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sábado, 18 de fevereiro de 2023

A alma num porta-aviões

Os sonhos eram sempre irrealizáveis

Sonho e realidade 

mas como sonhos que eram

já eram bons

e chegavam a iludir

ao ponto de parecer que os estava a viver

porque eles tinham essa aptidão

de me encher de ânimo

como uma música

ou um espetáculo

e de me mover a atenção

e os músculos

havia sempre o lado agradável

dos sonhos

que me predispunha à gentileza

de olhar para as coisas e para o mundo

a partir da minha vida interior

concebendo as pessoas em cenários

de harmonia e de bondade

a culpa das desgraças

nunca era dos sonhos

os desgostos e as frustrações

não me faziam desistir de sonhar

e tornavam os sonhos ainda mais imperiosos

mas era preciso não ficar apenas a sonhar

parado a imaginar o lado bom das coisas

era preciso agir comunicar sentir

confirmar que existe uma distância

entre a fantasia e a realidade

que a fantasia promete tudo

ao desejo

mas a realidade dificilmente ou nunca

satisfaz

e ainda bem

porque quase sempre a realidade

acabava por dar mais do que prometia

e muito mais do que eu sonhava.


sábado, 11 de fevereiro de 2023

Luta por um direito

Quantos se dão conta dos orgulhos e dos preconceitos que tolhem os nossos juízos e nos condicionam imenso no processo de observação, compreensão, de seleção de alvos e de análise crítica, mormente no que respeita a autores, pensadores, comentadores e atores sociais, em geral, para não dizer político-partidários e militantes partidários, em particular?
Quantos se dão conta da falta de formação e de instrução e de leitura inteligente e discutida, numa abrangência suficientemente plural e geral (universal de universidade), sem cedências a monolitismos, presunções, água benta e caprichos individuais, que deita a perder a visão para além do próprio nariz, ou do autodidatismo, por maior que seja?
Quantos militantes, por ex., comunistas, se dispõem a ler e a interpretar, sem ser através das lentes da sua perspetiva ideológica e do seu preconceito político-social, com base numa cassete, ou catecismo, simplificador e demolidor, mais ou menos adotado e intelectualmente assimilado, algum autor que não esteja catalogado “pelo partido” numa preconcebida matriz ideológica?
Quantos militantes, por ex., católicos, se dispõem a ler e a interpretar, sem ser através das lentes da sua perspetiva ideológico-religiosa e do seu preconceito político-social, com base numa cassete, ou catecismo, simplificador e demolidor, mais ou menos adotado e intelectualmente assimilado, algum autor que não esteja catalogado “pela igreja” numa preconcebida matriz ideológica, ou “índex”?
Que leitura fazem uns dos outros, se é que se leem uns aos outros?
Que predisposição de “audiência”, leitura, compreensão, interpretação, por ex. haverá num homofóbico para autores, artistas, pensadores, homossexuais? E vice-versa?
Como é que um católico pode ler, por ex., Saramago?
Como é que Saramago poderia ler, por ex., um autor católico?
Que é que, por ex., um deles pode reclamar para si como um estatuto, ou um mérito, ou um valor, que deva ser recusado ao outro?
Que obrigatoriedade, ou conveniência, pode sentir, por ex., um comunista, de ler S. Paulo, ou Stº Agostinho, ou um católico de ler um ateu militante?
O que é que está na base da atenção e do respeito que devemos uns aos outros?
O que é que está na base da atenção e do respeito que temos uns pelos outros?
É muito interessante e edificante quando assistimos a uma manifestação de cultura e de luta e de revolta que reúne muita gente, sem sabermos qual é a sua “identidade”, seja de filiação, ideológica, partidária, religiosa, étnica, nacional, clubística, regional, bairro, musical, gastronómica, seja de género, orientação, preferência, de qualquer ordem, por uma causa comum, por exemplo, de respeito por um direito, ou por uma resposta política.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Aprende-se a agir a pensar e a sentir

Os humanos têm uma desenvolvida aptidão para agirem, reagirem e aprenderem a agir e a reagir; para pensarem e aprenderem a pensar; para sentirem e aprenderem a sentir; para chorarem e aprenderem a chorar e a não chorar; para rirem e aprenderem a rir e a não rir...

Aprende-se a agir, aprende-se a pensar, aprende-se a sentir, mas é necessário ser bem ensinado e ser bem orientado. O contrário, pode ter efeito contrário.

Essa aptidão tem sido aproveitada, inúmeras vezes, de modo abusivo, para treinar e ensinar a ter determinados comportamentos, ou desenvolver trabalhos.

É possível, através da instrução, das letras, dos desafios, da discussão de problemas, levar o ser humano a essa capacidade de colocar problemas e tentar equacionar soluções, desenvolvendo práticas e métodos de análise e de reflexão sistemática.

Aparentemente, cada um sente o que tem de sentir, porque sente e nada mais. Mas quantos dos sentimentos são ensinados e incutidos?

É possível ensinar e treinar, por exemplo, para a tolerância, para o respeito, para o amor e para o ódio.

A função e o papel da Família, da Escola e dos meios de comunicação social, enquanto divulgadores dos atores políticos, religiosos, desportivos, policiais, artísticos, no desenvolvimento e orientação destas aptidões podem ser mais ou menos eficazes consoante o grau de coerência e o nível de satisfação que permitirem, em termos de compensações intrínsecas e extrínsecas, uma vez que toda a ação tem em vista uma satisfação.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Aprender a agir a pensar e a sentir

Os humanos têm uma desenvolvida aptidão para agirem e aprenderem a agir.
Os humanos têm uma desenvolvida aptidão para pensarem e aprenderem a pensar.
Os humanos têm uma desenvolvida aptidão para sentirem e aprenderem a sentir.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A talho de foice

Como já escrevi noutros espaços, e aqui a talho de foice, a incompetência dos governantes é tão gritante que corremos o risco de desordem geral e alienada. Talvez isso ainda não tenha acontecido, mercê das estruturas institucionais que, em vez de maldizerem os ventos, fazem velas e as colocam a jeito, para disso beneficiarem.
O que para uns é uma maldição, para outros é uma bênção. O governo não precisa de fazer acrobacias para atingir certos fins, como, por exemplo, desamparar a escola pública. Basta-lhe fazer o que está a fazer para que as escolas privadas vejam aumentar significativamente a procura.
Mas o governo não tem o direito de provocar, seja com a sua ação, seja com a sua inércia, determinados efeitos, contra uma vontade democrática não despicienda e, menos ainda, contra o interesse público e, sobretudo, contra a razão. Uma das posições reiteradamente assumidas, há décadas, pelo Governo, tem sido estrangular as despesas públicas onde isso é menos problemático: na educação.
Fazer greve na Educação parece ser tão vantajoso para os cofres do Estado que até dá a sensação de que as greves são bem-vindas. Os alunos e os pais já perceberam que o Estado tem outras prioridades. Aliás, sempre que é preciso, não digo necessário, fazer austeridade, a receita está à mão e nem é preciso inovar: cortes na educação. A educação, a investigação, a ciência, a cultura, em geral, parece que não lhes são imprescindíveis.
Afinal, até poderíamos dizer que durante séculos se viveu sem a educação que temos e sem alfabetização. Mas a principal razão não é essa, é que aí podem meter a mão à vontade, que não lhes acontece nada (pensam eles, que não têm respeito pela educação, nem a valorizam minimamente).
Onde eu queria chegar, e já me fui desviando para outros planos, era à questão da razão, indissociável da questão do interesse público, mas este, infelizmente para os professores, não é entendido pelos governantes como algo que envolva seriamente a Educação. Este desprezo seria igual a tantas outras formas de desprezo que se ignoram, ou de que se faz vista grossa, se não fosse ultrajante e ofensivo dos genuínos interesses dos professores, alunos e famílias e, por extensão, do interesse público e do país. Basta pensar no caso do congelamento do tempo de serviço para constatarmos a inépcia dos sucessivos “ilusionistas” que têm passado pela pasta da Educação.
Neste momento, em que o descongelamento ainda interessa a alguns profissionais, nomeadamente professores, o descongelamento já não aproveitaria a uma boa parte daqueles que viram a sua progressão suspensa. Por outro lado, o que perderam com o descongelamento, ou o que deixaram de usufruir, mesmo que, agora, lhes fosse contado esse tempo, ficaria irrecuperável, ou seja, a contagem para o futuro não lhes restituiria o que deixaram de receber todos os anos em que estiveram congelados.
De resto, e para não me alongar demasiado sobre um assunto que é muito aborrecido, sobretudo para os professores prejudicados, quando os sucessivos governos, em vez de apresentarem argumentos atendíveis e razoáveis para a sua intransigência generalizada, tentam justificar a sua recusa em satisfazer todas as reivindicações, em bloco, com a alegada falta de verbas orçamentais, não é crível que estejam à espera de que se lhes reconheça razão, a não ser que eles sejam mesmo ineptos.

sábado, 21 de janeiro de 2023

O cais de embarque

Oh vertigem que paira

Vista daqui a tarde é imensa

E desvaira

De tão inclinada para a rua

Agora deserta

A descer para o cais

Tão habitada de saudade

Que até o silêncio aperta

A sombra ali se adensa

E invade

O cais de embarque

Antiga porta da cidade

Foi daqui que o povo alçou o olhar

Para o esplêndido horizonte

Em barcos à descoberta

Podemos agora dizer

Como é pungente

Estar a ver que partiram

Deixando para trás este lugar

Que em memória deles

Outros tornaram

Doloroso imaginar

Como agora é não poder

Entrar

Na inconcebível catedral da noite

Com os ventos a soprar.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Falar de justiça fazer justiça

A justiça, como muito bem viu Aristóteles, é, não apenas uma função judicial do Estado, que compete aos juízes, mas está pressuposta e é indissociável tanto das funções legislativas, quanto das funções executivas, políticas ou administrativas do Estado. Digamos que o Estado, em todas as funções que exerce está obrigado a proceder com justiça. 

A identificação da justiça com a observância e a aplicação da lei é muito redutora, porquanto as leis podem ser injustas e mesmo as leis justas, ao serem aplicadas de modo não uniforme, geram injustiças. 

As leis são instrumentos normativos que servem, em geral, para realizar a justiça. Estou a pensar, por exemplo, que a justiça é entendida e aceite principalmente como a aplicação da lei a todos por igual, tratando as situações semelhantes de idêntico modo. 

Ao longo da história, parece-me que os humanos foram discutindo e resolvendo o problema tentando que o legislador e o aplicador da lei estivessem igualmente sob a sua alçada. É relativamente fácil aceitar uma lei que a todos se aplica, incluindo quem a faz e a impõe. Mas já é extremamente difícil aceitar uma lei que, por exemplo, onera os súbditos com a obrigação do seu cumprimento e não obriga igualmente quem a faz assim se colocando fora, ou acima da lei.

Com a emergência do Estado-de-Direito-Democrático, a ideia de Direito ganhou protagonismo, não apenas no plano teórico dos princípios, como princípio normativo de toda a intenção e atividade legislativa, mormente estadual. 

Se, efetivamente, a feitura das leis e a sua aplicação observarem, tanto quanto possível, a ideia de Direito, como a resposta e a solução reta, justa, ético-axiologicamente fundada, que deve ser realizada, no respeito e entendimento dos legítimos poderes para a materializarem, diria que dificilmente encontraríamos razões para nos queixarmos das leis. Neste caso, seria ainda muito importante, para evitar injustiças, que, na sua aplicação, não houvesse desvirtuamento da sua letra e do seu espírito, entendido à luz da ideia de Direito e dos princípios gerais do sistema jurídico. 

Em muitas situações são os juízes a suprir as lacunas da lei e fazem a justiça, não segundo as leis, porque existe uma lacuna, mas tentando seguir aqueles princípios. 

Mas deixo a pergunta: poderá haver uma lei injusta que se aplique igualmente a todos, sem exceção?

sábado, 7 de janeiro de 2023

Somos racionais e daí?

Comecemos por dizer que no indistinto não há racionalidade e, se há alguma coisa, falta quem o saiba. Só a racionalidade pode dizer de si que é irracional, ou que existe irracionalidade, o que, racionalmente, parece uma contradição. Nem sequer podemos prescindir dela. Estamos para ela como ela está para nós, numa relação de absoluta interdependência. Ela precisa de uma cabeça pensante o suficiente.
Toda a análise, comentário, interpretação, conhecimento, opinião que se faça, incluindo a crítica da (ir)racionalidade humana, ou a defesa de algum tipo de irracionalidade, ou o reconhecimento de que a racionalidade humana é uma faculdade humana que não deve, nem pode fazer-nos esquecer que o homem é um ser vivo com vastas e complexas aptidões e funções que escapam a essa racionalidade, ainda que possamos conjeturar que são processos biológicos inteligentes, que ocorrem à revelia da nossa consciência e da nossa vontade, são uma atividade racional. Ou seja, ao descobrirmos e reconhecermos que grande parte daquilo que ocorre e acontece, designadamente no ser humano, seja por efeito voluntário, consciente, ou não, estamos a ser racionais, a usar a faculdade da razão. 
A cultura, as atividade humanas que dependem do uso da razão, os artefactos e as linguagens e as condutas (não propriamente os comportamentos involuntários e inconscientes) são o que nos permite fazer ideias acerca do mundo exterior e interior. E isto não acontece sem racionalidade. 
Não vou ao ponto de supor que a racionalidade é o modo como a própria natureza, no seu todo, incluindo a loucura, os demónios e os deuses, existem. Não vou a esse ponto de acreditar que nada escapa às leis da natureza, nem as leis humanas. 
Não vou ao ponto de acreditar que assim como é impossível violar uma lei natural, também ninguém, em última análise, pode violar uma lei humana. Mas não tenho dificuldade em ver no ser humano um ser racional que deve grande parte daquilo que faz e do modo como faz e uma parte daquilo em que se tornou e pretende tornar-se, mormente enquanto ser social, à racionalidade. 
Não me parece, de jeito nenhum, que se possa assacar à racionalidade humana as causas, ou a responsabilidade por algum problema que nos afete, quer como indivíduos, quer como sociedade. Não é por serem racionais (e penso que apenas as condutas o serão) que elas são boas ou más. É a racionalidade que permite distingui-las em boas ou más. 
Os problemas humanos não decorrem da racionalidade, bem pelo contrário. São as bitolas que servem de referência à racionalidade que, em cada momento, condicionam e determinam a relação complexa, que também é racional, entre a avaliação subjetiva, em função da social e a interiorização da social, em função da subjetiva e os exercícios das liberdades. 
Em si mesma, a racionalidade é neutra e não é correto, embora seja racional, culpá-la de não ter sido capaz de impedir os males que a humanidade inflige a si mesma como se, por isso, devesse ou pudesse ser substituída por qualquer tipo de irracionalidade.
A educação e o ensino podem desempenhar um importante papel na preparação da atenção e dos processos de avaliação da realidade, natural, humana e social, despistagem de equívocos, de aparências ilusórias, de crenças injustificadas, mas também podem ser fomentados para reforçar e levar a aceitar acriticamente como verdades e valores, mitos, narrativas, prescrições, normas, cânones, ou situações de facto consumado, mais ou menos inelutáveis a cuja realidade não se pode deixar de dar uma resposta adaptativa, sendo que, em si mesma, essa realidade já se apresenta como uma resposta adaptativa.