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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

António Barreto diz que ainda não vimos nada

António Barreto diz que ainda não vimos nada. 
E faz profecias, num texto publicado no jornal "O Público".
Para quem era comunista em Portugal, antes de 1974, o António Barreto parece ter-se dado tão bem com a política demolidora/construtora, que se transformou, pelo favor das circunstâncias, de tempo, lugar e modo, numa espécie de abstracto patriarca, cuja lâmpada do passado se reacende em diletantismo sacerdotal, como se aquilo que escolhe lembrar, e não o acontecido, fosse a necessária unção profética.
Todos os que pensam a história, pelo simples facto de a escreverem, reescrevem-na. E, se não a escreverem, repensam-na. Não há como evitar isto. A história nem é boa nem má, nem é bonita, nem feia, como a aldeia de uma velha cega, é o que é, o que se vê.
O António Barreto nunca esteve na perspectiva do observador isento, imparcial, objectivo, científico, e adoptou à partida a perspectiva transformadora, censória, rectificadora, correctora, interessada, militante, que lhe granjeou vantagens consideráveis, ou seja, de que foi bem compensado, para conforto da sua luta bem sucedida.
Embora comece por dizer "É triste confessar", e ninguém se confessa de actos, pensamentos ou omissões que lhe sejam favoráveis, ou abonatórios, porque isso não é confissão, refere-se, logo de seguida, aos revisores da história, como se estes não fizessem parte da história ou fossem mais fortes do que a história que ele parece preferir.
Um revisor da história, como o António Barreto, está na pior posição para criticar os outros revisores da história, se se limitar a censurar-lhes o intuito, ou os objectivos, ou a veleidade. E está na melhor posição para compreender que a história não é de quem a escreve ou reescreve, mas de quem a faz.
Por isso é que a história é como as obras de arte, é o que é (mas este “ser o que é” tem tanto, mais, ou menos, do que devia ser, do que podia ser e do que tinha de ser, como do que foi).
A interpretação que alguém se propuser desta trama descomunal, nada delicada e nada encadeada, cuja (ir)racionalidade desafia a inteligência dos deuses passados, presentes e futuros, qualquer que seja o ponto de vista, não permite profetizar, apesar de os comunistas serem demasiado proféticos, porque, a partir de um suposto passado, tudo, menos a história e o futuro, é suposto.

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