domingo, 15 de junho de 2014
Mas o tempo passou
Desta vez lembrei-me do cavalo
De um tempo que não passava
Isso sim era tempo
Eu não temia
Aventurava
E cada noite
E cada dia
Mais gostava
Do meu cavalo
Que pedi aos saltimbancos
E mo deram
Ou sem que eu saiba
Mo compraram
Na feira mais bonita
E mais saudosa
Em que estiveram
As pessoas menos sorumbáticas
Da história
Mas o tempo passou
E o meu cavalo
Não gostou
E morreu.
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Vida
O esquecimento foi-se apoderando
Da vida como um rosto bom
Que a tornava mais leve
E mais tranquila
Como uma água que lava as mãos
Ou uma nuvem que protege do sol
Dia após dia ano após ano
Desligou-me de muitas coisas
Enquanto me ligava a outras
Foi-me tornando diferente
Em parte com o meu consentimento
Foi-me despojando de uma narrativa
Que era uma sucessão de partidas
Com abandonos e despedidas
Algumas por minha vontade
Outras sem nada poder fazer
Sempre preso por algum dever
E muito por necessidade
Andei de terra em terra
A esquecer
E a matar saudades
De outro tanto
Que o esquecimento não varreu
E que o passar dos anos avivou
Dando à minha vida
Algum encanto
Até aos momentos mais caóticos
Algum sentido
Que parecia não ter
Esqueci e fui esquecido
Num percurso em que
Muitas vezes não estive acompanhado
Imaginei o bom que é amar
E ser amado
Desejei imensas coisas
Que não tive
E temi muitas outras
Que não aconteceram
Amei com ímpetos de mar
Rompendo diques
Movendo montanhas
Com fervor
Esqueci os ódios
Mas não esqueci o amor.
domingo, 8 de junho de 2014
Arcaz do adro
Se deparares com o arcaz granítico do adro
Sem decoração nos laterais mas com epígrafe
Numa das quatro águas da tampa lisa hexagonal
E abrires as gavetas pesadas do pensamento
Ao espaço profundamente sombrio
De quinhentos ou mais invernos de vazio
E aí encontrares sentimentais estranhezas
Resguardadas de olhares superficiais
Pedras manuscritas por pedreiros profetas
Com delicadezas de cartas de amor
A tantas Ineses como a do Pedro Justiceiro
Rainhas do amor
Mortas primeiro...
Isso é um sarcófago.
sexta-feira, 6 de junho de 2014
A ampulheta e o burro
Asinino tem coisas mirabolantes
De deixar o diabo sem esperança
De o fazer chegar aonde ele quer
Asinino não se faz desentendido
Ele não entende porque não quer
Mas deixa-se fascinar
Da forma mais imprevisível
E sem perceber
Anula todos os efeitos
Do que observa
Deixando o diabo a pensar
«Que é que o faz então observar?»
O diabo não tira o olho da ampulheta
E espera que a areia acabe numa âmbula
Para a virar ao contrário
E assim continuar a confirmar
A sua crença na medição do tempo
Asinino vê a areia a passar
E não espera nada
Fica a olhar
Quando a areia acaba
É ele que se vira ao contrário
E como a areia continua parada
Pára o calendário.
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Dá-se o caso
Pequeno almoço com janelas
Para um quadro
Com milhares de anos
É assim que pensas
É assim que dizes
O momento
A mulher ao lado
Está doente
E o homem ao fundo
Está a escrever no guardanapo
Para o outro mundo
Já se faz tarde
E temos pela frente
Um dia para visitar museus
Dormimos pouco
Mas estou contente
Tu fazes-me sentir vivo
Num mundo de memórias
De imensas coisas mortas
Fazes-me sonhar
E não devia ficar triste…
Carlos Ricardo Soares
domingo, 1 de junho de 2014
Como é belo o teu dizer
Como é belo saber ver
Do lugar onde cheguei
Do luar que acreditei
Do deitar tudo a perder
Do não sei pra onde vou
Como é belo compreender
Que o tempo nunca parou
Nas rosas que vi nascer
No vaso do nosso amor
Como é belo saber ver
Que a vida lança raízes
No solo estéril da dor
Como é belo ouvir dizer
As palavras que me dizes.
sábado, 24 de maio de 2014
Escrever poemas
Escrever poemas
enquanto
morres
é um acto triste
sobre o que será
a minha vida
escrever poemas
enquanto
vives
é um acto de libertinagem
despedida
enfim
escrever poemas
não tem saída.
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Colocar o tempo numa moldura
Deixo passar o tempo e digo-o
Como se tivesse o poder
De o deixar em herança
De o fazer parar numa moldura
Como foto de dança
De vénus infame
Nos meus desertos
Em tons de ferrugem
De vitral de uma ala
Dos arquivos de uma catedral
No fundo do mar
Na paz pesada
Que ensurdece
Após S.O.S.
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