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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Demónios, deuses, humanos e outras formas de vida

Carl Sagan explicou muito bem o problema em que estamos envolvidos: o mundo está infestado de demónios.
Vou “inspirar-me” neste excelente contributo para rir-me dos demónios e dos deuses.
Na situação atual, receio muito que os deuses já tenham perdido a guerra porque, para os deuses vencerem os demónios, é necessário algo mais do que palavras e água benta, num campo de confrontos em que tudo é feito à custa do ambiente. Nada se faz que não seja à custa do ambiente.
As vítimas são a vida, humana e das outras espécies. Os demónios não sabem trabalhar sem acabar com isso tudo. O trabalho deles parece que não é outro. Vivem disso. São como as bactérias e os vírus mas, diferentemente destes, os demónios dominam a tecnologia e usam a ciência para transformar a natureza em poder sobre a natureza, mormente a natureza humana, tão propensa a ouvir os demónios e a ser surda aos deuses, ao ponto de ser tradicional haver necessidade de fazer ouvir os deuses e nunca ter havido sequer a veleidade de querer ouvir os demónios, que esses, de resto, são a outra face da natureza humana, que é preciso abafar e calar.
Os deuses não precisam de tecnologia, nem de ciência, mas os demónios não passam sem elas, aliás, nada seriam sem elas.
Os deuses não poluem, não agridem o ambiente, não constroem, nem desvastam florestas, não queimam combustíveis, nem erguem barragens, não têm fábricas, nem rasgam campos de futebol, não esventram montanhas, nem abrem autoestradas, e não cultivam, nem criam gado. Os deuses não precisam de comer, não respiram e não morrem.
O mundo está mesmo infestado de demónios e estes acabarão por ter aquilo que querem. Pode não ser o que os deuses querem para si, mas será, certamente, o que os deuses querem para os demónios. E, na verdade, os demónios não merecem nada, nem a simpatia dos deuses, nem a sua preocupação. Têm o que merecem. Demónio é demónio. Os deuses passam tão perfeitamente sem eles, como passam sem as espécies vivas da natureza.
Mas é a “espécie” dos demónios que extermina as outras espécies vivas da natureza.
Os demónios não se contentam com o método científico, porque eles pensam que a realidade é o que é, como já era, antes do método científico. O que eles querem, e nisso são imbatíveis, é o poder de transformar as coisas noutras coisas, até onde puderem. Por isso é que são demónios. Quando deixarem de ter esse poder, estarão mortos, deixarão de ser demónios.
Essa “espécie” de feiticeiros sabe que o feitiço tem uma probabilidade enorme de se virar contra o feiticeiro. É como dizer que “a certeza absoluta nos escapará sempre”, ou seja, não sabemos que nos escapará sempre, se não há certeza absoluta.
Ou, ainda, proclamar “Não acredites na palavra”. Se os demónios acreditarem nesta forma de imperativo, não o tomam a sério; se o tomarem a sério, não acreditam nele e isso equivale a que acreditam na palavra. Não necessariamente em todas as palavras, como essas “Não acredites na palavra”, mas provavelmente naquelas que lhes interessam, pelas mais variadas razões.
Se eles não acreditarem nas palavras, inclusive nas do Carl Sagan, vão acreditar em quê? No que veem? E se forem cegos(como parece que são)?
Tudo serve aos demónios para atingir os seus objectivos, para realizar os seus interesses, os quais, normalmente, coincidem com os dos humanos, em geral. As palavras são dos instrumentos mais poderosos, como acabamos de ver. Em ditadura e em democracia, os demónios nem precisam de ser letrados, basta que usem as palavras com o sentido que mais lhes interessa e lhes convém. As palavras são mais submissas do que os cães, mas não tão fiéis, nem aliadas.
Talvez por isso os deuses sempre, e em tudo, se abstiveram de falar, para não serem traídos.
 Carlos Ricardo Soares