Por estar ali
O mar
Por estares ali
Sentiste
Por teres de ficar
Partiste
Por teres de contentar-te
Com estar triste
Por não poderes vingar-te
Do que não existe.
Carlos Ricardo SoaresPor estar ali
O mar
Por estares ali
Sentiste
Por teres de ficar
Partiste
Por teres de contentar-te
Com estar triste
Por não poderes vingar-te
Do que não existe.
Carlos Ricardo SoaresSedutora
Poderosa ninfa
A minha memória está cheia
De pessoas encantadoras
A maior parte
Que eu não conheci
E de lugares de sonho
Que talvez nunca chegue a visitar.
Carlos Ricardo Soares
Hilário: simplesmente bela!
Amiga: estás a cometer uma imprudência
Hilário: essa palavra faz arrepiar o mais pintado
Amiga: qual palavra?
Hilário: imprudência
Amiga: tens noção do perigo que existe para a tua reputação se elogiares uma mulher?
Hilário: foi por impulso, ou instinto, sei lá, já elogiei tantas mulheres e vi sempre a minha reputação ganhar com isso
Amiga: elogiaste quem? As tuas avós, a tua mãe, a tua madrinha, as tuas tias, a tua sogra, a tua mulher, a tua filha?
Hilário: e elogiei-te agora mesmo
Amiga: a imprudência é que eu poderia pensar que te estás a atirar a mim
Hilário: eu sei que nunca pensarias uma coisa dessas
Amiga: pois eu acho que a imprudência está aí na linha que separa o elogio do galanteio
Carlos Ricardo Soares
Quantos de nós já fizeram esse
E o percurso inverso
Quantos de nós já remaram
Na ida
E estão a remar de regresso
Mas todos os caminhos vão dar ao fim
Nenhum ao começo
Carlos Ricardo Soares
Hilário: compreendo a dificuldade que sentes em ouvir-me quando falo de recordações minhas que são narrativas do que não viveste
Amiga: sobretudo quando me falas de sítios onde nunca estive e de sentimentos que eu não sei se tive alguma vez
Hilário: são imensas as coisas que nunca poderemos comunicar com ninguém, nem através da música, nem através dos gestos, nem através das palavras
Amiga: até a saudade, nesse aspeto, é um fardo pesado
Hilário: é como se não tivéssemos sido capazes de dominar o tempo como soubemos preservar as memórias
Amiga: não fomos capazes de parar nesses cenários, saímos deles por alguma razão que, agora, nem nos interessa saber qual era
Hilário: mas era a vida a fluir, não éramos só nós a deslocarmo-nos de uns cenários para os outros, era toda a gente
Amiga: nem quando estamos sozinhos, muito tempo no mesmo lugar, pensamos na mesma cena mais do que uns instantes
Hilário: termos esta noção é como se víssemos o tempo a passar diante dos nossos olhos
Amiga: sem o podermos parar
Hilário: mesmo que o quiséssemos parar
Hilário: e não lhe disseste
Amiga: disse, mas quando disse já não estava no tempo desse encanto, já estávamos no tempo de olhar para o que passou e, uma hora mais tarde, já estava a viajar em sentido contrário, de regresso a casa, que também seria a minha casa por pouco mais tempo, e assim sucessivamente
Hilário: quando olho para o passado só vejo desastres, demolições, tempestades, guerras, mortes, aflições, trabalhos, um mundo a ruir à nossa volta
Amiga: mas tivemos a sorte de tudo isso ter acontecido à nossa volta e não nos ter acontecido a nós
Hilário: aconteceu-nos, também nos aconteceu e o que aconteceu ainda continua a afetar-nos de múltiplas formas
Amiga: do mesmo modo que não paramos nos melhores momentos, com pena nossa, também não paramos nos piores, para nosso alívio.
Carlos Ricardo Soares