Amiga: e todas estas escarpas a separar-nos do lado de lá, que não vemos, nem sabemos o que é, Hilário…é como se, pela primeira vez, estivesse a olhar para dentro de mim. Sabes o que nos está a acontecer? Estamos perdidos. Ainda não tinha pensado nisso.
Hilário: perdidos? Como quem não sabe voltar? Ou como quem nunca soube para onde ia?
Amiga: como quem andou tanto que esqueceu o porquê. Como quem parou num lugar e só depois percebeu que o destino, afinal, era um desvio para um beco sem saída.
Hilário: talvez este seja o lugar onde os perdidos se encontram. Não para se acharem…
Mas para se reconhecerem.
Amiga: não me atormentes ainda mais. Tudo o que vemos é demasiado poderoso e esmagador. O nosso corpo, para suportar a visão deste lugar, precisava de ter a alma que foi perdendo até chegar aqui. Eu não queria estar perdida. Queria estar a caminho de alguma coisa. Mesmo que fosse só uma fantasia no horizonte.
Hilário: e não terá sido isso que nos trouxe até aqui? A fantasia de que estávamos no bom caminho, mesmo sem sabermos qual?
Amiga: mas agora não há caminho. Só pedra, vento, e este moinho que não nos diz nada. E cada vez tenho mais a sensação de que estamos a ser observados, de que não estamos sós.
Hilário: então talvez estejamos a ser também escutados. Às vezes, ser escutado já é mais do que saber para onde se vai.
Amiga: então somos dois perdidos a conversar com pedras? É isso? Mas eu sinto que as pedras são fortificações onde se escondem feras que não nos temem, que esperaram todo o tempo que foi preciso até chegar o momento de nos atacarem, sem que tenhamos capacidade para enfrentá-las.
Hilário: dois perdidos que ainda conversam. E isso, Amiga… já é alguma coisa.
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