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terça-feira, 14 de outubro de 2025

Aproximações à verdade XLVIII

Amiga: se fores a minha sombra, então és feito da mesma luz que me revela.

Hilário: ou talvez da escuridão que me protege do excesso de claridade.

Amiga: há sombras que abraçam melhor do que braços.

Hilário: e há silêncios que dizem mais do que todas as palavras que ousámos não dizer.

Amiga: este lugar parece suspenso entre o que fomos e o que ainda não sabemos ser.

Hilário: como se o tempo aqui não passasse, mas nos atravessasse.

Amiga: e se a águia ou o grifo nos observava, reconhecesse em nós o seu impulso de voo?

Hilário: ou a mesma hesitação antes de abrir as asas?

Amiga: a rocha pontiaguda continua a apontar para o infinito que, agora, parece menos distante.

Hilário: talvez porque o infinito não seja longe, mas dentro.

Amiga: e se for dentro, então já lá estamos, ou, pelo menos, já o tocámos.

Hilário: e talvez seja por isso que o moinho escuta. Porque há histórias que só se contam quando o vento para.

Amiga: e há encontros que só acontecem quando deixamos de procurar, como este, como nós, sem o sentido dos passos que ainda não demos.

Hilário: mas há encontros que não interessam. Que não nos encontrem antes de estarmos prontos.

Amiga: que não sejamos encontrados por aquilo de que somos fugitivos.

Hilário: fugitivos, mas que deixamos rastos.

Amiga: e há rastos que são convites, não despedidas.

Hilário: como este lugar, que parece ter estado tanto tempo à nossa espera.

Amiga: ou talvez tenha sido desenhado, concebido, por nós, sem o sabermos.

Hilário: a águia, ou o grifo, talvez tenha pousado aqui por isso.

Amiga: porque há sítios que só existem quando alguém os deseja e os contempla.

Hilário: e há contemplações que criam mundos.

Amiga: como este. Como nós.

Hilário: como se ganhássemos a forma do que criámos.

        Carlos Ricardo Soares

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