fazer guerra, ou melhor, para desencadear uma guerra, é preciso mais, muito mais do que animalidade, ou instinto de sobrevivência. E é preciso mais, muito mais, do que racionalidade ou sentimentos.
A hostilidade, o ódio, o medo galvanizador, o calculismo e o ressentimento promovido e alimentado por narrativas delirantes, ou pelo delírio narrado, prefiguram de tal modo as ameaças do abismo, que a dinâmica política, militar e social é contaminada e arrastada pelo desespero de causa. A serenidade e a frieza tornam-se impossíveis no momento em que mais vantagem podiam ter e mais falta fazem.
Uma guerra não começa se não houver contendores, partidos, rituais, gregarismo, armas, embriaguez, crença nas representações das hostes, do inimigo e, se não houver um desejo de vitória pela força, há certamente um furor orquestrado para infligir dor e sofrimento.
Depois de começar, uma guerra é um monstro que não precisa de mais nada que o desejo de vingança, e esse vai crescendo sempre, nos beligerantes.
A guerra é humana. Paradoxalmente, é desumana. Por ser tão temível e tão horrível é que os humanos acreditam no poder da guerra.
Os humanos têm-se revelado incorrigíveis, ao longo da história, comportando-se como se estivesse nas suas mãos fazer a guerra, mas não a paz.

Carlos Ricardo Soares