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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Óbvio, "uma ova"!

Algumas reflexões acerca do óbvio e de haver pessoas informadas que não veem o que é óbvio.
Sendo o óbvio o que salta à vista, que não suscita dúvidas, e sabendo nós que, em inumeráveis situações, pessoas informadas não veem o óbvio, a pergunta que fica no ar, “como é possível?”, é da maior pertinência e merece toda a atenção de quem, como é o caso dos professores, trabalha profissionalmente em fazer com que as coisas e a verdade acerca delas, o interesse e o valor que elas podem ter, se tornem óbvias.

Sabemos, até por experiência de vida elementar direta, que existe um hiato, ou distância intransponível, entre a representação mental que fazemos das coisas e as próprias coisas (admitindo que representação mental e as coisas representadas são realidades e realidades distintas, uma vez que, ao dizermos isto, continuamos a fazer representações mentais de coisas que são representações mentais).
Aliás, os ilusionistas profissionais fazem mesmo questão de começar por alertar o público, avisando que “quanto mais se olha menos se vê”, ou “quanto mais olharem, menos veem” e as pessoas parecem confirmar. Como é possível? E estamos a falar de situações de mera observação directa, sem intermediação de linguagens.
Quando passamos para situações em que a representação que nós fazemos é feita a partir da observação, percepção, descodificação, de uma linguagem, tudo se pode complicar indefinidamente e um exemplo disso são os discursos filosóficos.
No entanto, na matemática e na geometria podemos encontrar talvez os exemplos mais claros de que o óbvio, mais ou menos óbvio, é mesmo um problema de linguagem. Por exemplo, 2+2=4 é mais óbvio do que 2%+2, ou que uma unidade dividida por 2 dá 2 unidades, que a unidade é a grandeza mais simples; ver que o triângulo e o quadrado são polígonos é mais óbvio do que ver que cada lado é um segmento de recta e menos óbvio será ver que um polígono tem pelo menos três lados e, ainda menos óbvio, que o triângulo é, nesse aspecto, o polígono mais simples.
Na realidade, ainda a propósito do óbvio, pode-se viver cem anos a estudar matemática e nunca ter pensado em coisas tão óbvias (admitindo que é óbvio o que acabo de escrever e aqueles exemplos). 

           Carlos Ricardo Soares


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Aproximações à verdade XXXV

Amiga: estavas a dizer que o sonho comanda a vida?

Hilário: conheces a Pedra filosofal?

Amiga: sim, do António Gedeão, eles não sabem que o sonho…

Hilário: esse poema tornou-se famoso pela música e voz de Manuel Freire

Amiga: mas olha que não é apenas o sonho que comanda a vida

Hilário: pois não, até há muitas vidas que não são comandadas pelo sonho

Amiga: mesmo aquelas que o foram alguma vez e deixaram de o ser

Hilário: deixamo-nos embalar por uma canção e…adormecemos

Amiga: sonhamos

Hilário: ou temos pesadelos

Amiga: mas não são os pesadelos que comandam a vida

Hilário: não diria isso com tanta convicção

Amiga: ninguém se deixa guiar por um pesadelo

Hilário: mas há quem diga que somos guiados pelo erro e pela estupidez

Amiga: isso só acontece enquanto não percebemos que estamos errados

Hilário: e o que acontece quando a estupidez não deixa reconhecer os erros?

Amiga: não me agrada essa ideia de a estupidez comandar a vida

Hilário: há muitas outras coisas que não nos agradam

              Carlos Ricardo Soares

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Encruzilhada e transições


Quando estar na encruzilhada, ou na transição (digital, climática, energética, demográfica, social, política…) é estar consciente dos processos de mudança em curso que dificultam e complicam a necessidade de manter e de reproduzir uma ordem social, económica, política, jurídica, nacional e internacional, pelo menos ajuda a compreender porque é que as instituições deixam de ter a capacidade e a agilidade necessárias para amortecerem e se adaptarem aos choques em cadeia dessas transições, por mais expectáveis e previsíveis que sejam.

De qualquer modo, será através das instituições, atualizadas, renovadas, reapetrechadas, que as transições ocorrerão, num processo dinâmico e dialético de várias vertentes, sendo uma delas por inerência das instituições, porque, pela própria razão de ser, devem assegurar e reproduzir as condições para a realização de objetivos programados, e outra por iniciativa própria, antecipando e promovendo processos de mudança.

O tema abre perspetivas de análise e de compreensão dos fenómenos sócio-culturais, mormente políticos, carregados de interesse.

Os Estados, através das suas instituições, mais nos últimos séculos, têm vindo a assumir um protagonismo e uma iniciativa crescentes nos processos de mudança, todavia fazem-no, não apenas pelas vantagens que essa mudança pode trazer por si mesma, mas também e sobretudo porque os processos de mudanças se representam como necessários, ou como a melhor forma de manter e reproduzir uma certa ordem das coisas.

Isto parece paradoxal, mas está na linha daquele pensamento anedótico segundo o qual é preciso trabalhar muito para que tudo continue na mesma e não se consegue.

Ainda nesta ordem de ideias, e para abreviar, se quisermos pensar, por exemplo, no modelo do Estado liberal, veremos que este, para o ser, mesmo que se limitasse a manter e a reproduzir o modelo, só para conseguir isso já teria de fazer muito mais do que isso, tomando e assumindo prerrogativas e iniciativas de toda a ordem que, em última análise, não são próprias de um Estado liberal.

Carlos Ricardo Soares 


domingo, 1 de dezembro de 2024

Aproximações à verdade XXXIV - Luís Vaz de Camões


Hilário: já acabaste de ler a biografia de Camões?

Amiga: esta sim, mas ainda não li a que ainda não acabei de escrever

Hilário: também estás a escrever uma biografia de Camões?

Amiga: não é bem escrever, é mais imaginar do que construir, construir dá ideia de um puzzle, de andar a juntar peças

Hilário: sou leitor entusiasta de biografias, mas quando tento falar delas sinto que há uma distância intransponível entre a minha imaginação e aquilo que é comunicável

Amiga: Camões é um dos Lusíadas mais notáveis e fascinantes, mas não consigo dizer o que sinto e o que penso que me leva a afirmá-lo

Hilário: não se fala de Camões e, sobretudo, não se pensa em Camões como num indivíduo, acerca do qual pouco se sabe, apenas que escreveu poemas e um livro

Amiga: não se fala em Camões como se fala em Camilo Pessanha, ou em Fernão Mendes Pinto, por exemplo

Hilário: quanto mais tentamos imaginar e colocarmo-nos na pele da sua humanidade, da sua humana experiência, vida, conhecimento, arte e obra, mais nos deparamos com um protagonista que, surpreendentemente e por razões de sobejo, podia ser a principal figura dos Lusíadas

Amiga: se estás a pensar o mesmo que eu, paradoxalmente, Camões não teve quem o escrevesse, quem o inscrevesse nos Lusíadas, como ele inscreveu Vasco da Gama e tantos outros

Hilário: mas a voz dele está lá, e o nome, e muitas ressonâncias que nos fazem desejar entender o verdadeiro significado das palavras e dos simbolismos que seduzem e ocupam tantos de nós

Amiga: Camões é um personagem que cada leitor tem de criar nos termos do próprio Camões, da sua experiência, da sua arte e elevação discursiva, segundo as condições e acontecimentos do seu tempo

Hilário: poeta que escreve para o mundo do seu tempo, que o hostilizou e ele conheceu com uma acuidade e envolvência singulares, numa ambivalência de amor e ódio, donde partiu amargurado e ao qual voltou, não menos dificilmente do que tinha partido dezassete anos antes, ainda para realizar os seus objetivos, que estavam por realizar, que a vida dá muitas voltas, que eram fazer-nos ouvir a sua voz, uma voz de outros mundos

Amiga: para mim, que sou uma estudiosa de Camões e do seu tempo, há um Portugal antes de Camões e um Portugal após Camões e ele tinha a percepção dessa realidade

Hilário: achas que ele sentiu um choque quando comparou os Lusíadas do poema com os lusíadas com quem passou os últimos dez anos de vida?

Amiga: acho que ele sentiu a confirmação da grandeza do seu poema épico

Hilário: mas Portugal estava numa rota de crescentes dificuldades e decadência

Amiga: a grandeza de Portugal sempre se manifestou nas dificuldades e na decadência, assim como a grandeza de Camões se manifestou na forma como viveu, sublimando os obstáculos e os desaires em etapas de um percurso e obra cujo significado não se obtém senão pela perspetiva histórica

Hilário: Camões e os navegadores portugueses dessa época comungavam de um sentido de abnegação muito grande como se tivessem a noção de que eram personagens de uma narrativa maior que eles, pela qual estavam dispostos a sacrificar tudo

Amiga: eles tinham a noção de que estavam a fazer grandes descobrimentos e grandes obras originais, em que se tornariam, indissociavelmente, as suas vidas.

                      Carlos Ricardo Soares

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Lei das escolhas


Deixo aqui a reprodução das minhas considerações acerca dos pontos que estruturam a minha teoria segundo a qual a cultura, sob qualquer das suas formas, é um resultado, efeito, consequência, produto, enfim, escolha de indivíduos conscientes, racionais. Neste aspeto é um facto, mas todo o processo ou génese é acto, individual, consciente, racional. Os artefactos, resultados, etc, podem ser todos diferentes, no tempo, no espaço e na autoria, ou agente.

As ideias de um indivíduo sobre a filosofia e a ciência e a ética podem ser e são diferentes das outras, se não em todos, em alguns aspetos. Mas são produtos, na acepção referida. O acto, ou actos, que se concretiza, ou manifesta, ou objetiva, ou objetifica em facto cultural é um processo mental, individual, mais ou menos complexo, de escolhas, ainda que apenas pensadas antes de serem manifestadas ou objetivadas. E, em meu entender, a cultura, em qualquer das suas formas, corporiza esta realidade de ser produzida por indivíduos com uma estrutura mental e neurológica que é a forma de que dispõem para isso.

As diferentes ideias, as diferentes culturas, enfim, as tuas, as minhas, as dos antigos, as dos cientistas, dos religiosos, dos crentes, dos ateus, dos artistas, do legislador e do polícia, têm em comum o serem produzidas segundo um processo mental de pensamento, consciente e racional, conducente a uma escolha. Daí que seja indiferente dizer que devemos ser racionais, na medida em que, se estivermos conscientes, em algum grau estaremos capazes de distinguir aquilo que se nos representa mentalmente.

Os apelos à racionalidade e à consciência pretendem significar que o processo das escolhas, do ponto de vista da estrutura neurológica e psicológica, em suma, biológica, embora seja uma “constante”, ao longo dos tempos e dos espaços, no processo de produção de cultura, esta, por sua vez, depende e varia incomensuravelmente da dimensão, intensidade e extensão da consciência de cada indivíduo sobre as possibilidades, subjetivas e objetivas, de escolha.

Escolha que incide sobre “aquilo” que o indivíduo mentalmente representa como efeito da escolha, ou seja, de um processo racional.

Perante o quadro, ou panóplia de possibilidades, o indivíduo escolherá a melhor. Esta é uma “lei” a que poderei chamar lei da melhor escolha, ou, lei das escolhas, para evitar a redundância, uma vez que a escolha é, e não pode deixar de ser, a melhor.

                        Carlos Ricardo Soares


domingo, 24 de novembro de 2024

Vivíamos


Não íamos à procura de nada

Simplesmente descobríamos

E vivíamos

Se nos perguntassem

Mais tarde

Nem nomear sabíamos

E se nomeássemos

Não responderíamos

Ainda que nos olhassem

Compreensivamente

Não podíamos

Nem dizer a nós próprios

Ao que íamos

E se o que víamos era

O que descobríamos.

                           Carlos Ricardo Soares 

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Aproximações à verdade XXXIII


Amiga: se fosse possível, gostava de captar este belo momento numa imagem que aparecesse com uma legenda que contivesse todo o significado que eu gostaria de ver também em palavras
Hilário: podes tirar uma foto, ou fazer um filme e falar ou escrever as palavras que gostarias
Amiga: para mim, até podia ser suficiente, enquanto me lembrasse, ou perdurassem os efeitos desta vivência, mas se quisesse comunicá-los com alguém provavelmente não teria sucesso
Hilário: podes tentar, estou aqui, experimenta
Amiga: sempre admirei em ti essa atitude resoluta de procurar sempre, não apenas a melhor perspetiva de tudo, mas também um bom enquadramento, sem prescindires de que não há nada que não possa ser visto de um ângulo positivo, ou menos negativo
Hilário: deve ter a ver com uma disciplina que desenvolvi ao longo da minha formação e atividade de fotógrafo, a arte de fotografar transforma a pessoa do fotógrafo, quando dei conta percebi que é como se os objetos me fotografassem a mim
Amiga: mas isso é porque, para ti, fotografar é uma arte, tens a arte de ver e sobretudo de olhar para as coisas à procura de uma singular beleza que tudo tem mas que, muitas vezes, é preciso ser capaz de descobrir para se obter a satisfação de uma foto e tanto
Hilário: nunca tinha visto as coisas dessa maneira, mas é muito interessante o que dizes, realmente, funciono como um prospector de ouro ou pedras preciosas mas, ao contrário deles, o valor daquilo que obtenho é como se dependesse apenas de mim e não dos objetos
Amiga: é como se o teu olhar definisse uma perspetiva e um enquadramento que transforma, por exemplo, um anónimo numa estrela ou numa referência histórica
Hilário: a minha vida tem sido uma busca contínua e infatigável pelo lado bom das coisas
Amiga: mas quando o lado bom das coisas é para os outros e o mau é para ti, como é que é?
Hilário: muitas vezes isso acontece mas, se bem pensarmos, o lado bom das coisas para ti pode não ser assim tão bom para mim e vice-versa
Amiga: estou a pensar no mal irremediável da guerra, na destruição, sofrimento e mortes de inocentes, que nada, nem ninguém, poderá reverter
Hilário: até nesse caso, será bom que se levem a julgamento os responsáveis, mesmo que essa seja a única vantagem da guerra.

Carlos Ricardo Soares

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Direitos e Deveres/Bem e Mal


É o menor dos teus deveres

Que não faças mal

Não causes dano

Não prejudiques

Nem estorves ninguém

E

Se não fizeres bem

Se não ajudares

Fazes mal

Mas se fizeres mal

Porque queres

É o maior dos teus deveres

Que não fujas de responderes.

                      Carlos Ricardo Soares