O viés de confirmação é um dos mecanismos cognitivos mais estudados na psicologia e nas ciências sociais. Eis alguns pontos que merecem destaque:
1- O cérebro como mestre da economia cognitiva. A ideia de que o cérebro “engana” pode ser provocadora, mas é metaforicamente eficaz. O cérebro privilegia atalhos mentais (heurísticas) para lidar com a sobrecarga de estímulos e decisões. O viés de confirmação é um desses atalhos, ele reduz o esforço cognitivo ao evitar o confronto com informações dissonantes.
2 - Como o viés opera? Procuramos, interpretamos e lembramos informações que confirmam nossas crenças prévias, ignorando ou desvalorizando as que as contradizem. Isso afeta desde preferências de consumo até convicções políticas, religiosas ou morais.
3 - Amplificação pelas redes sociais. Os algoritmos reforçam esse viés ao personalizar conteúdos com base em interações anteriores, criando bolhas epistémicas. Essas bolhas podem gerar polarização, dificultar o diálogo e cristalizar identidades em torno de certezas não examinadas.
4- O valor da dúvida. O texto propõe um antídoto: consciência crítica, exposição deliberada à diferença, e o exercício da pergunta “E se eu estiver errado?”. Esse gesto é filosófico, ético e democrático e abre espaço para o pensamento dialógico, para o reconhecimento da alteridade e para a revisão de pressupostos.
A escuta ativa e o questionamento são formas de liberdade.
Assim sendo, quanto mais estivermos confirmados naquilo que pensamos, e isso é particularmente verdadeiro para o mundo académico e religioso e político-partidário, mais improvável é que exerçamos a consciência crítica. Esta inferência é sólida e profundamente inquietante.
Quanto mais investidos emocional, identitariamente ou institucionalmente, numa crença ou sistema de pensamento, mais difícil se torna questioná-lo de forma crítica. Isso não significa que seja impossível, mas que há forças cognitivas, sociais e afetivas que resistem à dúvida.
Por que é que a confirmação dificulta a crítica?
1 - Identidade e pertença. Em contextos académicos, religiosos ou político-partidários, as crenças não são apenas ideias, são marcadores de identidade. Questioná-las pode parecer uma ameaça ao sentimento de pertença ou à coerência pessoal.
2 - Capital simbólico. Professores, líderes religiosos ou políticos acumulam prestígio com base em certas convicções. Mudar de posição pode parecer perda de autoridade ou traição ao grupo.
3 - Ambientes de reforço. Instituições tendem a recompensar a conformidade e punir a dissidência, mesmo que subtilmente, através de exclusão, desvalorização ou silêncio.
O paradoxo da crítica institucional:
4 - O mundo académico, por exemplo, valoriza a crítica, mas muitas vezes reproduz dogmas teóricos ou modas intelectuais que se tornam intocáveis.
5 - O religioso, que deveria cultivar o mistério e a abertura ao transcendente, pode cristalizar-se em doutrinas que confundem fé com certeza.
6 - O político, que deveria ser espaço de negociação e pluralismo, frequentemente polariza posições e transforma adversários em inimigos.
Como cultivar consciência crítica mesmo dentro de sistemas fechados?
Praticar o deslocamento. Ler autores fora do próprio campo, ouvir vozes marginais, experimentar o desconforto da alteridade. Dramatizar o pensamento. Encenar o conflito entre vozes, deixar que o texto se torne palco de negociação ética. Interrogar a linguagem. Toda a certeza se expressa por palavras e toda a palavra carrega ambiguidade.
A crítica começa onde a linguagem vacila.
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