Blogs Portugal

sábado, 4 de novembro de 2023

A racionalidade, de mecanismo básico de sobrevivência a faculdade de pensamento e inteligência

Darei por muito bem aplicado o meu propósito de contribuir com algumas notas relativas ao que penso sobre os temas da racionalidade e da liberdade, da racionalidade como faculdade humana de sobrevivência, de conhecimento e de inventividade, e da liberdade como exercício de racionalidade.
São temas charneira do meu pensamento sobre o que é “ser humano”. Distinto deste é o problema de saber o que é “o ser humano”.
A minha tese é que a racionalidade é um mecanismo básico de sobrevivência, que os humanos aplicam a uma vastíssima gama de situações, muitas das quais não têm a ver com a sobrevivência, mas resultam de fatores culturais.
Um indivíduo humano que não tenha a faculdade de racionalidade, dificilmente sobreviverá sem a ajuda dos outros. E, se for um indivíduo de outra espécie não conseguirá sobreviver.
A consciência da racionalidade permite aplicá-la a todo o tipo de situações, concretas ou ficcionadas, seja através de imagens, palavras, números, enfim, a racionalidade pode transformar tudo em linguagem e a linguagem, em praticamente tudo.
Pode multiplicar e desmultiplicar mundos e visões.
A racionalidade permite-nos escolher, dentro dos limites das possibilidades e estas variam muito de indivíduo para indivíduo, por fatores individuais endógenos e exógenos.
A liberdade é um exercício de racionalidade. Dizemos que não temos liberdade quando não podemos escolher. Esta falta de liberdade pode ser total, ou absoluta, quando não podemos escolher de todo, ou parcial, quando temos um leque de opções, mais ou menos extenso e variado.
Se os limites nos são impostos naturalmente, isso é um constrangimento natural, se nos forem impostos por outros indivíduos, ou pela sociedade, isso é um constrangimento social, político, cultural, ético, jurídico. Os limites morais são os que o indivíduo estabelece para si mesmo.
A questão dos limites morais coloca-se quando existe possibilidade de não respeitar os limites parciais ou relativos que são impostos pela sociedade, ou por outros indivíduos.
A racionalidade exerce-se, ou opera sobre dados, ou termos discerníveis. Podem ser sons, números, volumes, palavras, sinais, quantidades, qualidades, enfim, tudo o que conhecemos e tudo o que se possa imaginar. Esta liberdade de pensamento é ilimitada, no sentido em que só tem como limite a capacidade de estabelecer relações.
A racionalidade é pensamento e, como o pensamento, também é ilimitada quanto ao campo da sua aplicação, exercício, ou operação.
A liberdade é uma condição biológica, viva, concreta, física, que pode ser ilimitada quanto ao pensamento, mas é limitada por fatores endógenos e exógenos que podem assumir natureza física, mais ou menos inelutável, como já referi.
A faculdade de racionalidade, que permite distinguir e estabelecer relações entre coisas, ideias, enfim, tudo o que seja suscetível de ser percecionado, pensado ou ter significado, nos humanos, pode operar sobre vastíssimos domínios, ou objetos, não apenas da experiência direta dos sentidos periféricos, mas também da experiência indireta das representações mentais, das ideias, dos números, das formas, dos conceitos, das teorias, das crenças, dos interesses, dos valores, dos sentimentos, dos significados e dos sentidos que se dão.
Certamente que essa faculdade não é conhecimento, nem resolução de problemas, mas não há conhecimento, ou seja, ninguém poderá ter a experiência de conhecimento, se não tiver a aptidão, ou estiver impedido, de usar a faculdade de racionalidade.
O uso que se faz dos termos racionalidade e irracionalidade é tão amplo e, por vezes, tão contraditório, que apresenta a racionalidade como boa e a irracionalidade como nefasta, sendo esta, tantas vezes, acusada de todos os males que se poderiam imputar aos humanos.
Encontro uma justificação plausível para este entendimento. Em geral, confunde-se racionalidade com verdade, com o que está certo, com retidão, com direito, com ciência, com aquilo que resolve problemas, que tudo devia, ou deve ser. Irracional é o resto, o que está errado, que é nocivo, que é perigoso, que causa problemas, que é injustificado, independentemente de ser censurável ou não.
Este uso, tão arreigado nos nossos hábitos de comunicação e de linguagem corrente, dificulta, se é que não impede, que vejamos a racionalidade com outros olhos, ou seja, que entendamos a racionalidade como a faculdade humana que está presente em toda a ação dos indivíduos, de tal modo que muito daquilo que designamos como irracional, de facto é tão racional como aquilo que designamos propriamente de racional.
O cerne dos problemas da humanidade, resultantes dos seus comportamentos ou produzidos por estes, não está no serem estes racionais ou não, está no serem problemas.
Carlos Ricardo Soares


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O Direito é o limite

Partilho da tese de que o homem é um estado da natureza em que esta adquire certa consciência e a faculdade de racionalidade e a capacidade de operar na natureza, num âmbito mais sofisticado (sem deixar de ser natural, embora cultural) do que aquele em que operam os elementos físicos que, culturalmente, distinguimos de nós, humanos. 
Diria que o ser humano acrescentou à tabela periódica alguns elementos que agem e reagem com aqueles de uma forma brutal e nunca vista antes. Nada disto é mais do que a natureza a funcionar. Nem acredito que haja nada fora da natureza. 
O que acredito, e parece constatar-se, é que a natureza (o homem) criou a cultura e criou deuses, e criou Deus e criou as bombas e faz as guerras, as leis, a ética, a moral, o direito, a concordância, a ordem e o caos, a vida e a morte. Realmente, podemos acusar a natureza de tudo, mas só estaremos a acusar-nos a nós próprios; como podemos desculpar a natureza de tudo, para nos desculparmos. Qual é a parte da natureza que não é a voz da natureza? Que não é a consciência em que a natureza culminou? Que não tem responsabilidade? A natureza cindiu-se em partes distintas? Deixou de ser uma e passou a ser múltiplas? Quantas natureza existem? E o que têm de comum entre elas? O que é que na natureza, senão o homem, pode colocar estas questões, dar-lhes sentido e tentar responder-lhes?
Se a humanidade se autodestruir e destruir o mundo que criou, podemos dizer que será a natureza a fazê-lo e nem ficará natureza que possa lamentar isso ou acusar alguma natureza disso, admitindo nós que o homem é o tal expoente da natureza capaz de fazer essa avaliação.
O ser humano não tem as faculdades e as liberdades e as capacidades de outros elementos da natureza, mas tem algumas que são únicas e que são incomparáveis, como a consciência, a racionalidade e a liberdade de escolha (dentro das possibilidades). Não temos o poder de um vulcão, ou de um tornado, ou de uma estrela que explode, mas temos a capacidade de usar ou não a bomba atómica. 
O quadro de possibilidades de escolha que fomos capazes de proporcionar-nos ao longo da história, não tem paralelo com o quadro, praticamente fixo, com que se deparam os outros animais.
Se não soubermos reconhecer até que ponto está nas nossas mãos preservar, não a nossa natureza geral que, independentemente da nossa vontade, será sempre transformada numa massa natural, como já agora é quando morremos, mas a nossa natureza particular de seres vivos conscientes, racionais, livres, podemos deitar a perder aquilo que, pela própria natureza das coisas e da racionalidade, teremos o poder, mas não o direito de fazer.
O Direito é a fronteira que o homem não pode ultrapassar, que o separa da sua própria natureza, sob pena de se negar a si mesmo.

Carlos Ricardo Soares

terça-feira, 24 de outubro de 2023

A tirania do mérito e a meritocracia

Não resisto a dizer umas coisas sobre a tirania do mérito e a meritocracia.
É da máxima importância que os poderes políticos, a quem cabe a governação e a implementação de mecanismos de incentivo ao desenvolvimento, porque é incontestável que este pode e deve ser promovido pelo Estado, assumam as questões do mérito num plano em que o mérito é das variáveis em que o poder político terá mais hipóteses de contribuir para a realização dos seus objetivos de boa governação, de promoção da ciência, tecnologia e cultura para o desenvolvimento do país.
O próprio conceito de mérito é rebelde às tentativas de o reduzirmos à ideia de merecimento pelo esforço, pela dedicação, ou pelo trabalho. Nesta perspetiva, o mérito de um perdedor numa competição pode ser maior do que o do vencedor.
Nas sociedades liberais, e nas outras não será muito diferente, o resultado, o produto, a mais-valia, a virtude, e o próprio talento individual, tendem a ser critério de mérito daqueles a quem sejam devidamente imputados. Normalmente é o mercado que trata disso. E como nem todo o resultado, ou produto, ou atividade, têm o mesmo valor, num determinado momento, ter mérito não significa a mesma coisa para duas situações diferentes.
O mérito do marcador do golo não tem o mesmo valor do mérito do colega que lhe passou a bola para ele marcar. No entanto, mesmo nestes casos do desporto, o mérito de quem passou a bola pode ser reconhecido por toda a gente como muito superior ao de quem marcou. Neste exemplo, e noutros, o mercado não reconhece o mérito pelo valor funcional, pessoal, social, estético, ou mesmo ético. O mercado é cego relativamente a isso.
O mercado só tem olhos para o valor de mercado, ou seja, que se exprime em unidades monetárias. E não será porque se apele à boa vontade dos agentes económicos que estes passarão a atribuir mais valor monetário a alguém pelo mérito (não monetário) de algo que faça.
Assim, temos um desencontro, muito inconveniente para a sociedade e para a promoção dos seus pilares de sustentação e de desenvolvimento, entre aquilo que, sendo de reconhecido mérito, humano, social, cultural, científico, estético, ético, o não é efetivamente no plano do reconhecimento económico.
Por outro lado, este desencontro vai-se exacerbando à medida que contribui para reforçar os investimentos e as atenções e as expectativas, não tanto naqueles méritos, que o são reconhecidamente como vitais, mas preferencialmente nos outros.
As implicações negativas, para a economia e para o desenvolvimento social, deste fomento induzido pelo mercado, podem e devem ser contrariadas pela ação e pela intervenção do Estado, nomeadamente, através de políticas de incentivo e apoio, através do reconhecimento pessoal e patrimonial do mérito.
De preferência, passe o sarcasmo, que não se limitasse a atribuir medalhas de mérito, ou de mérito póstumo e que não fossem para quem já teve o seu mérito reconhecido.

Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Aproximações à verdade XXII

Hilário: amar é pelo bem que sabe, pelo gosto que dá

Amiga: e o sabor que tem

Hilário: pela vontade que há, pela ideia que se faz do que é

Amiga: que será

Hilário: pela falta que faz o bem desejado

Amiga: pela dor persistente do amor ausente

Hilário: amar é pelo próprio poder de escolher

Amiga: pela liberdade de fazer

Hilário: pelo prazer de dar prazer

Amiga: ser amado é ser escolhido

Hilário: ninguém pode escolher ser amado

Amiga: quem quer ama

Hilário: não é amado quem quer

Amiga: ninguém tem esse poder

Hilário: ninguém tem o direito de ser amado

Amiga: mas temos o dever de amar

Hilário: e, se não amares, que te pode acontecer?

Amiga: sabes a resposta ou perguntas para saber?

Hilário: sempre amei, não sei o que é não amar

Amiga: o mesmo digo eu, tenho experiência de amar e de odiar, mas não isso de não amar

Hilário: no entanto, há muitas pessoas que não amas nem odeias

Amiga: há, haverá e sempre houve, podemos amar quem não conhecemos?

Hilário: isso do conhecer é muito relativo, até que ponto se pode conhecer alguém?

Amiga: voltando ao dever de amar, em que é que consiste, se é que existe?

Hilário: nem as autoridades, nem a polícia, te perguntam se amas ou deixas de amar e não há sanções para isso

Amiga: não perguntam, nem estão autorizadas a fazê-lo, até o tribunal está inibido de se meter nesses assuntos, porque não há leis sobre o direito e o dever de amar e o tribunal trata de leis

Hilário: nunca ouviste falar na lei do amor?

Amiga: já estava à espera dessa, do dever de amar a Deus sobre todas coisas

Hilário: e ao próximo, como a si mesmo

Amiga: acreditas nessa lei? Que tens esse dever e que, se tens esse dever, então toda a gente tem ou que, se toda a gente tem esse dever, então tu também tens?

  Carlos Ricardo Soares

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Os humanos são incorrigíveis?

É com grande amargura e desgosto que penso que as guerras têm de ser encaradas como uma fatalidade, pelo menos, depois de começarem. São como as catástrofes que não somos capazes de evitar. No caso das guerras a catástrofe é o próprio “elemento” humano. Não é uma catástrofe como as naturais, que são desencadeadas por ocorrências físicas meramente mecânico-causais. No caso das guerras, a catástrofe não é apenas uma consequência da acção humana, é um objectivo clara e expressamente assumido.
Os que se preparam para a guerra e a desencadeiam nem sequer o fazem em segredo, porque antes de acontecer ela se anuncia, de variadas formas que os especialistas não podem ignorar. Dir-se-ia que a guerra começa muito antes de acontecer, como todas as catástrofes. Quem desencadeia uma guerra, sobretudo se é uma grande potência no xadrez internacional, sabe o que lhe pode acontecer e sabe o que lhe vai acontecer, porque o que puder acontecer-lhe vai acontecer-lhe e ela sabe. As catástrofes não duram sempre. Uma catástrofe não é um triunfo sobre nada, nem ninguém. No fim da catástrofe, triunfam os que sobrevivem.
Quem desencadeia uma guerra sabe que não sobreviverá a essa catástrofe, que vai ser derrotado e aniquilado pela derrocada dos explosivos que activou. As guerras, ainda antes de começarem verdadeiramente, já o são como ameaças das consequências que virão a ter. O amor, pelo contrário, quando começa não ameaça nada. Sabendo disto, os profissionais da guerra deviam evitar, até por dever profissional, promover condições que se tornarão trágicas para os outros, para aqueles que não gostam, nem precisam de guerras, porque viver e deixar viver é melhor do que impedir de viver.
Para fazer guerra, ou melhor, para desencadear uma guerra, é preciso mais, muito mais do que animalidade, ou instinto de sobrevivência. E é preciso mais, muito mais, do que racionalidade ou sentimentos.
A hostilidade, o ódio, o medo galvanizador, o calculismo e o ressentimento promovido e alimentado por narrativas delirantes, ou pelo delírio narrado, prefiguram de tal modo as ameaças do abismo, que a dinâmica política, militar e social é contaminada e arrastada pelo desespero de causa. A serenidade e a frieza tornam-se impossíveis no momento em que mais vantagem podiam ter e mais falta fazem.
Uma guerra não começa se não houver contendores, partidos, rituais, gregarismo, armas, embriaguez, crença nas representações das hostes, do inimigo e, se não houver um desejo de vitória pela força, há certamente um furor orquestrado para infligir dor e sofrimento.
Depois de começar, uma guerra é um monstro que não precisa de mais nada que o desejo de vingança, e esse vai crescendo sempre, nos beligerantes.
A guerra é humana. Paradoxalmente, é desumana. Por ser tão temível e tão horrível é que os humanos acreditam no poder da guerra.
Os humanos têm-se revelado incorrigíveis, ao longo da história, comportando-se como se estivesse nas suas mãos fazer a guerra, mas não a paz.

Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Paraíso sem deuses

Olhamos o musgo no rochedo milenar
e precisamos de um silêncio suplementar
de uma imunidade profunda
que nos proteja das contabilidades
para podermos sentir
a sombra envolvente
e os murmúrios das águas resilientes
nessa ilusão de paraíso
sem deuses
a quem seja dado contemplar belezas
tão antigas
que os químicos matarão ao batizar.
Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

A vida o sentido da vida e o sentido das questões

A questão do sentido da vida, do bem e do mal, do universo, das coisas, do sentido (do sentido do sentido) não se coloca a toda a gente, ou, por outras palavras, nem toda a gente a coloca, ou se coloca essa questão.
Como quase todas as questões, não é necessária. E as questões que não são necessárias são vistas como inúteis e ociosas. Só poetas e filósofos tentam por todos os meios fazer com que sejam questões com sentido.
A questão do sentido da vida, os filósofos. A questão da vida, do sentimento da vida, os poetas.
Mas, para que essa questão do sentido da vida seja uma questão com sentido (não uma questão com resposta ou solução), já se ocupam, cada vez mais pensadores, a questionar a vida e a história, o desenvolvimento tecnológico e, sobretudo, a vida que as pessoas fazem, o modelo económico e o estilo de vida herdados da revolução industrial e que sobreviveram às I e II guerras mundiais que, aliás, tiveram efeitos aceleradores e propulsores, com as consequências que estamos a ver. Sobre as possibilidades de sobrevivência num mundo organizado segundo o modelo actual (falacioso e inexequível) de abundância para todos, ou, teoricamente, de riqueza para todos, casa, piscina e carro para todos, nem é uma questão de sentido, mas de contabilidade. Questão de sentido já pode ser: porque é que os responsáveis políticos continuam a apostar nesse modelo e a ganhar eleições defendendo-o, na China, na Índia, no Brasil, nos EUA, na UE, na Rússia, quando todos sabem que estão a vender uma falácia, ou seja, uma verdade que é mentira.
Verdade/mentira: pode-se ser o mais rico, ninguém, teoricamente, está excluído, à partida, do acesso ao topo da pirâmide, nem que seja por génio. /Dois biliões, ou três, ou mais, de seres humanos, porque têm direito, podem esperar e confiar que terão uma casa, alimentação, educação, lazer, uma vida digna, serviços de saúde, direito ao trabalho, à justiça e à paz.
Se um indivíduo nas suas lucubrações conclui que a vida não faz sentido, o universo não faz sentido, as suas palavras não fazem sentido, nada faz sentido, quem se sente no direito de o contrariar? Se um outro indivíduo pensa que a vida faz sentido, que tudo faz sentido, mesmo aquele indivíduo para quem nada faz sentido, quem se sente no dever de o contrariar? Ambos têm um sentido.
Se, porventura, alguma instância judicativa suprema e irrecorrível, ditadora de sentido, o ditasse, nada mudaria quanto à questão do sentido da vida que cada um adopta, ou adoptar.
Na realidade, a questão do sentido da vida é apenas uma questão, como tantas outras, não obstante, a resposta que alguém der a essa questão não deixará de ter repercussões na vida e nas vidas. É como responder a um teste na escola. Embora na escola os testes sejam sobre questões das quais já se presume saber a resposta (o que é extremamente limitativo e empobrecedor), todos os que fomos estudantes sabemos que as respostas que demos tiveram repercussões na nossa vida e na dos outros.
A tónica dominante, passe a redundância, é, continua a ser, o paradigma do puzzle, a realidade recortada de uma certa forma e, para a reconhecer, há que encaixar as peças, tal e qual como fizeram os sábios e os sacerdotes, de antanho, detentores das respostas e dos sentidos.
Num passado mais próximo, com todos os defeitos inerentes às enciclopédias, deu-se um passo em frente e, em vez de termos a resposta num livro sagrado, passamos a tê-la nas enciclopédias. Nada mau.
O que é difícil de aceitar e de vulgarizar é que, qualquer que seja a resposta que encontremos, seja em pedra lapidada, ou escrita na água, ela é uma construção operada por cada um de nós, boa ou má, certa ou errada, e não temos e não há outro remédio. Quem não gostar do termo construção, que parece muito braçal e indiferenciado, pode escolher outro, que pareça mais elegante e ajanotado.
Se um amigo me dissesse que a vida dele tem sentido, embora nem sempre e, passado um tempo, reconhecesse que, afinal, tinha perdido o sentido, eu diria que tudo isso faz sentido. Há imensas coisas falsas que fazem sentido.
Qualquer mentira faz sentido.
A esse amigo, eu era capaz de propor que, se precisava de um sentido, que escolhesse, que criasse o sentido que mais lhe agradasse, como se deve fazer quando se lê poemas. Se não precisasse de um sentido, que não se preocupasse, porque uma necessidade de sentido, em termos existenciais, ou económicos, não pode ser colmatada, ou satisfeita, com qualquer sentido imaginário, hipotético, ou sem sentido, a não ser que isso fosse uma arte ou uma filosofia criativas.
 Carlos Ricardo Soares

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Que seria o mundo sem filosofia?

Não temos forma de saber o que seria o mundo sem a filosofia, mas podemos tentar saber o que é o mundo com a filosofia, qual o seu papel e influência. 
Na minha opinião, tem um papel e uma influência decisivos, em todos os domínios, mas para termos a noção disso, é preciso muita filosofia. 
A filosofia sempre se assumiu e continua a assumir-se como fonte de conhecimento e critério de conhecimento, ou, mais em geral, fonte de sabedoria e critério de sabedoria. 
Nada lhe escapa, nada lhe é estranho, de nada é excluída. 
Não há matéria ou assunto que lhe sejam vedados. 
O único limite está na capacidade e na competência do filósofo.
                                                 Carlos Ricardo Soares