Com sol na vidraça Da aurora baça A horas tardias da tarde E da noite Escrevo palavras e frases Que aspiram a ser Textos Por mais que os torça De pequeninos Como os pepinos Não passam disso Frustrações de um sonhador Que envelhece A ver O que acontece.
Uma voz que se ergue Na noite cerrada Mais doce e mais leve Que um grama de nada E tão bem a ouço À voz amada Tão bem encanta A madrugada Tão bem se estende Para o dia Mais sede e mais fome Que a alegria Chama Sabe o meu nome Arde E não está queimada Mais cedo e mais tarde Que o tempo Cresce E não foi plantada.
Esta certeza é efémera como todos os brilhos Como as chamas arrefecem nas órbitas De monstros venenasas Ruínas de castelos que já foram no ar Sobranceiros a campos Onde são matagais Cemitérios onde adros já foram festivos Esta tristeza desmemoriada do que foi alegria Ao compasso de todas as músicas De todas as marchas não reeditadas E dos silêncios sobrevindos De todos os sinos De todos os tempos Tratados de filosofia À espera De um cérebro que os pense Até à próxima explosão do Universo Que não precisa da ciência Nem de contexto histórico Como a minha morte Para acontecer Sou fútil e distraído Como as estrelas brilham Como um ébrio enquanto não adormece Trato de banalidades Porque já é aquilo que há-de vir a ser Eu já nasci morto.
Desta vez lembrei-me do cavalo De um tempo que não passava Isso sim era tempo Eu não temia Aventurava E cada noite E cada dia Mais gostava Do meu cavalo Que pedi aos saltimbancos E mo deram Ou sem que eu saiba Mo compraram Na feira mais bonita E mais saudosa Em que estiveram As pessoas menos sorumbáticas Da história Mas o tempo passou E o meu cavalo Não gostou E morreu.
O esquecimento foi-se apoderando Da vida como um rosto bom Que a tornava mais leve E mais tranquila
Como uma água que lava as mãos Ou uma nuvem que protege do sol Dia após dia ano após ano Desligou-me de muitas coisas Enquanto me ligava a outras
Foi-me tornando diferente Em parte com o meu consentimento Foi-me despojando de uma narrativa Que era uma sucessão de partidas Com abandonos e despedidas Algumas por minha vontade Outras sem nada poder fazer
Sempre preso por algum dever E muito por necessidade Andei de terra em terra A esquecer E a matar saudades De outro tanto Que o esquecimento não varreu E que o passar dos anos avivou Dando à minha vida Algum encanto Até aos momentos mais caóticos Algum sentido Que parecia não ter
Esqueci e fui esquecido Num percurso em que Muitas vezes não estive acompanhado Imaginei o bom que é amar E ser amado
Desejei imensas coisas Que não tive E temi muitas outras Que não aconteceram
Amei com ímpetos de mar Rompendo diques Movendo montanhas Com fervor Esqueci os ódios Mas não esqueci o amor.
Se deparares com o arcaz granítico do adro Sem decoração nos laterais mas com epígrafe Numa das quatro águas da tampa lisa hexagonal E abrires as gavetas pesadas do pensamento Ao espaço profundamente sombrio De quinhentos ou mais invernos de vazio E aí encontrares sentimentais estranhezas Resguardadas de olhares superficiais Pedras manuscritas por pedreiros profetas Com delicadezas de cartas de amor A tantas Ineses como a do Pedro Justiceiro Rainhas do amor Mortas primeiro... Isso é um sarcófago.
Asinino tem coisas mirabolantes De deixar o diabo sem esperança De o fazer chegar aonde ele quer
Asinino não se faz desentendido Ele não entende porque não quer Mas deixa-se fascinar Da forma mais imprevisível E sem perceber Anula todos os efeitos Do que observa Deixando o diabo a pensar «Que é que o faz então observar?»
O diabo não tira o olho da ampulheta E espera que a areia acabe numa âmbula Para a virar ao contrário E assim continuar a confirmar A sua crença na medição do tempo
Asinino vê a areia a passar E não espera nada Fica a olhar Quando a areia acaba É ele que se vira ao contrário E como a areia continua parada Pára o calendário.