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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

A neutralidade da ciência

A neutralidade da ciência não é um ponto fraco nem um defeito ou uma insuficiência da ciência, bem pelo contrário, é uma condição sem a qual o conhecimento ficaria comprometido, quanto à credibilidade e objectividade. Aliás, quando se trata de ciência física dos objectos materiais, a neutralidade não será um problema de maior, porque a determinação e estabelecimento dos factos não dependem muito da neutralidade dos juízos. 

O problema coloca-se principalmente nas ciências humanas, sociais e económicas, na medida em que aí os factos são actos humanos ou uma sucessão desses actos. Aqui, a neutralidade da ciência pode ser mais difícil de conseguir e o próprio estabelecimento dos factos pode não ser possível. E, sem factos apurados, provados, incontroversos e incontrovertíveis, não pode haver juízo de valor, seja ético, jurídico, moral, estético, económico, que mereça concordância e aceitação.

A maior parte da história assentou, e ainda assenta, num conjunto de ficções religiosas, crenças, idolatrias, mentiras reiteradas pelos poderes e pelas ideologias de domínio social que, à míngua de investigação e de conhecimento científico, eram impostas por autoridade como factuais e assim cultivadas e admitidas, sob advertência severa de que não poderiam ser postas em causa.

Assim se prova que se pode viver e construir impérios com base em ficções e mentiras.

Mas eu acredito que é preferível viver com base na verdade e, melhor até, sem construir impérios sobre cadáveres de escravos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O ensino ao ritmo humano

Ao ensino importa adoptar as melhores estratégias e instrumentos possíveis, para ser eficaz, na perspectiva dos objectivos e finalidades pretendidas. Isto envolve a necessidade de conhecer quando, como, para quê e quem aprende o quê.
Não me parece que o sucesso/eficácia do ensino seja uma variável independente do quando, como, para quê, quem aprende o quê. E vice-versa.
Não obstante, no binómio ensino aprendizagem, se é relativamente controlável, por parte dos professores, o elemento ensino, já a aprendizagem é muito difícil e, em certos casos, praticamente impossível de controlar. E, sendo tarefa e função do aluno, ela varia imenso de aluno para aluno.
O ensino tem que se preocupar se os alunos aprendem depressa ou devagar na medida em que deve permitir que cada um possa aprender do modo que lhe der mais jeito.
Quanto à avaliação das aprendizagens, o problema está em reconhecer e classificar o trabalho desenvolvido e realizado, num determinado período de tempo.
É na avaliação e nos seus efeitos práticos que a escola não tem grande forma de evitar discriminações.
É sabido que, até nos casos em que dois alunos obtêm, ou lhes é atribuída igual classificação, isso pode estar muito longe de significar que ambos aprenderam ou sabem o mesmo. E não há uma relação muito directa entre o que é ensinado e o que é aprendido. Diria que esta relação é muito complexa e também fica largamente fora de controlo.
É preciso deixar que aprenda depressa quem quer e pode aprender depressa, não se deve impedir isso.
Quanto às questões da profundidade das aprendizagens e do pensamento, sem dúvida que elas requerem tempo de maturação, reflexão, experiência, prova, crítica, treino, domínio. Haverá quem se ocupe disso, uns mais outros menos. Aliás, também aqui, cada pessoa é um caso, cada curso é um caso e cada profissão... A maior parte do ensino, se não está pensada para uma aprendizagem "na óptica do utilizador", está estruturada e funciona assim.
A própria divisão por disciplinas e por especialidades também.
As pessoas, desde cedo, vão sendo induzidas a "habitar casulos de significado e de sentido" e constroem a sua racionalidade com os materiais disponíveis e segundo soluções disponíveis.
É-lhes fornecida uma proposta de aprendizagem que envolve algum tipo de problema, prático ou teórico, para resolver e que, muitas vezes, é um problema de linguagem, dá-se-lhes a resolução do problema, para aprenderem ou conferirem a resposta que encontraram e o resto fica ao sabor da criatividade, imaginação, solicitações, desafios, curiosidade, interesse, gosto, circunstâncias, de cada um.
De resto, para conduzir um veículo, usar um televisor, tomar um medicamento, aplicar uma lei, obter o perdão dos pecados, o utilizador só precisa de saber um restrito conjunto de coisas.
A esmagadora maioria da população não aspira a mais, nem sente necessidade de mais. E não seria viável, nem faria muito sentido, pretender fazer de cada indivíduo um engenheiro de automóveis, ou de electrónica, etc. e, menos ainda, porque seria absurdo, pretender que todo o indivíduo fosse competente em todas as áreas teóricas e práticas do conhecimento.
Os problemas são tantos e o trabalho a fazer é tanto, para uma vida tão curta e tão chata que, se cada um for fazendo aquela parte que lhe agrada mais ou lhe desagrada menos, em função dos incentivos e gratificações disponíveis, já é animador.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

António Barreto diz que ainda não vimos nada

António Barreto diz que ainda não vimos nada. 
E faz profecias, num texto publicado no jornal "O Público".
Para quem era comunista em Portugal, antes de 1974, o António Barreto parece ter-se dado tão bem com a política demolidora/construtora, que se transformou, pelo favor das circunstâncias, de tempo, lugar e modo, numa espécie de abstracto patriarca, cuja lâmpada do passado se reacende em diletantismo sacerdotal, como se aquilo que escolhe lembrar, e não o acontecido, fosse a necessária unção profética.
Todos os que pensam a história, pelo simples facto de a escreverem, reescrevem-na. E, se não a escreverem, repensam-na. Não há como evitar isto. A história nem é boa nem má, nem é bonita, nem feia, como a aldeia de uma velha cega, é o que é, o que se vê.
O António Barreto nunca esteve na perspectiva do observador isento, imparcial, objectivo, científico, e adoptou à partida a perspectiva transformadora, censória, rectificadora, correctora, interessada, militante, que lhe granjeou vantagens consideráveis, ou seja, de que foi bem compensado, para conforto da sua luta bem sucedida.
Embora comece por dizer "É triste confessar", e ninguém se confessa de actos, pensamentos ou omissões que lhe sejam favoráveis, ou abonatórios, porque isso não é confissão, refere-se, logo de seguida, aos revisores da história, como se estes não fizessem parte da história ou fossem mais fortes do que a história que ele parece preferir.
Um revisor da história, como o António Barreto, está na pior posição para criticar os outros revisores da história, se se limitar a censurar-lhes o intuito, ou os objectivos, ou a veleidade. E está na melhor posição para compreender que a história não é de quem a escreve ou reescreve, mas de quem a faz.
Por isso é que a história é como as obras de arte, é o que é (mas este “ser o que é” tem tanto, mais, ou menos, do que devia ser, do que podia ser e do que tinha de ser, como do que foi).
A interpretação que alguém se propuser desta trama descomunal, nada delicada e nada encadeada, cuja (ir)racionalidade desafia a inteligência dos deuses passados, presentes e futuros, qualquer que seja o ponto de vista, não permite profetizar, apesar de os comunistas serem demasiado proféticos, porque, a partir de um suposto passado, tudo, menos a história e o futuro, é suposto.

sábado, 19 de setembro de 2020

O amor da sabedoria e a medicina

O amor da sabedoria foi e é um grande amor. 
Esta paixão revelou-se, para mim, o melhor antídoto contra outras paixões. 
Fosse por questõ
es de senso, de nexo, de coerência, de sentido, de valor, de entendimento e de harmonia com quem me rodeava, a forma de haver entendimento e harmonia com a catequista, o padre, as beatas e as professoras, era reproduzir de cor e salteado o que eles mandavam. 
Havia outras pessoas, analfabetas (de escrever, ler e contar), que me transmitiam a noção empírica de que todo aquele teatro, à volta de uma escola e de uma igreja e, lá mais em cima, na sede do concelho, o tribunal, o quartel e a esquadra da GNR, era de tal modo simbólico e cifrado, para não dizer enigmático, que tinha mais pena deles, com as suas plumas e vestes ritualizadas, quando não cheios de jactância na hierarquia das procissões coroadas de interminável e poderoso foguetório, do que dos pedreiros cobertos de pó, a tossicar na taberna, vítimas da silicose e do cancro do pulmão pela sílica, enquanto os filhos deles, que eram meus colegas de catequese e de escola, passavam fome e aprendiam a agradecer a Deus a sorte que tinham. 
As minhas dores e as minhas raivas e as minhas frustrações, por mim e pelos outros (familiares, amigos…) encontravam eco no conforto religioso das pessoas ignorantes que me rodeavam, em casa, na aldeia, na catequese diária, fosse da escola fosse da catequista, ou no castigo de algumas dessas pessoas que exerciam a autoridade, com violência, sem necessidade de a justificarem, fazendo recair sobre mim, criança, jovem, adulto, o ónus de justificar a minha conduta.
Quando entrei na fase de saber que o mundo não tinha começado quando nasci e que não era apenas o meu quintal, a minha aldeia, paróquia, professora, e que havia uma cidade, e médicos e farmácias e hospitais e depois, outra e outra e oceanos e filmes, tudo era mais difícil de conciliar, mas o amor da sabedoria, impaciente, tantas vezes cruel e ingrato, foi-se mostrando vantajoso como uma arma de defesa pessoal, ou de defesa geral, numa guerra. 
A todas as tentativas, mais ou menos reais, mais ou menos disfarçadas de ordem, ou simplesmente perpetradas, de me conduzirem, ou subjugarem, ou ignorarem, ou desprezarem, eu aprendi a perceber que a razão é a arma dos fracos e que a sabedoria é como um grande exército de razões. 
Esta consciência, resultante de muito pensamento construído sobre o pensamento e as ideias de tantos filósofos e pensadores e escritores, permitia-me colocar um médico, ou um juiz, ou um engenheiro, no seu lugar profissional, do mesmo modo que a mineralogia, a zoologia, a botânica, a química, estavam nos compêndios respectivos. 
A minha passagem pelas ciências, numa altura em que o país fervilhava por todo o lado e todo o tempo era pouco para nós, jovens à procura de saber quem tem razão, mostrou-me que a vida, a acção, a dinâmica, os desafios, os combates, a adrenalina, não estavam numa bancada de minerais, ou num laboratório de química, ou na exploração e conhecimento da flora. 
O carácter de urgência de certas situações, altera as prioridades.
Havendo prioridades a considerar na construção de um currículo académico, ou de um plano de formação profissional, estas têm mais a ver com questões de ordem técnica e prática, funcional, do que com razões de ordem teórica ou filosófica. 
Está fora de questão que um estudante, qualquer que seja a função ou a profissão que venha a desempenhar, só por ser estudante deva estudar tudo o que há para saber sobre todos os domínios.

Outra questão será: estará em melhores condições para abordar clinicamente um humano, do ponto de vista das medicinas, um médico robot, que só sabe de medicina (isto é possível?-esta era a provocação de Abel Salazar), ou um médico humano?
Para não me alongar, e deixando implícito muito do que poderia explicitar, não acredito que um robot possa filosofar. Que, tomando a realidade (que equivale ao que conhece) possa definir o ser tendo em consideração: o ser como um poder ser que foi /um dever ser (pelo menos quando falamos de ética) que é, e como ele, robot, quer ou deseja que seja…
Mas o médico, enquanto homem, é um filósofo que vive integrado num sistema de acção e de pensamento e de valores que, em grande parte, já assimilou o que os sistemas de cultura assimilaram ao longo da história. Este sistema de pensamento e de acção é um sistema de linguagens e de lógicas, nomeadamente matemática, cujo domínio varia muito de pessoa para pessoa e de robot para robot.

Não acredito que os robots decidam com base em valorações próprias, que não sejam programadas por humanos, mas os médicos fazem-no.
Neste capítulo, por ex., se é indiferente para o mundo que uma pessoa viva ou morra, já quanto à vantagem política e económica na sua sobrevivência, ainda que enfermo, ou na sua morte, os médicos e a indústria farmacológica e as tecnologias da saúde e todas as profissões que dependem do tratamento das pessoas, tanto ou mais do que os direitos fundamentais do homem e do cidadão, são um baluarte e uma fortaleza, cujos interesses, quando mais não sejam, de facto, garantem o respeito pela saúde e pelas vidas, por mais inúteis ou absurdas que sejam do ponto de vista de qualquer filosofia, religião, ideologia ou sistema de valores.

Carlos Ricardo Soares


sábado, 12 de setembro de 2020

A realidade e a razão

A realidade é expansiva, mágica, embrionária...abrange tudo o que existe (a realidade do que morre e do que não morre), razão, inteligência, conhecimento (aqui poderemos dizer que o que existiu e deixou de existir, conquanto seja conhecido, faz parte da realidade do conhecimento), linguagem, valores, comportamentos (a realidade dos comportamentos, que é imensa, é efémera, porque tem uma existência, a maior parte das vezes, instantânea, ficando dela, quando muito, a memória ou o registo fotográfico ou de vídeo, ou de relato...) o que se teve e já não se tem, ou se perdeu e o que se busca, caso exista ou venha a existir...enfim, a realidade do 1º segundo de tempo a seguir ao "big bang" não era nada daquilo que foi no tempo dos dinossauros, nem daquilo que foi no século XX, ou que é hoje.

Com este apontamento estou a ter um comportamento, a usar a razão e a linguagem e o conhecimento e estou a ampliar, a criar realidade.

Se, eventualmente, eu não tiver razão no que digo, nem por isso deixo de estar a criar realidade.

A realidade do conhecimento, baseada no uso da razão, está de tal modo ligada e intrincada com a realidade material e os comportamentos que, ao falarmos de sujeito de conhecimento e objecto de conhecimento, muitas vezes, estamos a falar da precedência da acção relativamente ao pensamento ou deste relativamente àquela.

A razão está para a experiência assim como esta está para aquela? Ter razão é o quê? E não ter razão? Quem tem razão?

Conheci um indivíduo que tinha razão, mas não tinha mais nada. E era acusado disso, de só ter razão...e fome. Conheci outros que tinham tudo, o que existia e o que viria a existir, mas não tinham razão. E também eram acusados disso.

A religião, muitas vezes, promoveu a razão da justiça e da solidariedade e do amor...Mas as suas premissas eram falsas.

A ciência da natureza descreve-a, verifica as causas e efeitos, quantifica-os, explica-os até ao ponto de dizer "isto é assim, porque acontece" ou, na geometria, "porque matematicamente é assim", pensemos no teorema de Pitágoras, mas não está a fazer mais do que constatar um facto.

Mas também podemos ter razão porque constatamos factos que são comportamentos, condutas, de pessoas que têm ou não têm razão.

E podemos ter razão, porque constatamos factos que são comportamentos, condutas, de pessoas, os quais não dependem de ter ou não ter razão.

Ter razão não é tudo e pode ser muito pouco, ou nada.

Nem tudo depende da razão. E nem todas as razões são boas.

Ser rico, saudável e feliz pode ser uma razão melhor para viver do que ser pobre, doente e infeliz.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Equacionar a realidade

As palavras impõem-nos respeito e, se já sentiste isso, não estranhas que te diga que esse poder das palavras é um poder à tua disposição, um grande poder, cujos limites nunca saberemos, porque as palavras mudam de cada vez que tentamos usá-las e não se deixam domar, nem manipular completamente, por mais que tentemos usá-las e, até, fazer delas nossas aliadas. 
Mas não devemos intimidar-nos perante elas. 
Quanto mais as respeitarmos, mais improvável será que elas nos traiam. Nada disto, porém, pode ser garantido por ti ou pelas palavras. 
Temos de admitir que não controlamos tudo, aliás, é mais fácil controlar um automóvel do que conduzir um pensamento ou meras palavras . 
Mas não te assustes com o poder das palavras. 
Quanto mais as enfrentares, mais realidade descobrirás/construirás, porque elas são portas e janelas e cortinas e mapas dinâmicos que poderás abrir para ver onde tu também te vês a construir, a destruir ou a fazer nada. 
 Vou falar-te de equacionar. 
Quando falamos ou escrevemos, se o fizermos voluntariamente, estaremos a equacionar ou a equalizar. 
Equacionar é uma forma de pensar que não se satisfaz com a analogia. 
Já pensaste como é raro encontrar duas coisas parecidas? E duas coisas iguais? Até poderíamos afirmar que não há duas coisas iguais, embora tenham as mesmas propriedades. 
Equacionar obriga a distinguir o que for distinto, ou, pelo menos, a reconhecer o indistinto como uno. 
 Então, se tu disseres que A=B, estarás a falar de uma mesma realidade, A ou B, mas não de duas. 
 Equacionar levanta problemas que não existiam antes de equacionarmos e são problemas, não são fantasias. 
Fantasia seria, por exemplo, dizeres que A=B, porque A está diante de um espelho e B é o seu reflexo. 
Uma criança ingénua poderia dizer-te que A, diante de um espelho, continuaria a ser um A.

sábado, 22 de agosto de 2020

A filosofia tem sido muito maltratada (e ninguém merece). Um tempo sem paralelo

A filosofia não está à mercê do opinativo.
O opinativo tem feito um percurso de sucesso, por alguma razão, talvez boa.
As considerações críticas dos autores, não raro, assentam que nem uma luva neles próprios. Expostos a elas, não resistem minimamente.
Vivemos um tempo que não tem paralelo.
Debalde se invocam classicismos e cânones e profundezas e profundidades e retóricas de antanho…
Há mil anos quem tinha um olho era rei.
Hoje, quem tem dois olhos nem sabe o que é um rei e um rei não sabe o que é um olho, embora tenha dois.
Conhecemos facilmente o mundo de há mil anos.
E não faltam eruditos sobre o passado remoto, de há milhões de anos, incluindo o dos dinossáurios.
Mas não se encontram eruditos sobre os séculos XVII, XVIII, XIX, XX.
Embora de filósofo (médico, etc.) e louco todos tenhamos um pouco, a filosofia não está para o opinativo (bombástico) como o opinativo (bombástico) está para a filosofia.
A filosofia tem sido muito maltratada (e ninguém merece).
É da máxima importância, irmã mais velha (verdadeira sobrevivente ainda longe da maturidade) da ciência.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Ela, sem cabeça, ele, sem coração

Há quem não tenha um membro, um dente, um olho…

Há quem não tenha estômago para certas coisas, quem não tenha ouvido, quem não tenha cabeça, porque a perderam, ou porque nunca a tiveram…

Há quem não tenha dois dedos de testa, unhas para tocar guitarra, canetas para a corrida, fibra, garra, talento, paixão, coragem, fé, inteligência, juízo, cérebro, governo, dinheiro, visão…

Mas o pior de tudo é não ter coração.

Por isso, devemos ir ao médico, de vez em quando, para ele verificar.

A cabeça até pode estar noutro lugar, que não em cima dos ombros. Quem não ouviu ainda: "onde é que tens a cabeça?". E o coração pode estar longe, preso a algum tesouro "o teu coração estará onde estiver o teu tesouro", possivelmente inacessível dentro de algum cofre forte. 

Neste caso, o médico pode receitar umas drogas para esquecer o tesouro. Aos poucos o coração recomeçará os batimentos no lado certo. 

Assim sendo não é bom ter um tesouro. 

Pelo menos, não é bom que esteja longe e, se já tiver passado a fronteira para o outro mundo, o pior que pode acontecer é rogar a deus que "tão cedo de cá me leve a ver-te, quão cedo de meus olhos te levou". 

E não estou a brincar. Camões não era para brincadeiras, sabia o que escrevia.