Espírito crítico, não é pedir muito, é esperar demasiado. Nos tempos conturbados em que vivemos, assoberbados de solicitações
e de megafones mais ou menos selectivos e privativos, numa imersão desinibida na barafunda das tragédias e no teatro dos festejos e das celebrações, quando alguém ainda sabe dizer em que
rua mora, ou para onde quer ir, isso já é um motivo de esperança, não digo na humanidade, mas no que vier a seguir.
A verdade, além de ser algo inacessível, até aos tribunais
superiores, a maior parte das vezes, é o que menos importa ao comum dos mortais. Quando muito, pode interessar aos filósofos e aos cientistas e, mesmo nestes casos, depende de que verdade se estiver a falar.
As
declarações e os manifestos políticos, sejam democratas, autocratas, plutocratas, cleptocratas, aristocratas, etc., não são verdades.
O socialismo não é verdade. O capitalismo
também não. O comunismo idem. República ou monarquia, nada disso é verdade, por mais verdades que digam. E também não são mentira, falsidade, ou erro, por mais que mintam, falseiem
ou errem.
As religiões não são verdades, por mais verdades que digam. As realidades culturais, institucionalizadas, com mais ou menos legitimidade, aceitação, passividade, adesão,
não são expressão, nem critério de verdade.
É escandaloso que tenham a pretensão de ser aquilo que não sabem ser, nem podem ser, verdade.
Uma realidade, material,
física, ou social, não é verdade. Um presidente, um clérigo, um filósofo, um cientista, um jogador, um trabalhador, um rei, uma aranha, não são verdades. Um facto não
é uma verdade. Um acto não é verdade.
O conceito de verdade, de certo ou errado, segundo critérios de verdadeiro/falso distingue-se do conceito de verdade, segundo critérios de eticidade,
de direito, de correcto/incorrecto, ou do conceito de verdade, segundo critérios de moralidade, de bem/mal.
Em todos os casos, verdade tem a ver com condutas, comportamentos, humanos, cujo escrutínio e julgamento,
por sua vez, padecem das mesmas limitações e deficiências daqueles.
Mas não há motivos para desanimar, porque os humanos têm um sentido muito desenvolvido para escolherem o que
lhes interessa.
A mentira, a falsidade, normalmente, aproveitam-se disso, como formas deliberadas, sofisticadas, de manipulação.
Quando é por erro/ignorância, já a manipulação,
até a das grandes estruturas ideológicas a que não escapamos, é desculpabilizável.
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
Verdades e interesses
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
Felizmente há o direito e a justiça
Que haja liberdade
Não à impostura e à censura
Não há liberdade enquanto houver
Ditadores
Enquanto houver ameaças credíveis
Dos destruidores
Enquanto houver terror
E morte
Incendiários
Bombistas
Terroristas
Que impõem aos outros a violência
Catastrófica e demolidora
Aquilo de que a humanidade menos precisa
Nestes momentos difíceis para todos
É que os oportunistas terroristas
No momento de ajudarem a salvar
De pandemias e de secas e de guerras
Tudo façam para ajudar a aniquilar
Felizmente há o direito e a justiça
Que não podem deixar de triunfar
Quanto à vida na Terra
Veremos.
segunda-feira, 25 de julho de 2022
A realidade da(s) Arte(s)
A realidade da(s) arte(s) suscita questões deveras curiosas e não há nada como questões curiosas para provocar a nossa competência, seja ela qual for. Se um cozinheiro não sabe responder à questão, mas um electricista sabe, ou se um cientista não sabe responder à questão, mas o crítico de arte, ou o leiloeiro, sabe, estamos num terreno em que ninguém gosta de ficar de fora e em que quem der parte de fraco não sai a ganhar, o que quer que isto possa significar, para além da gíria.
Não é sequer uma questão de “gostos não se discutem”, porque penso que tudo é discutível, se as pessoas quiserem.
O que constato e o que enxergo, bem ou mal, mais ou menos, é que há profissionais do gosto, como há profissionais de santidade, como há profissionais de sabedoria, de justiça, de saúde, de poesia, de romance, de pintura e, dentro de cada departamento, muitas especialidades.
Basicamente, estes profissionais estão aptos a responder a qualquer questão que se coloque, não apenas sobre a sua área de actuação, mas também a realizar/fazer algo em conformidade. A arte do discurso não é das menos “sublimes”, mas há as artes dos artefactos, ainda que o discurso não deixe de ser também, à sua maneira, um artefacto. Neste sentido, a cultura, mesmo aquela parte que não se exterioriza, que não se objectifica em nenhum suporte material, nem chega a transmitir-se porque não sai do reduto íntimo do indivíduo que a pensa, ou a sente, é artefacto, ainda que apenas representação abstracta dos neurónios.
O exemplo do quadro em branco não deixa de ser curioso, levando a reflexões inesperadas e interessantes, por exemplo, sobre a originalidade e a inimitabilidade. Não quero dizer que não tenha havido e não haja milhares, senão milhões de quadros brancos, se calhar à espera de um pincel com tinta. Mas depois de ter aparecido um numa exposição de pintores, realmente, tudo muda de figura e poder-se-ia escrever muito sobre isso, convocando cientistas e pensadores de todas as áreas, para que nenhum profissional se sentisse excluído.
O quadro em branco é de tal modo “inimitável” que alguém que se atreva a repetir a façanha pode ter de pagar direitos de autor.
Também há espectáculos em que não é possível responder à pergunta “que é que isto significa?”. Uma vez participei numa espécie de dança de varredores, ao ritmo de música, que ganhou a atenção dos espectadores e que achei divertida, em que, no fim, dois intelectuais me perguntaram que é que aquilo significava. Eu perguntei-lhes se tinham achado divertido e eles disseram que tinham adorado, mas eu não seria capaz de lhes veicular significado que eles próprios não encontrassem, porque para mim não havia ali significado. Poder-se-ia, não digo que não, criar imensas hipóteses de significado, cada uma mais rica do que a outra e isso ser deveras inspirador e criativo, mas o assunto ficou por ali e o mundo continuou.
O dar que falar pode ser muito relevante e não só do ponto de vista das teorias e aperfeiçoamento, aferição, afinação da linguagem e dos conceitos, que é um trabalho e uma arte que ocorre nos bastidores mas que não deixa, por isso, de ser importante.
Quanto ao talento para criar oportunidades ou aproveitá-las, concordo que sejam talentos diferentes, cada um melhor do que o outro, mas não vejo que haja muito como alguém dominar/controlar o efeito das obras e a qualidade das obras, ainda que levássemos em conta aspectos como públicos especializados e públicos em geral, mais ou menos semianalfabetos. Muitos dos aplausos têm a ver com a emoção primária e irreflectida, abstraída de outras considerações acerca do valor da mesma e sem levar em conta critérios comparativos. Podemos não aplaudir uma grande obra que já aplaudimos até à exaustão e aplaudir muito, pela primeira vez, uma obra menor.
Há, não obstante, experiências frustrantes, para não dizer traumatizantes, ou até esclarecedoras, que todo o criador pode fazer, seja artista ou filósofo, ou cientista, acerca da relação entre valor, qualidade da obra e efeito no público, aceitação, apreço, valorização, aplauso, reconhecimento. Se, por exemplo, perante uma assembleia que desconhece (realidade muito frequente) um grande poema clássico, ou um compositor consagrado, ou um texto notável de alguém do panteão, ou mesmo um dos evangelhos mais venerados, o fizer passar por improviso do momento, ou criação sua, logo verá o efeito. A minha experiência revela que o valor de uma obra tem subjacentes, pelo menos duas ordens de considerações, o plano crítico, que se vai consolidando pelo passar do tempo, e o plano menos crítico, individual, de contacto e de fruição subjectiva, talvez muito mais difícil de justificar.
De qualquer modo, numa primeira abordagem, ou contacto, a obra de arte, texto ou outra, tende a ficar mais em suspenso quanto mais rica e profunda e inovadora for, como se causasse uma estranheza, impenetrável ao senso comum, que pode ou não valer a pena explorar e interrogar.
sexta-feira, 22 de julho de 2022
É certo
Não vou falar do certo e do errado
Porque soubesse verdades
Que não sabeis
Mas porque falo dos meus erros
Não porque afinal tenha acertado
Em os reconhecer
(E é certo)
Mas porque tenha reconhecido
Estar errado
Não vou falar das falsas crenças
Do passado
Que me ajudaram a crer noutras
Em que não fui educado
Mas na surpresa de descobrir
Que o mais certo
É eu estar errado.
quinta-feira, 21 de julho de 2022
Ousar amar
Provavelmente ninguém é amado, ou amou, no sentido de amor que não é retribuído. O condicional não faz parte do conceito mas, nem por isso, deixa de ser a realidade do amor.
E não esqueçamos que o artifício de pensar em termos físicos, ou literários, teológicos, ou filosóficos, não reduz o problema, antes o amplia.
quinta-feira, 14 de julho de 2022
Mas as palavras do poder, senhores?!
O poder das palavras vai sempre mais longe do que as palavras do poder, por mais que isto seja contraditório, ou circular. Mas é preciso que alguém
as ouça, as entenda, as siga, ou as rejeite. Nenhum poder existe, ou leva a melhor, sobre o que resiste. Neste aspecto do problema, admiro o burro, tão mal tratado, mas sobrevivente.
O poder das palavras
é inescapável e incontornável e inarredável. Nem é viável abstrair das palavras. O que é viver sem palavras?
O poder das palavras, reside no indivíduo que as usa, como autor ou destinatário se e apenas na medida em que as usa e com elas se conforma.
Para quem teme o seu poder, o melhor não será fugir-lhes.
Para quem quer o seu poder, o melhor não será usá-las indiscriminadamente.
Mas as palavras do poder, senhores?!
As palavras que fazem da força poder, que dão poder à força?
Sem embargo de a força ditar palavras que as tornam poderosas,
o poder das palavras está para as palavras do poder como o espírito está para a matéria (metaforicamente, porque não alinho nesse dualismo).
E que diríamos sobre o valor das palavras?
terça-feira, 5 de julho de 2022
Forma e conteúdo
A relação das partes com o todo (que é sempre, por sua vez, uma parte de uma parte maior) é uma relação de umas formas com outras, cada uma contendo outras, mas sendo contida por outras.
Porém, há a questão do vácuo, que me interpela de vários modos. Não sei o que é o vácuo e acredito que ninguém, nem coisa alguma já esteve no vácuo. Não sei se o vácuo acontece ou aconteceu alguma vez, por exemplo, se algo que existe, submetido à vacuização, deixou de existir, por força da vacuização. Será esta força mais uma a acrescentar às reconhecidas forças da natureza?
No vácuo, a força da gravidade “deixou de funcionar” (não me digam “deixa de funcionar”)? O espaço e o tempo foram suprimidos? O nada foi criado? Deixou de haver movimento?
Os físicos não terão dificuldade em esclarecer uma dúvida tão básica, se calhar não mais do que uma questão de linguagem, mas poderá alguém aspirar sequer a entrar /estar num lugar vazio?