Amiga: se fores a minha sombra, então és feito da mesma luz que me revela.
Hilário: ou talvez da escuridão que me protege do excesso de claridade.
Amiga: há sombras que abraçam melhor do que braços.
Hilário: e há silêncios que dizem mais do que todas as palavras que ousámos não dizer.
Amiga: este lugar parece suspenso entre o que fomos e o que ainda não sabemos ser.
Hilário: como se o tempo aqui não passasse, mas nos atravessasse.
Amiga: e se a águia ou o grifo nos observava, reconhecesse em nós o seu impulso de voo?
Hilário: ou a mesma hesitação antes de abrir as asas?
Amiga: a rocha pontiaguda continua a apontar para o infinito que, agora, parece menos distante.
Hilário: talvez porque o infinito não seja longe, mas dentro.
Amiga: e se for dentro, então já lá estamos, ou, pelo menos, já o tocámos.
Hilário: e talvez seja por isso que o moinho escuta. Porque há histórias que só se contam quando o vento para.
Amiga: e há encontros que só acontecem quando deixamos de procurar, como este, como nós, sem o sentido dos passos que ainda não demos.
Hilário: mas há encontros que não interessam. Que não nos encontrem antes de estarmos prontos.
Amiga: que não sejamos encontrados por aquilo de que somos fugitivos.
Hilário: fugitivos, mas que deixamos rastos.
Amiga: e há rastos que são convites, não despedidas.
Hilário: como este lugar, que parece ter estado tanto tempo à nossa espera.
Amiga: ou talvez tenha sido desenhado, concebido, por nós, sem o sabermos.
Hilário: a águia, ou o grifo, talvez tenha pousado aqui por isso.
Amiga: porque há sítios que só existem quando alguém os deseja e os contempla.
Hilário: e há contemplações que criam mundos.
Amiga: como este. Como nós.
Hilário: como se ganhássemos a forma do que criámos.
Carlos Ricardo Soares
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