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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Aproximações à verdade XLIII

Amiga: não é este o lugar onde estávamos ontem. Quando chegamos e decidimos ficar, não era este lugar, assim tão refugiado, tão inacessível, a dar diretamente para as escarpas, aqui acaba o mundo. Se der um passo em frente precipito-me no abismo. Até aquela águia, ou talvez seja um grifo, que nos observa com insistente curiosidade, não ousa transpor este limite. E ouço o barulho de forte rebentação de mar, mas não vejo mar nenhum.
Hilário: isso é bom ou mau?
Amiga: não sei. Assusta-me. Porque não faço ideia de como viemos parar aqui. Não houve estrada, nem mapa, nem plano. Só andamos em frente e agora estamos num lugar aonde ninguém chega.
Hilário: talvez seja por isso que chegámos. Porque ninguém vem. E nós, sem sabermos, fomos até onde o mundo não olha.
Amiga: mas, e se este lugar for hostil, Hilário? E se for só o fim da linha? Como se o caminho tivesse deixado de nos querer?
Hilário: ou talvez o caminho não tenha vontade nenhuma. Talvez seja como o vento: leva quem se deixa levar. E nós deixámo-nos.
Amiga: mas há algo estranho. Aqui o silêncio não tem fundo. Aqui o tempo não passa, ou passa sem nos contar.
Hilário: talvez este seja o lugar onde o tempo descansa. E nós viemos fazer-lhe companhia.
Amiga: e se ficarmos presos? E se este lugar nos ignorar como o mundo já nos esqueceu?
Hilário: então que nos ignore. Mas que nos ignore juntos. Porque há lugares que assustam menos quando se partilha o não saber.
Amiga: não precisas de delírio, mas aceitas caminhar ao lado dele.
Hilário: talvez isso fosse antes de chegarmos aqui. Quando havia grandeza também em proteger o sonho dos outros.

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