Hilário: tu e eu tocamos
Amiga: e cantamos a mesma canção
Hilário: tu pões a ênfase na letra
Amiga: tu pões na música
Hilário: a mesma canção
Amiga: canções diferentes.
Carlos Ricardo Soares
Hilário: tu e eu tocamos
Amiga: e cantamos a mesma canção
Hilário: tu pões a ênfase na letra
Amiga: tu pões na música
Hilário: a mesma canção
Amiga: canções diferentes.
Carlos Ricardo Soares
Hilário: que livro andas a ler?
Amiga: o primeiro volume de «As coisas não têm de ser como são»
Hilário: já vi à venda aqui
Amiga: se quiseres comprar o segundo volume, depois trocamos
Hilário: cada volume tem mais de 400 páginas
Amiga: isso para leitores como nós não é nada
Hilário: não brinques, deves ter lido páginas que dão muito que pensar
Amiga: andaste a ver a amostra que está disponível no site
Hilário: aquilo que li é muito impactante, tipo terramoto de ideias feitas
Amiga: sim, mas deixa-me a pensar que vivo num mundo diferente e melhor do que julgava
Hilário: o autor está sempre a questionar a cultura e os valores
Amiga: mas não é fatalista, nem deixa lugar para a resignação e mostra a cada passo que, se te entristece e revolta que as coisas sejam como são, na verdade, esse é um passo necessário para melhorar, porque nada tem de ser como é.
Carlos Ricardo Soares
A força da paixão
Quem a conhece?
Não estou a falar de objetivos
Nem de devaneios
Ou ambição
Diz-me se tens alguma paixão
Diz-me qual é a tua paixão
E talvez te compreenda melhor
Alguém que tem uma paixão
Tende a organizar a sua vida à volta dela
E vai sacrificando tudo por ela
Paixão não é o mesmo que objetivos
As pessoas tendem a organizar a vida
Em função de objetivos convenientes
Ou planos eficientes de realização
De vantagens de sobrevivência
Mas paixão é diferente
Sobrevive-se para ela
É pessoal e pode ser impercetível
Para os outros
Pode ser desastrosa como um vício
Ou uma dependência muito forte
Muitas vidas e muitos destinos
São decididos ou sacrificados a paixões
E não há como lamentar certas paixões
De artistas e de estudiosos
De poetas e sonhadores
O amor ardente dos criadores
Que estão fascinados
Como abelhas obreiras
Com a realização de uma grandeza
Que colocam sempre em primeiro lugar
Porque dá à própria vida
O sentido que almejam dar.
Carlos Ricardo Soares
O real é uma experiência
De outro mundo
Que faz perder o pé
Quando procuras saber
Como deve ser
O que é.
Carlos Ricardo Soares
As coisas acontecem
Por elas próprias
O tempo passa
Enquanto tento perceber
Porque é que tudo o que faça
Se puder
Só pode alterar a forma
E não a matéria
De acontecer
E chamam a isso
Leis da natureza
Do ser
Mas não acho graça
Não deve ser assim
O nada
Impopular
Vazio do homem
Carlos Ricardo Soares
Hilário: sortudos são os que prescindem de mercado e de público, porque se contentam a si mesmos
Amiga: e há alguém assim?
Hilário: não sei, mas parece que concordas com a minha bem-aventurança
Amiga: estás a colocar uma questão dos diabos porque, se as pessoas se contentassem a si próprias, não se esforçavam tanto para ganhar os mercados e as aprovações dos outros
Hilário: o reconhecimento daquilo que se faz nem sempre acompanha o valor e o mérito daquilo que se faz
Amiga: tu passaste a vida inteira a preparar-te para fazeres o cristo nas argolas e, agora que deixaste as competições, de que é que te serve?
Hilário: eu ainda estou para perceber por que razão investi uma vida numa habilidade que só tem valor como espetáculo, se for bastante espetacular, caso contrário...
Amiga: nunca pensaste que estavas a desenvolver uma arte para teu próprio prazer e realização pessoal, como por exemplo, a poesia, ou a música?
Hilário: em momento algum pensei que passaria o resto da vida a divertir-me com as habilidades adquiridas na alta competição
Amiga: não é coisa que uma pessoa aprenda a fazer com o objetivo de se divertir e de ocupar os tempos livres
Hilário: ao menos, tu tiraste um curso e fizeste sempre tudo pelo prazer de satisfazer a tua curiosidade e de mostrares a ti mesma que eras capaz de algo importante
Amiga: deves estar a brincar, não?
Hilário: o mais importante é a satisfação e os frutos que podes colher daquilo a que te dedicas
Amiga: infelizmente, as pessoas falam muito nesse sentido, sem porem a tónica naquilo que fazem, se gostam ou não, se se sentem realizadas, se se sentem bem, para não dizer felizes.
Hilário: o que me faria feliz, não sei. O que me faz feliz é ter a possibilidade, em cada momento, de procurar e de obter satisfação para as necessidades e para aquilo que devo pensar e fazer
Amiga: também podes encontrar isso num emprego
Hilário: dadas as circunstâncias atuais, talvez tenhas razão. Mas depende muito mais do que são as minhas necessidades do que daquilo que posso fazer para as satisfazer
Amiga: seja como for, o problema de se contentar a si mesmo sem ser através dos outros, pelos outros, é algo enigmático e redutor e apresenta-se como hostil, mesmo que a intenção seja simplesmente prescindir dos outros, como se os aliviasses de um peso que, no fundo, tomas para ti, sem que te agradeçam.
Carlos Ricardo Soares
Amiga: já tens ideias para o que vais fazer este verão?
Hilário: um dia saberás
Amiga: eh lá, isso até parece o título de um romance
Hilário: quem sabe se já foi ou ainda será?!
Amiga: a única coisa que sempre quis e ainda não realizei
Hilário: um romance
Amiga: tu sabes: escrever um romance
Hilário: tens todas as condições para isso
Amiga: a imaginação não basta
Hilário: mas é necessária, ninguém escreve um romance do que lhe aconteceu
Amiga: é isso, comigo não acontece nada, mas imagino tantas coisas?!
Hilário: aproveita as férias
Amiga: ando com ideias para o meu romance “Um Verão a dois”
Hilário: mal posso esperar para ler
Carlos Ricardo Soares