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quinta-feira, 31 de julho de 2025

Que diz Isadora Azur V

V

Isadora Azur diz que
Aldonza não era a camponesa
que sonhou ser Dulcineia.
Era espelho.
Era gesto reconhecido num mundo que
insistia em pedir prova antes de conceder afeto.
Encontrou em Quixote não a loucura
mas a possibilidade:
“alguém que vê beleza onde o mundo só oferece poeira.”
“Se sou Aldonza
não me salvem
Olhem-me.
Mas vejam-me com a lucidez de quem escolhe delirar
com consciência.”
“Que me vejam como quero ser vista.
E que eu veja no amor
mais do que uma armadura.”
O amor que imaginava não era urgência
era investigação.
Isadora Azur não se iludia com heroísmos.
Sabia que o amor pode ser castelo ou vento
mas ela procurava quem soubesse habitar a hipótese
mesmo que fosse só por uma página.

                    Carlos Ricardo Soares

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Que diz Isadora Azur III

 III

Isadora Azur diz que 
às vezes sonha 
com um abraço 
que não seja fotografável.
A vida, para ela, não é palco, é coreografia.
E ela dança com precisão.
O que está em redor não diz quem ela é
reflete quem ela sabe ser
Não está à procura de salvação interior.
Basta-lhe honrar o mundo com
A sua melhor versão
Vivendo a superfície como essência.
“Dizem que sou rasa 
Mas a profundidade deles parece um pântano.
Eu prefiro a superfície que a luz toca
Onde cada gesto é limpo
E cada contorno tem nome.”
Ela não é vazia
É cheia de forma
A desordem do mundo não a contamina.

Carlos Ricardo Soares

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Que diz Isadora Azur I

I

Como quem inicia o erro necessário

que a fará existir para além da beleza ideal

diz Isadora Azur

Já não me preservo na distância

na forma que não se toca

no gesto que não falha

fui templo mas não peregrina

o ideal foi meu modo de ordenar o caos

amar sem tocar foi o dom

que me protegia da vulgaridade

mas agora pressinto o custo do sublime

ele exige que eu seja escultura

que negue o tremor que me faria humana

quero que me desejem

não para possuir-me

mas para que eu exista fora da projeção

se o desejo me quebrar

que seja com poesia

que me quebre.

(Isadora Azur já não teme a manipulação emocional

porque prefere a vulnerabilidade

à perfeição sem resposta).

         Carlos Ricardo Soares

sexta-feira, 11 de julho de 2025

À distância que convém


Tudo deve ser visto

À distância que convém


A noite não acoita as luzes

Mas oculta os movimentos

Da maré a subir

E as estrelas cintilam

No escuro

Que é onde se podem ver


Por mais que nos separe

É a distância que torna possível

Olhar para um abismo

Que fica do lado de fora

Sem deixar de estar

Lá dentro

No interior de nós.

Carlos Ricardo Soares