Blogs Portugal

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Ensinar e educar

Educar, todos e tudo educa.
Cuidado com a educação. Quem não se queixa da educação que recebeu (o termo é muito significativo e carregado de tradição) ainda deve estar mais de sobreaviso.
Ensinar é mais complexo, mais solidário, mais honesto, mais explícito, mais confiável, mais amigável, mais avisado, mais avançado, mais revolucionário.
Putin educa, Hitler educou, Estaline dava isso como garantido e os religiosos sempre puseram todas as fichas na mesa das apostas da educação para concretizarem os desígnios divinos.
Ensinar é outro negócio, é outra história, é outra narrativa. Se não é oposta a educar, pelo menos é crítica, contestatária, muitas vezes feita à revelia da educação oficial.
Educar é perigoso, ensinar é promissor. Transmitir valores, crenças, normas de conduta é algo que se tem revelado catastrófico, trágico, incurável, abominável, fatal. É certo que há sempre o outro lado da medalha. É o apelo aos valores que mobiliza para a guerra e para a vitória. Uma bomba lançada sobre o inimigo é um acto sublime. Uma bomba lançada pelo inimigo é um acto cobarde e imperdoável.
Não devemos combater uma crença com outra crença? Ou seja, não devemos combater? E temos outro remédio?
Há os que educam, por exemplo, para agradar e obter as bençãos do Sr. Abade, ou do Regedor, ou do professor, e há os que educam para se perfilarem nas hostes políticas e dominarem o jogo dos interesses, avessos a obediências ditadas por opositores, ainda que posicionados em cargos de supremacia de facto, seja fiscal, seja política, seja administrativa. E há os párias, que rejeitam todas as propostas e são educados para não precisarem dessas estruturas viciadas de favorecimento e de nunca vergarem, nem fingirem respeitos que não devem a ninguém, que são educados a esperar todo o tipo de maus tratos e de desprezo e de discriminação, que só podem contar com a sua força e não deixam que lhes indiquem o personagem sagrado que vão vestir nas procissões dos corpos dos deuses. E isto vem de longe, de muito longe. E, para tristeza e preocupação de muita gente, está a agravar-se. O nepotismo anda à solta, a par com a corrupção e a batota na disputa de méritos e de reconhecimentos. Então o partidarismo e o favorecimento no acesso a funções públicas, vão-se instituindo cada vez mais como procedimentos “normais”, como se o público e o Estado fossem a oportunidade dada a alguns privados que pensam e actuam como se estivessem nas suas quintas, enquanto estiverem.
Entre os que educam para o jogo, com os trunfos na mão e os que educam para o jogo da batota, a diferença é óbvia.
O ensino é outra coisa.

 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

A atracção do abismo

Não saber se desistes da humanidade

Mas do teatro

Não saber se desistes do teatro

Mas da humanidade

Perceber que desistes

De reconhecer o fracasso

Não acreditar

Que haja quem não sabe

Que há noites perpétuas

No pomar das musas de sombra

Onde não rescende a frutos

Não há certezas de nada

Não há como desistir

De vencer os terroristas

Mas é preciso saber

Que se precipitarão

Com todas as suas forças

Os que não resistirem à atracção

Do abismo.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Verdades e interesses

Espírito crítico, não é pedir muito, é esperar demasiado. Nos tempos conturbados em que vivemos, assoberbados de solicitações e de megafones mais ou menos selectivos e privativos, numa imersão desinibida na barafunda das tragédias e no teatro dos festejos e das celebrações, quando alguém ainda sabe dizer em que rua mora, ou para onde quer ir, isso já é um motivo de esperança, não digo na humanidade, mas no que vier a seguir.
A verdade, além de ser algo inacessível, até aos tribunais superiores, a maior parte das vezes, é o que menos importa ao comum dos mortais. Quando muito, pode interessar aos filósofos e aos cientistas e, mesmo nestes casos, depende de que verdade se estiver a falar.
As declarações e os manifestos políticos, sejam democratas, autocratas, plutocratas, cleptocratas, aristocratas, etc., não são verdades.
O socialismo não é verdade. O capitalismo também não. O comunismo idem. República ou monarquia, nada disso é verdade, por mais verdades que digam. E também não são mentira, falsidade, ou erro, por mais que mintam, falseiem ou errem.
As religiões não são verdades, por mais verdades que digam. As realidades culturais, institucionalizadas, com mais ou menos legitimidade, aceitação, passividade, adesão, não são expressão, nem critério de verdade.
É escandaloso que tenham a pretensão de ser aquilo que não sabem ser, nem podem ser, verdade.
Uma realidade, material, física, ou social, não é verdade. Um presidente, um clérigo, um filósofo, um cientista, um jogador, um trabalhador, um rei, uma aranha, não são verdades. Um facto não é uma verdade. Um acto não é verdade.
O conceito de verdade, de certo ou errado, segundo critérios de verdadeiro/falso distingue-se do conceito de verdade, segundo critérios de eticidade, de direito, de correcto/incorrecto, ou do conceito de verdade, segundo critérios de moralidade, de bem/mal.
Em todos os casos, verdade tem a ver com condutas, comportamentos, humanos, cujo escrutínio e julgamento, por sua vez, padecem das mesmas limitações e deficiências daqueles.
Mas não há motivos para desanimar, porque os humanos têm um sentido muito desenvolvido para escolherem o que lhes interessa.
A mentira, a falsidade, normalmente, aproveitam-se disso, como formas deliberadas, sofisticadas, de manipulação.
Quando é por erro/ignorância, já a manipulação, até a das grandes estruturas ideológicas a que não escapamos, é desculpabilizável.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Felizmente há o direito e a justiça

Que haja liberdade

Não à impostura e à censura

Não há liberdade enquanto houver

Ditadores

Enquanto houver ameaças credíveis

Dos destruidores

Enquanto houver terror

E morte

Incendiários

Bombistas

Terroristas

Que impõem aos outros a violência

Catastrófica e demolidora

Aquilo de que a humanidade menos precisa

Nestes momentos difíceis para todos

É que os oportunistas terroristas

No momento de ajudarem a salvar

De pandemias e de secas e de guerras

Tudo façam para ajudar a aniquilar

Felizmente há o direito e a justiça

Que não podem deixar de triunfar

Quanto à vida na Terra

Veremos.

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

A realidade da(s) Arte(s)

A realidade da(s) arte(s) suscita questões deveras curiosas e não há nada como questões curiosas para provocar a nossa competência, seja ela qual for. Se um cozinheiro não sabe responder à questão, mas um electricista sabe, ou se um cientista não sabe responder à questão, mas o crítico de arte, ou o leiloeiro, sabe, estamos num terreno em que ninguém gosta de ficar de fora e em que quem der parte de fraco não sai a ganhar, o que quer que isto possa significar, para além da gíria.

Não é sequer uma questão de “gostos não se discutem”, porque penso que tudo é discutível, se as pessoas quiserem.

O que constato e o que enxergo, bem ou mal, mais ou menos, é que há profissionais do gosto, como há profissionais de santidade, como há profissionais de sabedoria, de justiça, de saúde, de poesia, de romance, de pintura e, dentro de cada departamento, muitas especialidades.

Basicamente, estes profissionais estão aptos a responder a qualquer questão que se coloque, não apenas sobre a sua área de actuação, mas também a realizar/fazer algo em conformidade. A arte do discurso não é das menos “sublimes”, mas há as artes dos artefactos, ainda que o discurso não deixe de ser também, à sua maneira, um artefacto. Neste sentido, a cultura, mesmo aquela parte que não se exterioriza, que não se objectifica em nenhum suporte material, nem chega a transmitir-se porque não sai do reduto íntimo do indivíduo que a pensa, ou a sente, é artefacto, ainda que apenas representação abstracta dos neurónios.

O exemplo do quadro em branco não deixa de ser curioso, levando a reflexões inesperadas e interessantes, por exemplo, sobre a originalidade e a inimitabilidade. Não quero dizer que não tenha havido e não haja milhares, senão milhões de quadros brancos, se calhar à espera de um pincel com tinta. Mas depois de ter aparecido um numa exposição de pintores, realmente, tudo muda de figura e poder-se-ia escrever muito sobre isso, convocando cientistas e pensadores de todas as áreas, para que nenhum profissional se sentisse excluído.

O quadro em branco é de tal modo “inimitável” que alguém que se atreva a repetir a façanha pode ter de pagar direitos de autor.

Também há espectáculos em que não é possível responder à pergunta “que é que isto significa?”. Uma vez participei numa espécie de dança de varredores, ao ritmo de música, que ganhou a atenção dos espectadores e que achei divertida, em que, no fim, dois intelectuais me perguntaram que é que aquilo significava. Eu perguntei-lhes se tinham achado divertido e eles disseram que tinham adorado, mas eu não seria capaz de lhes veicular significado que eles próprios não encontrassem, porque para mim não havia ali significado. Poder-se-ia, não digo que não, criar imensas hipóteses de significado, cada uma mais rica do que a outra e isso ser deveras inspirador e criativo, mas o assunto ficou por ali e o mundo continuou.

O dar que falar pode ser muito relevante e não só do ponto de vista das teorias e aperfeiçoamento, aferição, afinação da linguagem e dos conceitos, que é um trabalho e uma arte que ocorre nos bastidores mas que não deixa, por isso, de ser importante.

Quanto ao talento para criar oportunidades ou aproveitá-las, concordo que sejam talentos diferentes, cada um melhor do que o outro, mas não vejo que haja muito como alguém dominar/controlar o efeito das obras e a qualidade das obras, ainda que levássemos em conta aspectos como públicos especializados e públicos em geral, mais ou menos semianalfabetos. Muitos dos aplausos têm a ver com a emoção primária e irreflectida, abstraída de outras considerações acerca do valor da mesma e sem levar em conta critérios comparativos. Podemos não aplaudir uma grande obra que já aplaudimos até à exaustão e aplaudir muito, pela primeira vez, uma obra menor.

Há, não obstante, experiências frustrantes, para não dizer traumatizantes, ou até esclarecedoras, que todo o criador pode fazer, seja artista ou filósofo, ou cientista, acerca da relação entre valor, qualidade da obra e efeito no público, aceitação, apreço, valorização, aplauso, reconhecimento. Se, por exemplo, perante uma assembleia que desconhece (realidade muito frequente) um grande poema clássico, ou um compositor consagrado, ou um texto notável de alguém do panteão, ou mesmo um dos evangelhos mais venerados, o fizer passar por improviso do momento, ou criação sua, logo verá o efeito. A minha experiência revela que o valor de uma obra tem subjacentes, pelo menos duas ordens de considerações, o plano crítico, que se vai consolidando pelo passar do tempo, e o plano menos crítico, individual, de contacto e de fruição subjectiva, talvez muito mais difícil de justificar.

De qualquer modo, numa primeira abordagem, ou contacto, a obra de arte, texto ou outra, tende a ficar mais em suspenso quanto mais rica e profunda e inovadora for, como se causasse uma estranheza, impenetrável ao senso comum, que pode ou não valer a pena explorar e interrogar.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

É certo

Não vou falar do certo e do errado

Porque soubesse verdades

Que não sabeis

Mas porque falo dos meus erros

Não porque afinal tenha acertado

Em os reconhecer

(E é certo)

Mas porque tenha reconhecido

Estar errado

Não vou falar das falsas crenças

Do passado

Que me ajudaram a crer noutras

Em que não fui educado

Mas na surpresa de descobrir

Que o mais certo

É eu estar errado.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Ousar amar

Ouso dizer que o amor ainda precisa de ser autopsiado, ou levado ao laboratório dos alquimistas, para nos convencermos de que o amor é puro egoísmo. No laboratório dos químicos chamar-lhe-iam outra coisa que não sei, talvez tropismo.
Provavelmente ninguém é amado, ou amou, no sentido de amor que não é retribuído. O condicional não faz parte do conceito mas, nem por isso, deixa de ser a realidade do amor.
E não esqueçamos que o artifício de pensar em termos físicos, ou literários, teológicos, ou filosóficos, não reduz o problema, antes o amplia.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Mas as palavras do poder, senhores?!

O poder das palavras vai sempre mais longe do que as palavras do poder, por mais que isto seja contraditório, ou circular. Mas é preciso que alguém as ouça, as entenda, as siga, ou as rejeite. Nenhum poder existe, ou leva a melhor, sobre o que resiste. Neste aspecto do problema, admiro o burro, tão mal tratado, mas sobrevivente.
O poder das palavras é inescapável e incontornável e inarredável. Nem é viável abstrair das palavras. O que é viver sem palavras?

O poder das palavras, reside no indivíduo que as usa, como autor ou destinatário se e apenas na medida em que as usa e com elas se conforma.

Para quem teme o seu poder, o melhor não será fugir-lhes.

Para quem quer o seu poder, o melhor não será usá-las indiscriminadamente.

Mas as palavras do poder, senhores?!

As palavras que fazem da força poder, que dão poder à força?
Sem embargo de a força ditar palavras que as tornam poderosas, o poder das palavras está para as palavras do poder como o espírito está para a matéria (metaforicamente, porque não alinho nesse dualismo).

E que diríamos sobre o valor das palavras?